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Nova Vida

— Acorda, preguiçosa. — Abro as cortinas do quarto.
— Ah, qual é? Está de madrugada ainda, Helena! — Alice se espreguiça, enrolando-se ainda mais no edredom, em seguida.
— São quase dez da manhã, Alice.
— Mas está escuro. — Ela resmunga.
— Isso se chama poluição.
— Ahn? É sério? — Ela se vira e me olha.
— Não. — Dou uma risada. — Bom, deve ser isso também. Mas na verdade, acho que vai chover.
— Ah, então me deixa dormir, Helena!
— ALICE!
— Ai, que saco. — Ela se senta na cama. — Acordei, pronto. feliz?
— Sim. — Sorrio, enquanto ela revira os olhos. — Seu bom humor matinal me impressiona.
— Sua falta de sensibilidade também.

Saio rindo do quarto, enquanto Alice vai para o banheiro arrastando os pés.

— Conseguiu acordar a dorminhoca? — Dona Camélia pergunta, enquanto organiza seus livros de receitas no armário da cozinha.
— Com muito custo. Ela tem um péssimo humor pela manhã. — Ergo as sobrancelhas, me apoiando no balcão, em seguida. — Camélinha, você fez a lista de compras? Vou aproveitar que a Bela Adormecida acordou e vou ao mercado.
— Fiz sim, querida. Está no braço do sofá.
— Obrigada. Vou nesse aqui pertinho de casa, o mesmo que fui ontem. Não demoro, mas qualquer coisa, é só me ligar. — Ajeito a alça de minha bolsa marrom no ombro, pego a lista e vou em direção à porta.
— Filha! — Camélia me chama. — O guarda chuva. Quer ficar doente logo no primeiro dia da nova vida? — Estende-o para mim.
— O que seria de mim sem você? — Sorrio, pegando o guarda chuva de sua mão.
— Eu realmente não sei.

Vou caminhando até o mercado, que fica há apenas quatro quadras de casa. Em poucos minutos chego, no mesmo momento em que a chuva começa a engrossar. Pego um carrinho, enxugo os pingos que caíram em meu moletom cinza e começo a caminhar pelos corredores, seguindo a lista de dona Camélia.

— Droga, por que eles colocam o amaciante sempre no alto? — Reclamo, enquanto fico na ponta dos pés, tentando alcançá-lo.
— Quer ajuda? — Um rapaz de cabelos castanhos escuros e um sorriso de tirar o fôlego me observa nessa situação, no mínimo, constrangedora.
— Ah... Eu já estava quase alcançando, sabe...
— Eu vi mesmo. — Ele ri, pegando o amaciante para mim. — Só quis ser gentil, você alcançaria sem problemas.
— É claro que sim. — Dou um pequeno sorriso. — Obrigada.
— Por nada...
— Ah... — Entendo sua deixa para eu me apresentar. — Helena. — Estendo a mão.
— Nathan. — Ele a aperta, sorrindo. — Você é daqui mesmo, Helena? De São Paulo?
— Não. Sou do interior de Minas, na verdade. — Explico. — Me mudei para cá ontem.
— Notei pelo sotaque. — Ele sorri. — Seja muito bem vinda então, mineirinha!
— Obrigada!
— Animada para encarar o caos paulista?
— Com certeza. — Dou uma pequena risada.

Ele sorri.

— Bom, vou deixar você terminar suas compras em paz. Se mais alguma coisa estiver muito alta, me chame, ok?
— Pode deixar.

Nathan pisca e se afasta devagar.  

— É. Não estamos nada mal, Helena. — Penso alto e volto minha atenção às prateleiras.

Terminadas as compras, já na fila para pagá-las, vejo Nathan passando suas compras ao lado, conversando e rindo com a caixa.

— Uau. Você gosta mesmo de Nutella, né? — Observo, chocada, os quatro potes que a moça acaba de passar.
— Nutella nunca é demais. — Ele sorri, empacotando suas compras. — Ei Helena, para onde você vai agora?
— Para minha casa. Por quê?
— Aceita uma carona?
— Nunca se deve aceitar carona de estranhos. — Ergo uma sobrancelha. — Ainda mais em uma cidade estranha. 
— Mas eu não sou estranho. — Nathan se defende, virando-se para a caixa que passa minhas compras. — Eu sou estranho, Rê?
— Hum... Vejamos. Você tem dois olhos, um nariz, uma boca... — Ela finge o reparar. — É, nada estranho.
— Viu só? — Nathan sorri para mim.
— Fique tranquila moça, Nathan é um bom rapaz. Pode aceitar a carona. — A outra moça do caixa afirma.
— Vocês tem certeza?

