De volta
— Agora você pode me explicar o que foi aquilo? — Pergunto, enquanto almoço com Caíque.
— Aquilo o quê? — Ele finge não entender, dando um gole em seu suco.
Reviro os olhos.
— Por que você me beijou daquele jeito no meio do corredor?
— Vi que você estava nervosa. — Dá de ombros. — Tentei ajudar.
— Ah, claro. Me beijar foi uma ótima ajuda!
— Me desculpe. Eu agi por impulso... Enfim.
— Você já pensou se alguém tivesse nos visto?
— E o que tem de mais nisso? Estamos na minha empresa e somos casados.
— Ah, é... — Reflito. — Faz sentido.
Caíque sorri.
— Mas mesmo assim, você não pode ficar me beijando desse jeito!
— Ok. Me desculpe.
— Tudo bem. — Cutuco um tomate cereja com o garfo. — Você é completamente imprevisível, sabia?
— Isso é bom?
— Não. É... Confuso. Não sei o que esperar de você. Nunca sei.
— Então, não espere nada. Se tem uma coisa que eu aprendi nessa vida é que não devemos esperar nada de ninguém. As pessoas têm o dom de nos decepcionar. Agora, quando você não espera nada, às vezes, pode se surpreender. Ou pelo menos, não se machucar.
— Quem é você e o que fez com Caíque? — Encaro-o, chocada.
Ele ri.
— Engraçadinha.
— Eu nunca vi você fazendo isso. É no mínimo, inédito. E um pouco assustador também. — Sorrio torto.
Caíque estala a língua.
— Tem muita coisa que você nunca me viu fazendo. Não sou só um badboy marrento e mimado, como você pensa. Tem muita coisa que você não sabe sobre mim, Helena.
— Então me conte. — Apoio o rosto nas mãos.
— Outro dia. — Ele se levanta e me estende a mão. — Está na hora de você voltar ao trabalho.
Suspiro, mas cedo, lhe acompanhando.
— Jorge, há quanto tempo você trabalha aqui?
— Dezoito anos.
— Então, você conhece bem a família Gama, não é?
— Razoavelmente. — Ele maneia a cabeça, sorrindo.
— Posso te fazer algumas perguntas?
— Claro. Espero que eu tenha todas as respostas. — Ele cruza as mãos em cima da mesa.
— Como é a relação entre Caíque e o pai?
— Os dois são muito parecidos, mesmo que não admitam isso. São corajosos, espertos e cativantes. Mas orgulhosos, muito orgulhosos. Por isso, essas semelhanças mais os afastam do que os unem.
— Eles têm muitos desentendimentos?
— Quase diários. — Suspira. — Uma pena.
— Caíque já deu muito trabalho, não é?
— Realmente. Já se envolveu em mais encrencas do que você possa imaginar.
— Que tipo de encrencas?
— As mais diversas. Brigas, bebedeiras, rachas de carro.
— E sempre saiu impune de tudo isso?
— Nem sempre. Já passou algumas noites na delegacia. Uma vez por desacato, outra por direção perigosa e a última e mais séria, por embriaguez e atropelamento de uma garota.
— Como é? Ele...
— A menina correu risco de ficar paraplégica, mas agora está bem. Caíque pagou uma indenização à ela e cumpriu quatro meses de serviços comunitários.
— Meu Deus! Ele quase tirou a vida de uma pessoa?
— Ainda quer ouvir essas coisas sobre seu marido? Isso talvez manchará a imagem perfeita que você tem dele.
— Acredite. Ele está longe de ser perfeito para mim.
Jorge consente e prossegue.
— Não o julgo tanto, afinal ele nunca teve uma boa estrutura familiar. O pai estava sempre ocupado demais com os negócios e nunca lhe deu muita atenção. Vasco compensava sua ausência com presentes caros, achando que isso bastava. Já a mãe sempre foi amorosa e compreensiva, mas nunca soube impor muitos limites. Assim, criaram um rapaz solitário, cheio de rancor e arrogância. — Jorge desentrelaça as mãos e continua. — Caíque chegou à adolescência com muita rebeldia. Quase enlouqueceu os professores e levou mais advertências do que os alunos do colégio inteiro juntos. Mas, diferente da maioria dos adolescentes, essa fase rebelde demorou a passar, e aliás, só foi piorando. Quando Vasco e Sofia se deram conta, ele estava completamente incontrolável. Agia como queria, sem respeitar nada nem ninguém. Foi quando os problemas começaram a ficar mais sérios.
