A Mudança
Estava formada, finalmente. Depois de quatro longos anos e alguns meses de correria, foco e muita determinação.
Fui escolhida como oradora da turma de Contábeis e aplaudida com fervor ao término de meu discurso. Minhas palavras foram uma forma de agradecimento por todos os anos de cumplicidade, companheirismo e risadas em sala e fora dela.
Minhas lágrimas marcaram o fim de uma fase maravilhosa, onde pude ver todos aqueles que me acompanharam nessa jornada sorrindo e chorando comigo. Foi mágico.
A primeira etapa de meu plano foi concluída com sucesso. Helena, a garota do interior de Minas, era oficialmente uma contadora agora. A segunda, porém, exigiu um pouco mais de coragem de minha parte: abandonar tudo e me jogar no escuro, em busca de meus ideais. Isso não foi fácil, confesso.
Pessoas chegavam a toda hora para visitar a casa de tia Joana, interessados em comprá-la, devido aos meus anúncios nas imobiliárias. Infelizmente, para conseguirmos algumas coisas, temos que abrir mão de outras.
Foram alguns meses de negociações falhas, até finalmente fecharmos contrato com um empresário, dono de floriculturas por toda a região. Ele ficou encantado com o jardim que tia Joana cultivou por anos com tanto amor e que nós mantivemos como ela gostaria. Seu plano era transformar nossa casa em uma estufa para suas flores e isso nos rendeu uma ótima oferta em dinheiro vivo.
Já com o montante para iniciar a vida na capital paulista, faltava agora convencer dona Camélia a nos acompanhar. Ela insistia em dizer que seu lugar era ali, que não fazia sentido levar uma velha para atrapalhar nossa nova vida. Charme, na minha opinião.
Alice com todo seu jeitinho, a abraçou e disse que nossa vida não faria sentido algum sem ela por perto, que nós éramos uma família e que família deve permanecer unida. Isso foi o suficiente para que ela se rendesse e aceitasse nos acompanhar nessa loucura.
Após muita pesquisa, consegui alugar um apartamento já mobiliado em um bairro ótimo e sem toda aquela loucura típica de São Paulo. Em duas semanas vendemos nossos móveis, entregamos a chave para o novo proprietário e fizemos nossas malas.
Tudo pronto para a segunda etapa.
Sábado, 5:30 A.M.
Rumo a São Paulo.
Apago durante a viagem e só acordo quando Alice pula em cima de mim, avisando que havíamos chegado.
Da rodoviária para nossa nova casa, pegamos um táxi e um incrível engarrafamento. O trajeto que duraria uma hora dobra de tempo e, enquanto esperamos, iniciamos uma conversa bem animada com o taxista, um senhor muito simpático e dono de um bigode impecável, chamado Rubens.
— Chegamos! — Rubens finalmente avisa, sorridente.
— Graças a Deus! — Dona Camélia ajeita seu vestido, assim que desce do táxi. — Mal sinto minhas pernas.
— Ah, para de drama, Camélinha. — Alice observa o prédio com as mãos na cintura.
— E então, o que achou? — Me junto à ela.
— Vamos ser muito felizes aqui, Lena. — Ela me abraça de lado.
Sorrio.
— Deus te ouça.
Adentramos o prédio abarrotadas por nossas malas. Logo, um simpático e bonito rapaz se levanta de seu posto e vem nos recepcionar.
— Boa tarde.
— Boa tarde. Somos as novas moradoras do número sete.
— Ah, claro. O senhor Gama avisou que vocês viriam. Muito prazer, sou Israel, porteiro aqui do prédio.
— Muito prazer, Israel. — Aperto sua mão estendida. — Sou Helena. Esta é...
— Alice. — Ela me interrompe, sorrindo. — E essa senhora simpática aqui é dona Camélia.
— Como vai, querido? — Dona Camélia o puxa para um abraço quase fraternal.
