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A fera que não é tão feroz assim

— Chegamos. — O taxista avisa, estacionando à frente do hotel.
— Dê mais uma volta antes de estacionar, por favor.

O taxista olha Leonardo pelo retrovisor, estranhando seu pedido, mas faz o que ele pede.

— Por que isso? — Sussurro.
— Para ter certeza que não fomos seguidos.
— Ah, certo. — Me ajeito no banco, enquanto damos a volta pelo quarteirão.

— Prontinho, chefe. — Estacionamos novamente à frente do hotel.
Valeu! — Leonardo agradece e procura por sua carteira no bolso, sem sucesso. — Merda! Minha carteira ficou no carro.
— Aqui, moço. — Pego dinheiro em minha bolsa e lhe pago. — Muito obrigada, viu?
— Não há de quê. — Ele sorri, recebendo. — Tenham uma boa noite.
— Igualmente. — Sorrio e desço, com Leonardo logo atrás.
— Que vergonha. — Ele resmunga. —Helena, assim que eu recuperar minha carteira, eu lhe reembolso.
— Relaxa, Chang. —Bato de leve em seu ombro. — Aceito outra forma de pagamento.
— E qual seria?
— Eu já te conto.

Adentramos a recepção do hotel e, sem muita demora, somos guiados até um quarto.

— O dono daqui me deve um favor. — Leonardo dá de ombros, abrindo a porta. — Primeiro as damas.
— E pelo visto, é um belo de um favor. — Corro os olhos pelo quarto, extremamente luxuoso.
— Está achando ruim, é? — Ele posta as mãos na cintura.
— Pelo contrário. — Me sento na cama. — Mas... E aí? Vamos ficar aqui até quando?
— Provavelmente, — meneia a cabeça — até amanhã.
— Até amanhã? Está maluco? Eu tenho que voltar para casa!
— Eu não vou arriscar sua vida de novo, Helena! Me escute, ok? Esses caras são perigosos e podem estar nos esperando lá fora.
— E quem te garante que eles não vão invadir esse quarto a qualquer minuto?
— Eu garanto.

Reviro os olhos.

— Então, Senhor Sabe Tudo, me diga por que você não previu que eles estariam a sua espera lá no hospital, prontos para matá-lo. — Cruzo meus braços.
— Eu não pensei que Otávio se arriscaria assim. Ele deve estar mesmo com muita raiva de mim. — Leonardo se senta ao meu lado. — E eu também me deixei levar pela emoção... — Suspira. — Isso foi um erro. Um grave erro.

Cerro os lábios.

— Me desculpa. Eu não quis dizer que você é culpado pelo o que aconteceu, mas é que você tem sempre tudo tão bem calculado, que... Enfim.
— Por isso não gosto de ser levado pelo coração, entende? — Ele me olha. — E você tem todo o direito de me culpar ou estar com raiva. Eu acabei de colocar sua vida em risco.
— Não estou com raiva, você a salvou também. Vamos considerar empate técnico.
— Ok. — Ele sorri fraco. — Agora me conte, como você aceita meu pagamento?
— Ah, é verdade! — Tiro os sapatos, massageando meus pés. — Nossa... Correr de salto é bem mais difícil do que eu pensava. De salto e bolsa, então...

Leonardo ri fraco, me olhando.

— Bom, não sei se você sabe, mas eu tenho uma irmã... Adotiva.
— Hum.
— E agora, depois de dezessete anos, apareceu uma moça se dizendo irmã dela.
— Entendo.
— E eu não acredito em uma só palavra do que ela diz!
— Um teste de D.N.A. não resolveria isso?
— Resolveria, se Alice não acreditasse piamente que as duas são irmãs. Ela não acha necessário fazer.

Leonardo reflete por alguns segundos.

— Vou investigar isso para você.
— Ai, jura? — Seguro sua mão. — Obrigada, Leo!
— Por nada. — Ele sussurra, pousando sua outra mão, sem jeito, sobre a minha.

Em segundos, o silêncio se propaga pelo quarto.

