Armadilha
A ligação cai e eu permaneço imóvel.
— O que está acontecendo, Helena?
— Otávio pegou minha irmã. — Respondo automaticamente.
— Como é? Ele pegou Alice?
Consinto.
— Preciso ir para casa, Camélia está sozinha.
Leo acelera o carro e eu continuo imóvel. Não consigo pensar em nada, não consigo sentir nada. Pareço estar anestesiada.
— Helena... — Leo me chama. — Helena.
— Oi. — Desperto de meu transe.
— Seu celular.
Olho em meu colo e o vejo tocando. É Nathan.
— Alô.
— Oi Le, tudo bem?
— Não.
— O que houve?
Não consigo respondê-lo.
— Coloque no viva voz. — Leo pede.
— Nathan, sou eu, Leonardo.
— O que está acontecendo com a Helena?
— Parece que Otávio sequestrou Alice. Preciso da sua ajuda.
— Como é? Ele a sequestrou?
— Sequestro? — Ouço a voz de Marina perguntar ao fundo. — Quem foi sequestrado?
— Helena está em choque, não sei ao certo o que ele disse. — Leo retoma. — Mas me escute com atenção, ok?
— Ok.
— Vá para o apartamento e se certifique que tudo está bem por lá. E não conte nada à Camélia, ela pode ficar nervosa.
— Certo. E depois?
— Deixe-a segura e me encontre no endereço que lhe passarei por mensagem.
— Entendi.
— Até logo, então.
— Até.
Algum tempo depois, Leo estaciona o carro em frente a uma casa.
— Onde estamos? — Pergunto, finalmente.
— No melhor hacker que eu conheço. Vamos rastreá-los e trazer Alice de volta. — Leo desce do carro e me chama. — Vem.
Leo toca a campainha e, pouco depois, um garoto de aparentemente dezesseis anos, cabelos castanhos levemente bagunçados e com um óculos grande e desajeitado em seu rosto, aparece.
— Leo? — Ele ajeita o óculos, sorrindo.
— E aí, Harry.
Os dois se abraçam.
— À que devo a honra?
— Preciso de ajuda. Aquele tipo de ajuda.
— Ah, certo. — Ele olha em volta. — Entre.
Leo me olha, como que pedindo para seguí-lo.
— Opa... Quem é ela? — Harry para, olhando para mim com curiosidade.
— Uma amiga. É de confiança.
— Amiga, é? — Harry levanta os óculos, que escorregam por seu nariz, e me observa. — Tudo bem, então. Entre, moça bonita.
— Obrigada. — Sorrio fraco, de braços cruzados, e entro.
— Quem é, filho? — A mãe de Harry pergunta, de um cômodo próximo.
— Só um amigo, mãe. — Ele para no meio da sala e inventa. — Veio estudar para a prova de... Física.
— Estudar, a essa hora? — Sua mãe vem em nossa direção.
— E desde quando tem hora para isso? — Harry barra sua passagem, antes que ela possa nos ver.
— Hum, está certo, meu nerdzinho. Mas só uma hora, tudo bem? Amanhã você precisa acordar cedo.
— Ok, mãe.
— E nada de videogame!
— Tá bom, mãe. — Harry volta, revirando os olhos.
— Hum, nerdzinho. — Leo caçoa, apertando-lhe as bochechas.
Harry sorri ironicamente e afasta a mão de Leonardo. Em seguida, faz um gesto para o seguirmos, escada acima.
— Então, em que posso ajudá-los? — Ele pergunta, se sentando em sua cadeira e apontando a cama para nós.
Seu quarto é todo decorado com miniaturas de heróis da Marvel, HQ's e jogos de computador.
— Helena está com problemas e eu preciso de seus dons de nerd para resolvê-los.
— E quando é que você não precisa? — Harry sorri, triunfante.
Leo revira os olhos.
— Certo... Helena, em que encrenca você se meteu?
— Minha irmã foi sequestrada.
— Wow. — Harry se ajeita na cadeira. — Certo, eu não esperava por isso.
— Pois é. O caso é sério. — Leo interfere. — Preciso que você rastreie o celular da irmã da Helena.
— O sequestrador já fez contato?
— Já sim.
— Há quanto tempo?
— Em torno de quarenta minutos atrás.
— Xi. — Harry faz uma careta.
