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Desencontros

Os pequenos raios de sol entram pela cortina, me despertando. Abro os olhos lentamente e me espreguiço. Em seguida, procuro por Caíque na cama, mas não o encontro.

— Bom dia.
— Ai! — Coloco a mão sobre o peito. — Que susto, Caíque!
— Ei, qual é? — Ele ri. — Sou tão feio assim?
— Não, claro que não. Só me pegou de surpresa.
— Está acostumada a acordar sempre antes de mim. Dessa vez, o jogo virou. — Ele aponta, piscando.
— Ponto para você. — Me sento na cama. — Nossa, espera aí. Onde você vai assim?
— Para a empresa. Meu pai marcou uma reunião comigo e os acionistas. — Ele abre os braços, mostrando seu impecável terno bem cortado preto. — Estou me sentindo ridículo com essa roupa.
— Que nada. Você está um gato.
— Sério?

Concordo com a cabeça.

— Começar o dia com um elogio desses é realmente animador. — Sorri. — Acho que você até merece um agrado por isso.
— Mereço?

Ele concorda com a cabeça.

— Hum, tipo o quê?
— Espera. Não sai daqui, ok?
— Ok. — Sorrio e assim que ele deixa o quarto, ajeito meu cabelo e pijama.

Pouco depois, Caíque retorna com uma deliciosa bandeja de café da manhã.

— Uau! Tudo isso por causa de um simples elogio?
— Pois é.
— Vou te elogiar sempre. — Mordo um morango.

Ele ri.

— Bom, já vou indo, então. A reunião está marcada para as dez. 
— Tudo bem.
— Se precisar de alguma coisa, pode me ligar. Lúcia e Alfredo também estarão aqui, então...
— Eu ficarei bem. Pode ir tranquilo.
— Ok. Bom, até mais tarde.
— Até. — Me ajoelho na cama e o beijo no rosto. — Boa sorte, para o que quer que seja.
— Obrigado.

Caíque gira nos calcanhares com um sorriso genuíno nos lábios e se vai.

Termino meu café, tomo uma ducha e depois, ainda enrolada na toalha, resolvo checar meu email. Faço isso todos dias, na esperança de ter um retorno de alguma empresa.

— Nada, para variar.

Passo os olhos pelas notícias do dia, até que me vejo em uma, em local de destaque.

"Flagra: Caíque Gama é visto jantando com sua esposa em Temakeria". Ah, tá de brincadeira? Como não vi eles tirando essas fotos?

Logo, outra matéria é sugerida:

"Casamento do Ano: Caíque Gama, herdeiro da Exxon, casa-se em São Paulo. Veja fotos exclusivas".

É, até que ficaram boas. — Analiso as fotos da galeria.

 Fecho o notebook e, depois de me arrumar, vestindo uma camiseta preta, jeans claro e tênis, desço com a bandeja quase vazia até a cozinha e aproveito para conhecer Lúcia.

— Olá, bom dia. — Cumprimento-a, enquanto ela lava as louças.
— Bom dia, senhora. — Lúcia se vira, secando rapidamente as mãos no avental.
— Me chamo Helena. Pode me chamar assim.
— Ah, me perdoe. — Ela tira a bandeja de minha mão enquanto fala. — É que o senhor Caíque gosta de ser chamado assim, então...
— Caíque gosta de ser chamado de "senhor"? É sério isso?
— Por favor, não comente nada. — Lúcia me pede, quase em um sussurro. — Sabe como o rapaz é, não gosta de empregados falando sobre ele. 
— Fique tranquila. Não falarei nada que possa prejudicá-la.
— Muito obrigada. Eu preciso muito desse emprego, sabe? Tenho filhos pequenos para criar.
— Eu sei. É um prazer te conhecer, Lúcia.
— O prazer é meu, se...

Olho-a em censura.

— Helena.

Sorrio.

— Lúcia, vou dar uma saidinha, mas não devo demorar. Se caso Caíque chegar antes de mim, você pode por favor, pedir para ele me ligar?
— Claro, Helena.
— Obrigada. E depois quero conhecer seus pequenos, ok?
— Ok. — Ela sorri.

Subo até o quarto, pego minha bolsa e só quando estou prestes a sair, me lembro que estou sem carro.