— É, então... Já que vamos passar a noite aqui, será que eu posso, pelo menos, avisar o Caíque sobre isso? — Pergunto, quando ele tira sua mão da minha.
— Não acho uma boa ideia.
— Por que não?
— Caíque vai ficar desesperado e vai querer vir aqui. E então, Otávio vai matar dois coelhos numa cajadada só.
— Meu Deus, não!
— Então, siga meu conselho. — Ele se levanta. — Não conte nada a ele. Eu vou dar um jeito para que ele saiba que você está bem e segura.
— Jeito? Que jeito?
— Confie em mim.

Mordo meu lábio.

— Está bem. — Dou-me por vencida.
— Você quer comer alguma coisa?
— Ah, não. Obrigada. Estou sem fome.
— Certo. Se mudar de ideia, é só ligar na recepção. — Ele vai em direção à porta. — Eu já volto, ok?
— Ok.

Leonardo sorri brevemente e sai, porta afora.

— É... Essa noite vai ser longa. — Me jogo na cama.

Depois do me que pareceu uma eternidade, levanto e resolvo andar pelo quarto. Fico admirando a decoração impecável e luxuosa por um longo tempo, até que decido mandar uma mensagem para Caíque.

— Leonardo me proibiu de ligar... Não disse nada sobre mensagens.

Pego minha bolsa, que está jogada sobre uma poltrona, e reviro-a, sem sucesso.

— Cadê meu celular? — Despejo todo seu conteúdo sobre a cama.
— Está aqui. — Leonardo abre a porta do quarto, com meu celular em uma das mãos.
— Meu Deus! — Dou um pulo de susto, quase caindo no chão. — Você quer me matar do coração?
— Desculpe. — Ele segura o riso. — Só vim assegurar que você estava seguindo meu conselho. E pelo visto, não estava.
— Odeio ficar incomunicável. — Resmungo, cruzando os braços.
— É só por algumas horas, para de drama. — Ele enfia meu celular no bolso. — Caíque já sabe que você está bem e que voltará para casa pela manhã.
— E ele não estranhou nem um pouco isso?
— Não. Minha história foi bem convincente.

Analiso-o, com o cenho franzido.

— Você não disse a verdade a ele.
— Não. — Cerra os lábios. — Bem, não exatamente.
— O que foi que você disse?
— Isso não importa. — Ele desconversa e coloca duas sacolas sobre a penteadeira. — Comprei um pijama para você.

Arregalo os olhos, surpresa.

— Para mim? Ah... Nossa, obrigada.
— Deve ser horrível dormir com essa roupa. — Ele gesticula. — Tem peças íntimas aí também, espero que a vendedora tenha acertado seu gosto.

Analiso o conteúdo das sacolas.

— Como você comprou essas coisas?
— Banco. Caixa eletrônico. Digital. — Ergue o dedão. — Trouxe também seu dinheiro...
— Nem pense. — Interrompo-o. — Estamos quites.
— Certo. — Ele sorri. — Se você quiser tomar um banho antes de nosso jantar chegar... Sei que você disse que não está com fome, mas pensei que depois que a adrenalina baixar, você pode mudar de ideia, então...
— Ok. Obrigada. — Respondo, ainda surpresa com a demonstração de sensibilidade e, pegando as sacolas, vou para um dos banheiros.

Antes de fechar a porta, analiso Leonardo com certa curiosidade. Ele aparenta ser frio e amargo, mas por trás de toda essa armadura, é um cara extremamente atencioso e preocupado com todos a sua volta.

Dispo minhas roupas e ligo o chuveiro. Tomo um banho gelado para despertar meu corpo que ainda parece anestesiado pelo medo.

Depois, me enxugo e visto a lingerie e o pijama comprados por Leonardo. Penteio meus cabelos e, enquanto os seco, ouço-o bater na porta.

— Nosso jantar chegou. — Ele avisa.
— Certo. Já estou indo.

Saio do banheiro pouco depois e me deparo com Leonardo coberto apenas por um roupão preto, com seus cabelos escuros molhados e bagunçados.

— Ficou ótimo. — Ele se refere ao pijama.
— Ah é, serviu direitinho. — Sorrio, tímida. — Obrigada.
— Não tem que agradecer. Vamos comer?
— Vamos.

Sento-me com ele à mesa.