Elas fazem um gesto afirmativo com a cabeça.

— Está bem, vocês venceram. Eu aceito a carona, então.
— Devo uma para vocês. — Nathan aponta com um sorriso para as caixas.
— E pode ter certeza que vamos cobrar isso. — A caixa que o atendeu brinca.
— Viu só como elas são?

Acabo rindo com eles e, enquanto Nathan embala minhas compras e as leva até o carro, eu pago, me despeço das moças e o sigo.

— Ok. Qual o destino? — Nathan pergunta, colocando o cinto de segurança.
— Esse prédio pertinho daqui. Edifício Gama.
Edifício Gama, daquele tal de Caíque?
— Bom, eu conheci um Caíque Gama ontem. Ele foi levar o contrato do apartamento para mim, então... Deve ser.
— Hum.
— Você conhece ele?
— Só pelos sites de fofoca.
— Você não tem cara de quem lê sites de fofoca. — Ergo uma sobrancelha,  sorrindo.
— Não leio. Mas eles aparecem em todo lugar.
— E por que ele aparece nesses sites?
— Ah, vive se metendo em confusão ou trocando de namorada toda semana. E como é rico, todos dão atenção a isso. — Nathan dá de ombros.
— Entendi. — Me ajeito no banco.

— Prontinho. — Ele estaciona à porta do prédio, minutos depois.
— Obrigada, Nathan.
— Não tem que agradecer. Eu não deixaria uma moça bonita como você ir embora embaixo de chuva e cheia de sacolas. — Ele sorri e desafivela o cinto. — Vamos, eu te ajudo com as compras.
— Você é sempre gentil assim ou só está querendo me impressionar?
— Fica no ar a pergunta. — Nathan pisca, descendo do carro e pegando as sacolas.

Seguimos pelo elevador até meu apartamento, cumprimentando antes, Israel na recepção.

— Cheguei. — Destranco a porta e adentro o apartamento, com Nathan logo atrás de mim. — E trouxe visita.
— Visita? Que visita, garota? Nem conhecemos ninguém aqui e... — Alice para abruptamente de falar quando vê Nathan. — Nossa, oi!
— Oi. — Ele sorri.
— Nathan, essa é Alice, minha irmã.
— Muito prazer, Alice. — Ele a cumprimenta com um beijo no rosto.
— O prazer é todo meu. — Alice responde, ainda surpresa e, logo que Nathan se vira para colocar as sacolas sobre o balcão, ela sussurra para mim: — Onde é que vocês se conheceram?
— Ali no supermercado. — Respondo no mesmo tom.
— Você é doida? Trazer um cara desconhecido para dentro de casa assim?

Dou de ombros.

— Maluca! Mas, — Alice mede Nathan com os olhos: — arrasou!

Sorrio, fazendo um gesto negativo com a cabeça.

— Compras entregues, Helena seca... Minha missão está concluída. — Nathan se volta para nós, com um sorriso.
— Mais uma vez Nathan, muito obrigada.
— Me agradeça passando seu número. É que... Sabe, talvez você possa precisar de outra carona. — Ele ruboriza levemente.
— Hum, parece que estou sobrando aqui. — Alice sorri, gira nos calcanhares e vai para o quarto.
— Não liga para ela. — Sorrio, sem graça. — Mas acho que talvez eu precise mesmo de outra carona.

Nathan sorri e tira o celular do bolso, estendendo-o para mim. Eu anoto meu número e o devolvo.

— Até logo, Helena.
— Até, Nathan.

— Conte-me tudo e não esconda-me nada. — Alice sai do quarto, seguida por dona Camélia, assim que fecho a porta.
— Ele só me ajudou. Não aconteceu nada demais.
— Sei. Vi bem como ele te olhava. — Alice sorri, maliciosa.

Reviro meus olhos, rindo.

Enquanto guardo as compras, me lembro de como Nathan se referiu à Caíque:

 "... Vive se metendo em confusão ou trocando de namorada toda semana."

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