— Ah... Lúcia, tem algum ponto de ônibus aqui por perto? — Volto até a cozinha para perguntar.
— Ponto de ônibus? Para quê?
— Vou visitar minha irmã, mas acabei de me lembrar que estou sem carro e que ela mora um pouco longe daqui.
— Ora, imagine Helena. Você andando de ônibus? — Lúcia deixa as louças. — Vou avisar o Alfredo.
— Ah, imagina. Não precisa.
— Ele está aqui para levá-la onde desejar.
— Mas...
— Alfredo ama dirigir. Não tire isso dele.
— Tudo bem, você venceu. — Baixo os ombros, cedendo.

Lúcia sai sorrindo para chamar Alfredo, que rapidamente prepara o carro.

— Para onde a senhora deseja ir? — Ele pergunta, no banco do motorista.
— Já vi que vou precisar ter a mesma conversa que tive com Lúcia. — Concluo, no carona. Me recusei a ir no banco de trás. — Me chame de você.
— Ah, me desculpe. O senhor Caíque me deu ordens para...
— Então leve isso como uma ordem minha: — Interrompo-o. — Helena. Só Helena.
— Como desejar.
— Vamos para o Edifício Gama, por favor, Alfredo.

Ele confirma com a cabeça e dá partida. No caminho, porém, peço para ele mudar o destino.

— Não demoro.

Paro à porta e toco a campainha por uma, duas, três vezes, mas Nathan não me atende. Pego o celular e penso em ligar, mas desisto, afinal ele não retornou minha ligação até hoje, não deve estar interessado em falar comigo.
 
Volto para o carro e Alfredo, sem fazer perguntas, me leva até o prédio.

— Quer subir comigo?
— Obrigado. — Ele recusa, educadamente. — Aguardo a senhora aqui.

Franzo o cenho.

— Você. — Ele corrige. — Aguardo você aqui.
— Está bem. — Sorrio. — Não devo demorar.

Desço do carro e subo as escadas. Logo que entro na recepção, avisto Israel.

— Oi Israel, como vai? — Vou até ele, cumprimentando-o com um abraço.
— Estou bem e você?
— Também. E o namoro, firme e forte?
— Como aço. — Ele sorri.
— Que bom.
— E o casamento?
— É, estou sobrevivendo. — Rio pelo nariz. — Sabe se a Alice está em casa?
— Está sim, preparando as encomendas.
— Vou lá dar um beijo nela, então.
— Tudo bem, até logo.
— Até.

Sorrio e subo pelo elevador.

— Oi meus amores. — Destranco a porta, sorrindo.
— Oi querida. — Camélia vem me abraçar.
— Hum, que cheiro bom.
— Claro, olha quem está comandando o fogão. — Alice pisca, da cozinha.
— Tão modesta!
— Modéstia é minha maior qualidade.
— É claro. — Reviro os olhos, sorrindo.
— Sentiu saudades?
— Muita. — Faço um bico, me sentando na bancada. — Mas também não tinha nada para fazer lá, naquela casa imensa. Caíque saiu cedo para uma reunião da empresa.
— Caíque na empresa? Morro e não vejo tudo!
— Pois é. — Pego um pouco de gergelim para comer.
— E como foi que você veio para cá? — Camélia questiona.
— Vim com o Alfredo.
— Quem é Alfredo? — Alice pergunta, mexendo no fogão.
— Trabalha lá em casa.
— Trabalha, tipo... Um motorista? — Alice boquiabre-se. — Que chique!
— Eu não me sinto nada confortável com isso, mas não tinha outra opção. — Encolho os ombros.
— Você vai ter que se acostumar, filha. Agora é esposa de um homem importante. — Camélia se senta ao meu lado.
— É, eu sei. Mas ainda é estranho.
— E o temaki de ontem, estava bom? — Alice retoma.
— Já viu a coluna da Sarina, né?
— Achei que você ficaria surpresa. Droga.

Dou uma risada.

— É, o papo está bom, mas acho que já vou indo.
— Mas já, irmã?
— Por que não fica para almoçar conosco? — Camélia sugere.
— Infelizmente, hoje não posso. Preciso fazer uma média com o Gama. — Meneio a cabeça. — E também o Alfredo está me esperando lá embaixo.
— Tudo bem querida, nós entendemos. 

Aplico um beijo em sua testa.