Comemos em silêncio, até que, em um momento de coragem, resolvo perguntar sobre algo dito que me intrigou muito.

— Leonardo...
— Sim?
— Mais cedo, você me disse que depois de perder seu irmão, seus pais nunca mais falaram com você. Por quê?
— Eles me culpam por sua morte. — Ele suspira, tomando um gole de suco em seguida.
— Por que?

Leonardo hesita por um segundo.

— Meu irmão sempre foi o filho preferido, exemplar em tudo. Não bebia, não fumava e nunca se envolvia em confusões. Bem diferente de mim. — Ele ri fraco. — Um dia, ele me surpreendeu com um pedido. Ele pediu para ir comigo a uma festa. E eu o levei. Lá ele bebeu, riu, dançou, conheceu garotas. Ele estava tão orgulhoso por isso. — Leonardo sorri. A dor é visível em seus olhos. — O que nós não sabíamos é que uma dessas garotas era amante de um mafioso. Quando estávamos deixando a festa, esse cara surgiu acompanhado de cinco capangas, que nos cercaram. Nós apanhamos... Apanhamos muito. Mas por fim, eu consegui derrubar quatro deles e gritei para André fugir de lá, enquanto lutava com o quinto. Só que o desgraçado foi mais rápido. Ele atirou no meu irmão pelas costas. — Leonardo tenta segurar o choro, em vão. — André caiu ali mesmo, na minha frente, morto. E eu não pude fazer nada por ele.

Meu coração se parte.

— Eu sinto muito.
— Foi minha culpa, Helena. — Ele continua. — Se eu não tivesse o levado para aquela festa, André estaria vivo hoje.
— Não foi sua culpa, você não pode carregar esse fardo. — Seco suas lágrimas. — Quando é que você iria imaginar que seu irmão perderia a vida numa situação dessas?
— Eu tinha o dever de protegê-lo. E eu falhei. E continuo falhando... Assim como fiz com Olívia, com Marina, com você.
— Ei! Ei, pare com isso! — Levanto seu rosto até o meu. — Tudo o que você tem feito é nos proteger. Tenho certeza que seu irmão, de onde estiver, compartilha do mesmo pensamento. E a Ma também.
— Marina sequer se lembra de mim.
— Por enquanto. Mas sei que ela é tão grata quanto eu.

Leonardo sorri fraco.

— Quem é Olívia?
— Minha noiva. — Ele sorri com tristeza. — Ex noiva, na verdade.
— A que te abandonou no altar?
— Eu não a culpo por isso. Eu nunca fui um bom namorado ou um bom noivo... E provavelmente, eu não seria um bom marido.
— Por que não?
— Eu não sou uma pessoa fácil de lidar. Sou péssimo em demonstrar afeto e depois de perder meu irmão, fiquei pior ainda. — Leonardo explica, de ombros baixos. — Eu estava tão obcecado em encontrar o assassino que tirou a vida dele, que acabei deixando nosso relacionamento em segundo plano. Estávamos às véspera de nosso casamento e eu mal ficava em casa. Eu não me importava com os preparativos do casamento, nem com ela, de certa forma. Isso a magoou muito.
— Mas não justifica ela ter feito o que fez. Ela deveria ter te apoiado e compreendido, ainda mais em uma situação tão delicada quanto essa. As atitudes dela foram desprezíveis.

Leonardo baixa a cabeça.

"Você está com seu orgulho ferido", ela disse, em nossa última conversa, na porta da igreja. " Logo você, o valentão que nunca perdia uma briga, apanhou feito cachorrinho e nem sequer foi capaz de defender o irmão. Isso não se trata de vingar o André, se trata de você."
— Nossa. Isso foi cruel.

Ele suspira.

—Mas agora, vamos parar de falar de mim. Não quero mais chorar na sua frente.
— Está bem. — Dou um pequeno sorriso.
— Me conte você agora sobre sua vida.
— Aí quem vai chorar feito criança sou eu.
— Então, não conte. Não suporto ver uma mulher chorar.
— Quem diria que o cara misterioso e insensível tem um coração mole assim, heim? — Brinco.
— Engraçadinha. — Ele ri.
— Mas relaxa, seu segredo está bem guardado comigo.

Leonardo sorri.

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