— O que foi? — Pergunto.
— Se o cara for esperto, já se livrou do celular há tempos. Mas, — ele se vira para o computador — não custa tentar. Em qual aparelho ele fez contato?
— Nesse. — Entrego meu celular.
— Certo. Preparada para me ver em ação, gatinha? — Ele pisca, estalando os dedos.
— Não ligue para ele, Helena. — Leo sorri torto. — Haroldo não leva muito jeito com mulheres.
— Engano seu. Eu sou um garanhão. — Harry ajeita sua camisa.
Leo gargalha e o deixa corado de vergonha.
— GTA não conta, meu caro amigo.
— Ei, pare. — Bato levemente no braço de Leo, que ergue as mãos, silenciando.
— Obrigado, Helena. Você, ao contrário de nosso amigo, — olha para Leo de cara fechada — é muito gentil.
Sorrio em resposta.
— Ok, ok... Menos papo furado e mais ação, Haroldo. — Leo gesticula, o apressando.
— Observem o mestre trabalhar. — Harry se ajeita na cadeira e me deixa estarrecida com a velocidade com que digita.
— Ele é incrível. — Sussurro para Leo. — Como vocês se conheceram?
— É uma longa história. Te conto qualquer dia desses.
Consinto.
— Touché. — Harry comemora, minutos depois.
— Achou? — Leo se aproxima.
— Não exatamente. Mas eu estava certo. O cara se livrou do celular.
— Ah, merda! — Lamento, com os ombros baixos. — E agora?
— Calma, Heleninha, calma. Ele se livrou do celular, jogando-o em um córrego. Provavelmente, próximo de onde está mantendo sua irmã em cativeiro.
— E onde fica esse córrego?
— Aqui. — Harry mostra um mapa para Leo. — Duas horas de viagem, suponho.
— Bom trabalho, Haroldo. — Leo dá dois tapinhas amigo no ombro de Harry.
— Faço o que posso. — Ele sorri em resposta.
Nesse instante, meu celular toca.
— Número privado. — Harry me entrega o celular.
— É ele. Atenda e o enrole. — Leo ordena.
— Manda ver, Helena. — Harry se posiciona em frente ao computador, pronto para rastrear Otávio.
— Alô.
— Olá, Helena. E então, já se decidiu?
— Faço o que você quiser, Otávio. Mas, por favor, solte a Alice.
— Eu soltarei. Assim que você fizer tudo o que eu quero.
— E o que você quer que eu faça?
— Inicialmente, quero que você convença seu amigo a me apoiar.
— Amigo?
— Jorge Martinelli. É o único com um pouco de poder que se opõe à minha ascensão à Presidência.
— É o único lúcido naquele lugar, então.
Otávio ri.
— Pode até ser, mas você o fará mudar de ideia. Não é mesmo?
— Primeiro, prove que Alice está bem.
— Ela está, eu garanto. Não lhe falta nem um fio de cabelo.
— Me deixe falar com ela. Por favor.
— Tudo bem. Vou lhe provar que não sou o monstro que você pensa.
Alguns ruídos surgem ao fundo, até que, finalmente, ouço a voz de Alice, apavorada:
— Irmã!
— Alice! Alice, fala comigo!
— Me ajuda, Helena! — Ela chora.
— Eu vou tirar você daí, eu juro!
— Ok, já chega. — Otávio retorna.
— Otávio, pelo amor de Deus, solte minha irmã... Me leve no lugar dela!
— Você tem muito mais serventia livre, minha querida. E ah, olhe só, eu já ia me esquecendo. Nem pense em contatar a polícia ou nada do tipo, ok? Eu não quero ter que fazer mal à essa moça tão adorável. Nos falaremos novamente, em breve. Passe bem, Helena.
— Não, espere... Otávio!
Jogo o celular na cama.
— Maldito! Desligou! — Me sento, com as mãos na cabeça.
— Mas foi o suficiente para rastreá-lo. — Harry sorri.
— Onde ele está? — Vou para perto dele.
— Nesse hotel. — Harry nos mostra outro mapa.
— Mas esse hotel é onde ele está hospedado. — Leo se curva para mais perto da tela.
— Então, quer dizer que ele não está no cativeiro?
— Não. O rastreador nunca falha. — Harry afirma.
— E como foi que ele me deixou falar com Alice? Ela está em seu apartamento?