— Vamos fazer um jantar em família logo, logo.
— Combinado!
— Lena, espera só um pouco. — Alice embrulha dois de seus hambúrgueres e me entrega. — Leve para você experimentar: hambúrguer de grão de bico com cebolas caramelizadas.
— Uau! Toda gourmetizada. — Brinco.— Você está cada dia melhor.
— É só meu trabalho. — Ela finge humildade.
— Me mata de orgulho. — Beijo sua bochecha. — Tchau Li, se cuida.
— Tchau irmã. Vamos nos falando.
— Tchau, Camélinha.
— Tchau, minha querida, vá com Deus.
— Amém! — Mando-lhe um beijo, antes de sair.

Volto para a recepção e me despeço de Israel. Em seguida, entro no carro, onde Alfredo me espera.

— Demorei? — Pergunto.
— De forma alguma.

Sorrio.

No caminho de volta para casa, meu celular toca:

Alô.
Oi Helena, onde você está? Lúcia me disse que você saiu um tempo.
— Ah, eu vim ver como Alice e Camélia estavam, mas estou indo embora.
Então, não demore. Tenho uma ótima notícia para te dar.
— Jura? O que é?
— Quando você chegar aqui, eu te conto.
— Ah, chato. Estou chegando.
— Beijos.
— Beijo!

Desligo e encaro os sanduíches.

— Alfredo, você gosta de comidas sem glúten?
— Para falar a verdade, eu nem sei o que é isso, Helena.

Dou uma risada.

— Ah, coisas da minha irmã nutricionista, sabe? Eu prefiro um X-tudo, mas até que esse aqui é bom. — Estendo um hambúrguer para ele. — Prova.

Alfredo agradece e sorri, pegando o hambúrguer. Eu retribuo seu sorriso e dou uma mordida no meu.

— Obrigada, Alfredo. 
— Não tem nada o que agradecer, Helena. 
— Depois me conta o que achou do hambúrguer, ok? — Abro a porta e desço do carro.
— Pode deixar.

Dou um sorriso, antes de entrar na casa.  

— Finalmente. — Caíque se levanta do sofá logo que me vê.
— Eu nem demorei tanto assim, exagerado. — Semicerro meus olhos. — Vai, me conta. Qual é a novidade?
— A curiosidade matou o gato.
— Fala logo, Caíque! — Franzo o cenho.
— Ok! — Ele se senta e eu o acompanho. — Hoje na reunião, eu fui apresentando como novo acionista...
— Jura? Parabéns!
— Obrigado. — Ele sorri fraco. — Foram comunicadas algumas mudanças no quadro de funcionários e algumas vagas também foram abertas.
— Certo, mas... E aí?
— E aí que dentre essas vagas, precisaremos de uma auxiliar contábil.
— Ah, Caíque... Eu fico realmente feliz que tenha pensado em mim, mas não quero entrar na empresa só porque sou sua esposa.
— E quem disse que você entrará por isso? Eu só te consegui uma entrevista. Você só será contratada se for realmente capaz. E já vou adiantar, eles são muito exigentes.
— Sério?

Ele consente.

— Melhor ainda. Adoro um desafio. — Sorrio. — Obrigada.
— Agradeça arrasando na entrevista.
— Deixa comigo!
— Agora, vamos almoçar? Eu pedi para Lúcia preparar um prato especial. 
— Ah, eu acabei de comer um hambúrguer sem glúten da Alice... — Mordo o lábio. — Mas acho que ainda tem um espacinho.

Caique sorri e levantando, oferece sua mão, me guiando até a sala de jantar.

Almoçamos e, pouco mais tarde, a campainha toca. Me levanto e vou atendê-la.

— Olá. — Paulo sorri, da porta.
— Oi, Paulo. Entra.

Ele agradece com um sorriso.

E aí, irmão?

Caíque e ele se abraçam.

— Você sumiu.
— Não ia ficar atrapalhando a lua de mel de vocês, né?
— Lua de mel? — Debocho, com um sorriso torto nos lábios.
— Mineirinha marrenta. Nem para entrar no clima. — Caíque resmunga.
— Helena, e sua irmã... Ela está bem? — Paulo pergunta.
— Está sim. — Sorrio, maliciosa.
— Por que você está me olhando desse jeito? — Ele franze o cenho.
— Eu? Por nada. — Ergo as mãos.
— Ele está doido para entrar pra família. — Caíque cochicha em meu ouvido.
— Nada a ver, mano. Não viaja. — Paulo ruboriza. — Mas, Helena... Assim, só por curiosidade... Ela namora?
— Namora, sim.
— Ah. — Ele baixa os ombros, nitidamente desapontado.
— Calma irmão, vai que rola uma crise.
— Ei, para de agourar. — Bato fraco no braço de Caíque.

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