A Caronte deslizava como uma pluma pelo espaço sideral... Dadas as distâncias imensuráveis, aos olhos da Criação deveria parecer um brinquedinho atravessando a escuridão pontilhada de diminutas centelhas. Na ponte de comando, chamada simplesmente de PC, o jovem comandante permitiu-se um breve interlúdio para contemplar o espetáculo lá fora: as estrelas cintilantes espalhavam–se como purpurina sobre o veludo negro, indiferentes ao som de uma antiga canção da Antiga Terra...

Nada como um cenário com trilha sonora, refletiu o capitão de travessia Jassen Beresfort, sorrindo discretamente quando os acordes de sua seleção musical soaram pelos alto-falantes da PC. Desde a Academia, ele desenvolveu um gosto peculiar pela Música Vintage; e submetia toda a tripulação às suas excentricidades (como alguns diziam pelas suas costas). Mas, na maioria das vezes, as pessoas até apreciavam...

Exclamações de fascínio ao seu redor levaram-no a erguer os olhos a tempo de acompanhar a tão aguardada passagem de Íbis.

O cometa gigante – com sua cauda de milhares de quilômetros – foi detectado há quatro semanas. Na ocasião, o imediato, capitão comodoro Quinto Sliarg Ávila, perguntou se deveria alterar o curso da nave, por medida de segurança. Depois de alguns cálculos, verificados os riscos, Jassen concluiu que não faria mal deixar a tripulação distrair-se um pouco. Afinal, aquele era um espetáculo raro e emocionante.

A vida no espaço sideral podia ser tão monótona quanto depressiva. Estavam longe de casa há quase três anos. Nesse meio tempo, viajaram a grandes velocidades; utilizaram duas fissuras naturais de espaço-tempo; visitaram uma galáxia distante, duas constelações, sete sistemas, uma dúzia de planetas e vários satélites... E em cada visita, catalogaram as bases e obtiveram informações geoplanetárias.

Logo teriam que retornar para a manutenção geral da nave, entregar as amostras e fornecer um relatório minucioso. Mas isso era logo, não agora. Agora eles estavam prestes a ver de perto a passagem de um corpo celeste sem igual.

Jassen mandou abrir as persianas de proteção e aumentar a proteção solar das janelas em cem por cento. O exuberante cometa ultrapassava a Caronte, naquele exato momento, deixando para trás um rastro cintilante e colorido. A proximidade da cauda contra a luz da estrela principal do sistema, causou um efeito sensacional – uma fina chuva púrpura banhando a nave. O comandante imaginava que a origem da cor tinha relação com a luz da anã marrom, rainha absoluta no sistema planetário pelo qual a Caronte estava passando.

Jassen imediatamente se lembrou da canção de Prince:

Purple rain, purple rain

I only wanted to see you

Bathing in the purple rain

Não era sem motivo que ele escolhera aquela canção em sua playlist do dia.

FIM DA AMOSTRA 

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Capa de Glecio Ramos

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Capa de MileneRosa4