— Provavelmente, não era a Alice. — Leo responde.
— Como não?
— De acordo com estudos psicológicos, quando você ouve uma pessoa em situação de desespero ou pavor, seu subconsciente faz com que você sinta o mesmo, sendo incapaz de diferenciar vozes conhecidas de desconhecidas. — Harry explica.
— Traduzindo, você fica tão apavorado que assimila qualquer voz à da "pessoa em perigo". — Leo simplifica. — Por esse motivo, muitas pessoas ainda caem no golpe do falso sequestro.
— Ok. — Tento organizar meus pensamentos. — Então, Otávio não está com Alice?
— No hotel, tenho certeza que não. Já no endereço que Harry rastreou, não posso te garantir. Terei que ir lá para tirar a dúvida.
— Está maluco, Leo? Você não pode ir lá sozinho, cara. — Harry adverte. — É perigoso.
— E quando não é? — Leo rebate, sorrindo torto.
— Harry tem razão. Eu não vou deixar você se arriscar dessa forma, Leo.
— É a vida da sua irmã que está em jogo, Helena.
— Deve haver outro jeito. Sempre há.
— Não há. — Leo cerra os lábios. — Escuta... Eu vou ficar bem, ok? Eu prometo.
— Então, eu vou com você.
— Se a Helena for, eu também vou!
— Nem pensar! — Leo posta as mãos na cintura. — Eu não vou levar vocês comigo!
— Eu já passei por situações bem piores. — Harry dá de ombros. — No videogame.
— Só que isso não é videogame, Haroldo. Alguém pode realmente se machucar.
— Então, ninguém vai!
— E perdemos a chance de salvar a irmã da Helena. — Harry completa.
— Você não está ajudando, Haroldo. — Leo rosna e em seguida, pega seu celular e lê uma mensagem.
— O que foi? — Pergunto.
— Nathan. Está avisando que está tudo bem com Camélia e que a deixou sob os cuidados de Sara.
— Ah, graças a Deus. — Suspiro, aliviada.
— Alice, entretanto, ainda não voltou da faculdade. — Leo suspira. — Otávio realmente a pegou.
— E aí, nós vamos ou não? — Harry pergunta, impaciente.
— Sim. — Respondo.
— Não. — Leo rebate. — Vocês não vão!
Harry revira os olhos, e em seguida, pega uma mochila e começa a colocar várias coisas dentro dela.
— O que você está fazendo? — Leo cruza os braços.
— Nos prevenindo.
Troco olhares com Leo, sem entender.
— Pronto. Agora podemos ir. — Harry sorri, colocando a mochila nas costas.
— E como o nerdzinho da mamãe pretende sair de casa sem ser visto?
— Pelo modo tradicional, caro amigo. Janela. — Ele sorri e se senta no batente. — Vocês vêm ou não?
Dou de ombros e sigo Harry.
— Vocês são masoquistas, só pode. — Leo resmunga, antes de pular.
— Segundo o GPS, o cativeiro é bem ali. — Harry aponta para um galpão de aparência abandonada.
— Certo. — Leo respira fundo. — Façam exatamente o que eu disser, ok?
— Ok.
— Vocês dois vão ficar aqui no carro, de olho em todo e qualquer movimento suspeito. Se eu não voltar em cinco minutos, é porque algo deu errado. Saiam daqui o mais depressa que puderem. Entenderam?
— Não, nem pensar. Não vamos deixar você para trás. — Afirmo.
— Vocês vão sim. — Leo rebate, com firmeza. — Se eu não voltar em cinco minutos, você vai pegar esse carro e sair o mais depressa possível daqui com Harry. Isso pode ser uma armadilha e eu não vou arriscar a vida de vocês.
— Você vai voltar, cara. Você e a irmã em perigo. — Harry bate amigavelmente no ombro de Leo, que sorri rapidamente e concorda com um aceno de cabeça.
— Acione o cronômetro. — Leo me olha. — Cinco minutos.
— Obrigada, Leo. Por tudo o que você está fazendo por mim.
— Não há de quê. — Ele sorri.
— Toma cuidado e volta logo, ok?
Leo consente e logo em seguida, me surpreende com um beijo.
— Marca. — Ele salta do carro e vai, sorrateiramente, em direção ao galpão.
