
III.| Nos túneis
As muralhas da cidade era firmes e extremamente bem protegidas. Até parecia que estavam em pé de guerra... Não é que ainda não existissem alguns confrontos entre as criaturas sombrias e a resistência animal aqui e ali, mas não chegava a ser caso para ter quase mais gente a guardar as entradas do aglomerado populacional do que civis. Aquilo mais parecia uma cidade proibida do que outra coisa.
- Vamos entrar pelos túneis. - Informou o esqueleto.
- Pelos túneis? Porquê? - Surpreendeu-se Phós.
- É o caminho mais seguro.
- Pensei que fosses guarda. - Provocou a raposa. - Podias-me infiltrar como prisioneira.
Como era perspicaz aquela feneco! Ainda que tivesse algumas dúvidas em relação às reais intenções da criatura, que parecia ocultar uns quantos segredos, certo era que Skótos admirava o desenvencilhar e a versatilidade da raposa. Forte, inteligente, esperta e convicta, era a encarnação de todas as qualidades do mundo. Além disso, a sua beleza rara era incomparável. Pertencente a uma espécie desconhecida para o esqueleto, Phós abanava levemente a cauda comprida e espessa de pelagem macia, que mais parecia uma echarpe requintada. As suas enormes orelhas pontiagudas moviam-se ao sabor das suas emoções, sendo a expressão perfeita dos seus sentimentos. Tomavam uma postura ereta quando a raposa se sobressaltava, curvavam-se timidamente quando o pavor invadia o ser da feneco. Skótos vislumbrou de relance aquelas extensões corporais localizadas no topo da cabeça: ora revelavam descontração, ora se arrebitavam com interesse quando o cavaleiro do lobo falava.
- Pois, mas pelos túneis é mais rápido. - Contrapôs a criatura constituída por ossos, depois de algum tempo em silêncio.
- És o guarda da cidade. Tu é que sabes. - Assentiu a raposa, piscando o olho. - Mas não esqueças do poder da minha espécie, esqueleto. Não sou grande fã de emboscadas.
- É melhor irmos.
A caminhada foi longa. A cada passo que o quarteto dava, parecia que as muralhas da cidade se tornavam cada vez mais distantes. Terrenos completamente secos de terra castanha e pó cinzento, ocasionalmente interrompidos por troncos de arbustos ressequidos e árvores mortas, anunciavam claramente o domínio das criaturas sombrias por aquelas bandas. O ar pesado, o céu nublado cerrado e o silêncio ininterrupto completavam a paisagem.
Findada a floresta, vieram os túneis escuros, profundos e sinistros. Kórax grasnava aterrorizado. Lykos soltava ganidos amedrontados. Skótos murmurava palavras de consolo que miraculosamente reconfortavam a ave e o canídeo. O esqueleto podia se resumir a um monte de ossos andante, mas que tinha coração, tinha. Fisicamente, no interior da sua cavidade torácica, por debaixo das costelas e do esterno, apenas existia o vazio. No entanto, Phós via um músculo cardíaco generoso a bombear alegria, bondade e compaixão por debaixo das ossadas, maior do que o da larga maioria dos animais. Sangue de um vermelho vivo corria invisível nas veias e nas artérias inexistentes. Fluido da pureza das criaturas que tinha o dom de diferenciar os animais dos seres da escuridão.
A feneco, num impulso de coragem, mesmo sem saber o caminho, liderava o grupo, assinalando confiante a direção com o cajado cúprico reluzente. Líder inata, encarnação terrena da bravura e da confiança, lutaria desembaraçada pelos que amava e determinada pelas causas em que acreditava. Invencível, imparável e firme, a raposa era movida por uma energia e por uma força que causavam inveja a muitos. Skótos admirava aquele espírito rejuvenescido aventureiro, aquela valentia, aquela ausência de receio, aquela certeza do caminho a trilhar estampada nos grandes olhos castanhos da feneco.
- Creio que estamos a chegar ao fim do túnel. - Declarou Phós, ao visualizar gradualmente um aumento de luz no buraco escuro.
- Sim, é aqui. - Informou o esqueleto. - Bem-vinda à cidade!
(605 palavras)
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