— Vou bem e a senhora? — Ele retribui o abraço, um pouco tímido.
— Também. — Ela se aproxima de seu ouvido. — Apesar de estar com as costas um trapo.
Israel ri e nos ajuda a colocar as malas no elevador.
— Fiquem à vontade. Se precisarem de alguma coisa, é só interfonar. O senhor Gama está à espera de vocês.
— Obrigada Israel.
As portas do elevador se fecham.
— Que gato ele é. — Alice cochicha em meu ouvido.
Dou uma risada, enquanto dona Camélia concorda com a cabeça.
O elevador para, as portas se abrem e ali está o número sete, nosso novo lar.
Tiramos nossas malas do elevador e só então percebo que Israel não nos entregou a chave do apartamento. Resolvo tocar a campainha e logo que o faço, a maçaneta se mexe e um rapaz incrivelmente bonito, de cabelos castanhos, barba cerrada, olhos azuis e muito bem vestido, nos recepciona.
— Olá. Vocês devem ser as novas moradoras do apartamento, estou certo? — Ele sorri de canto.
— Sim. Sou Helena. — Estendo a mão.
— Caíque Gama, muito prazer. — Ele a aperta. Sinto um arrepio por todo meu corpo quando esse toque acontece. — Por favor, entrem.
Consinto com um pequeno sorriso e adentro o cômodo, seguida por Alice e Camélia.
O apartamento é pequeno, mas extremamente aconchegante e arrumado. Há uma pequena cozinha modulada toda em branco, com um balcão de granito preto que a separa da sala de estar, dois quartos e um banheiro, todos impecavelmente bem decorados.
— E então, gostaram? — Caíque nos pergunta, encostado ao balcão.
— É lindo! — Alice responde, ainda observando cada canto do apartamento.
— Que bom. — Ele sorri e abre sua maleta preta, tirando uma pasta. — Trouxe o contrato para você assinar, Helena.
— Ah, claro. — Pego o contrato de sua mão, leio-o rapidamente e assino. — Aqui.
— Obrigado. Bom, só vim aqui para lhes dar as boas vindas. Qualquer problema, vocês podem procurar por Israel ou por Sara, a síndica do prédio. Eu não costumo vir muito aqui.
— Ok, obrigada Caíque. Ah, e à propósito, — pego um maço de dinheiro, previamente separado, dentro de minha mochila — aqui está o pagamento de um ano de aluguel, como havíamos combinado por telefone.
— Você tem certeza que não prefere pagar mensalmente, Helena? Não tem problema algum por mim.
— Eu prefiro assim.
— Tudo bem, então. — Ele pega o dinheiro de minha mão. — Depois te envio o comprovante por email, pode ser?
— Claro.
— Ótimo. Então, sejam muito bem vindas.
— Obrigada. — Respondemos em uníssono.
— Até logo. — Caíque se despede com um pequeno sorriso, após guardar o dinheiro em sua maleta.
— Meu Deus, só tem homem lindo nesse prédio? — Alice se joga no sofá bege, logo que Caíque deixa o apartamento.
— Não sei, ainda não conhecemos nossos vizinhos. — Aponto. — Agora levanta daí, folgada! Temos muita coisa pra fazer.
— Nem dois minutinhos de descanso? — Ela sorri esperançosa.
— Não.
— Droga.
Começamos a arrumar nossas coisas nos quartos. Eu fico com o que há uma cama de casal, enquanto Alice e Dona Camélia se ajeitam no outro, com duas camas de solteiro. Elas justificam a escolha por eu ter dormido quase quatro anos em um sofá e, apesar de ter insistido para dona Camélia ficar em meu quarto, não nego que deitar em uma cama de verdade depois de muito tempo foi ótimo.
À noite, à caminho do supermercado que Israel nos indicou para comprar nosso jantar, tenho a impressão de estar sendo observada.
— Que não seja um ladrão.
Olho uma última vez em volta, antes de continuar meu caminho.
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