Eu apenas ouço Jorge, chocada.
— Nesse último evento que lhe contei, entretanto, Caíque ultrapassou todos os limites para Vasco. Acho que ele não pensou que o garoto pudesse ir tão longe. Graças à sua influência, todo o episódio do atropelamento foi abafado. Mas como castigo, Vasco tirou o que Caíque mais preza na vida: o dinheiro. — Jorge suspira. —Creio que o resto da história você já conheça.
Eu já conheço o resto da história? Será que Jorge sabe sobre o nosso casamento? Melhor continuar na dúvida. Não posso correr o risco de estragar tudo.
— Obrigada por me contar, Jorge.
Ele sorri, com um aceno de cabeça.
— Vamos voltar nosso foco para o trabalho agora? Temos que refazer toda essa papelada que Laila fez o favor de destruir.
— É claro.
— Como foi seu primeiro dia de trabalho? — Caíque pergunta, enquanto caminhamos em direção ao carro.
— Produtivo. E o seu?
— Entediante.
Reviro os olhos, fazendo Caíque sorrir.
— Por que não me contou o que aconteceu entre você e Laila?
— Como você soube?
— Sei tudo o que acontece por aqui.
— Pensei que você fosse indiferente à empresa.
— As coisas mudaram. — Caíque fita os sapatos. — E então, o que houve?
— Sua amiga debochou da minha cara, dizendo que você me colocou na empresa e nem ao menos me deu um cargo relevante. — Relembro a cena com certa irritação. — Depois ordenou que eu fosse buscar um café cheio de frescuras, como se fosse minha patroa!
— Você fica linda assim, bravinha. — Ele coloca o dedo indicador sobre meu nariz.
— Para de palhaçada. — Bato em seu dedo.
— Laila é patética. Não ligue para ela.
— É fácil falar. — Resmungo.
— Vou cuidar para que ela fique longe de você, ok?
Sorrio.
É bom saber que ele se importa.
Entramos em silêncio no carro e seguimos para casa.
Logo que chegamos, subo para tomar um banho e esquecer a raiva que Laila me fez passar. Acabo esquecendo meu celular na sala de estar, dentro da bolsa.
Ao sair do banheiro, ainda de toalha, dou de cara com Caíque sentado na cama, com meu celular na mão.
— Ai, que susto! — Seguro a toalha com as duas mãos.
— Desculpe. Não queria te assustar. — Ele me entrega o celular. — Nathan está na linha. Quer falar com você.
— Ah, obrigada. — Pego o celular de sua mão.
Caíque sai sem dizer mais nada.
— Alô?
— Oi Helena.
— Than, está tudo bem? Aconteceu algo?
— Aconteceram tantas coisas, não é?
Suspiro.
— Desculpa. Eu não liguei para discutir nem nada do tipo. É só que... Sinto sua falta, Le.
— Eu também sinto, Than.
— Como foi que nos deixamos afastar tanto?
— Eu te liguei, fui te procurar. Então não venha dividir essa culpa comigo. Foi você que se afastou.
— Me perdoa. Eu tenho sido um covarde, me escondendo em minha própria dor.
— Me perdoa também. Eu jamais quis magoar você.
— Como você está?
— Agora estou bem melhor.
Ele ri fraco.
Imagino seu rosto bonito sorrindo para mim.
Sorrio também.
— Bom, só liguei mesmo para ouvir sua voz.
— Sinto tanto sua falta, Than.
— Você sabe que se precisar de qualquer coisa, eu estou aqui para você, certo?
— Estou precisando de uma coisa agora.
— O que?
— Meu melhor amigo de volta.
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