— O que foi isso que eu acabei de presenciar? — Harry sorri, colocando a cabeça entre os bancos.
— Um beijo. — Respondo, automaticamente. — Foi... Um beijo. — Sorrio, ainda surpresa.
— Ok, beijoqueira... Deixe o Harryzinho aqui passar. — Ele pula para o banco do motorista. — Ah, agora sim... Bem melhor.
— Você sabe dirigir?
— É claro. — Ele sorri, segurando o volante. — Sou o melhor motorista do GTA V.
— Fala sério, Harry. — Reviro os olhos, sorrindo.
— Que foi? É muito realista! — Dá de ombros.
— Quantos anos você tem?
— Dezesseis, mas no próximo mês já faço dezessete.
— Meu Deus, você é um bebê!
— Vou levar isso como um elogio, Heleninha. — Harry sorri.
— E por que Leo te chama de Haroldo?
— Porque é meu nome. — Faz uma careta. — Haroldo Alexandre Neto. Harry é apelido.
— Ah... Haroldo é um bom nome.
Harry sorri.
— Você mente muito mal, sabia?
Dou uma risada e depois fico em silêncio, observando os arredores.
— E aí, quanto tempo já se passou? — Harry quebra o silêncio.
— Quatro minutos e meio. — Analiso o cronômetro e encaro Harry.
— Ah, droga. Isso não é bom. Não é bom.
Um som forte e seco rompe o silêncio da noite.
— O que foi isso? — Dou um pulo de susto.
— Um tiro!
— O quê?! — Encaro Harry. — Tiro?
— É. — Harry afirma, com os olhos arregalados de medo. — Eu tenho noventa e nove por cento de certeza.
— Meu Deus... O Leo!
Abro a porta e salto do carro.
— Onde você vai, maluca? — Harry sussurra, colocando a cabeça para fora do carro.
— Preciso saber se ele está bem. Fica aqui!
Vou correndo até o galpão e encontro a porta entreaberta. Uma única luz amarelada ilumina fracamente o local. Diminuo a velocidade de meus passos e adentro o galpão, procurando por Leo. Pouco depois, uma sombra caída me chama a atenção.
— Leo! — Corro até ele, que se contorce, caído no chão.
— Era uma armadilha... — Ele arfa. — Você precisa... Sair daqui.
— Não vou a lugar algum sem você. — Acolho sua cabeça em meu colo e só então noto que há um líquido escuro escorrendo pelo chão.
Sangue.
— Vai embora daqui, Helena. — Leo pede, com dificuldade.
— Meu Deus, você levou um tiro! — Coloco minha mão sobre seu ombro baleado. — Preciso te levar para um hospital!
— Eles podem voltar, sai logo daqui! — Leo ordena e se contorce de dor em seguida.
— Cala a boca, Leonardo! Pelo menos uma vez, me deixe te ajudar! — Tento levantá-lo, sem sucesso.
— Helena! — Harry entra correndo. — Eu vi o cara, ele estava fugindo e... Meu Deus! Ele levou mesmo um tiro?!
— Me ajuda aqui, Harry. Temos que levar ele para um hospital.
Com muita dificuldade, conseguimos levantá-lo e o levar até o carro, deitando-o no banco de trás.
— Você vai ficar bem, parceiro. Aguenta firme! — Harry o acalma.
Arranco com o carro e vou o mais rápido que posso até o hospital mais próximo.
— Helena, mais rápido! Ele está perdendo muito sangue!
— Estou indo o mais rápido que posso. — Respondo, apavorada.
— Ei, amigo. Isso vai doer, mas é para o seu bem. — Harry pega sua mochila e após vasculhar um pouco, pega gaze e pula para o banco traseiro, fazendo compressão sobre o ferimento de Leo que, por sua vez, resmunga algo inaudível.
— Não me xingue. Estou salvando sua vida, seu ingrato! Acelera, Helena!
Enfio o pé no acelerador e vou à toda velocidade. Nesse momento, imagens do acidente que matou meus pais surgem em minha mente, me apavorando ainda mais.
— Vamos, Helena... Leo precisa de você. Vamos. — Repito para mim mesma, na tentativa de me acalmar e manter o foco.
Minhas mãos tremem, segurando o volante, mas não paro.
— Helena! Helena! — Harry me chama, apavorado.
— O quê?
— Leo está entrando em choque!
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