Cálido
Cálido.
Taehyung ainda aguardava as ordens finais para entrar na limousine que o aguardava em frente a mansão. A tarde sumia aos poucos, os tons escuros colorindo o céu. Suspirou quando viu Elia aproximando-se, e com ela suas últimas regras.
— Já sabe, não é? Haverá nomes lá, e muito podem até mesmo serem os grandes empresários que estão investindo na construção da ponte. Precisamos de informações sobre eles, sobre como a polícia tem agido por nossas costas — explicou calma, passando uma das mãos pelas mexas negras do cabelo. — Contamos com você. — afirmou. — E ah, não esqueça de se divertir!
— É claro — revirou os olhos irônico, abrindo a porta da limousine, entrando em seguida. Viu o motorista ligar o carro e o levar para seu destino.
De fato, divertiria-se. Ficar atento e buscando informações entre pessoas com um grande peso político e social com certeza era um sinônimo para sua diversão. Revirou os olhos, permitindo-se observar o rastro do jardim da mansão desfazendo-se à medida que o automóvel acelerava.
Sua semana havia passado tão rápido que fora impossível não franzir a testa quando Elia lhe informou que era naquele dia que o evento no centro da cidade ocorreria. Havia treinado por todos aqueles dias, e nem mesmo importou-se em utilizar os punhos fechados no boneco de madeira vez ou outra. Entretanto, tinha que submeter-se toda vez às palavras de repreensão e os cuidados de Elia. Havia se aproximado bastante da amiga de seu tio, assim como de Eduardo, mas não deixava transparecer de modo algum. Estava bom assim. Não precisava prender-se em uma bolha e obrigá-los a fazer parte dela.
Naquela vida entre armas e assassinos, perder alguém podia ser algo totalmente banal. Então, melhor seria manter um limite entre proximidade e intimidade. Não queria ter que, diferente de quando perdeu os pais, lamentar por um final daqueles.
Fugiu dos próprios devaneios quando a limousine parou em frente um enorme prédio festivo. Saiu do automóvel e inspirou fundo antes de ajeitar o sobretudo preto no corpo, adentrando o enorme salão. Havia algumas mesas em locais reservados, onde alguns convidados já estavam sentados. O lustre ocupava o teto, as luzes iluminavam parcialmente o ambiente. O som que tocava era calmo, uma música clássica que adentrava em seus ouvidos e lhe acalmava.
Caminhou lentamente pelo local, analisando, aceitando um drink de um dos garçons que passavam com bandejas redondas em suas mãos.
Escolheu uma mesa vazia um pouco mais ao fundo do local, onde tinha uma visão melhor do enorme palco de onde o som vinha. Permitiu-se relaxar um pouco, o movimento aumentando ao passar dos minutos. Já era noite quando todo o salão estava cheio. Sua mesa era uma das poucas vazias, justo por serem as mais afastadas.
Observou quando uma mulher com um vestido vermelho longo caminhou até a bancada de vidro pouco distante de sua mesa, pedindo uma bebida enquanto mexia cuidadosamente no coque dos cabelos. Viu quando ela desencostou o corpo do apoio de vidro, sorrindo de canto para si logo ao vê-lo.
Sim. A conhecia de vista pelas fotos que Elia lhe mostrara por toda uma semana. Uma das pessoas que investia na construção da ponte.
Devolveu o sorriso, levantando-se da mesa. Direcionou-se até a mulher com calma, sorrindo galanteador ao segurar a mão menor e levar até a boca, deixando um selar sobre a costa da mão, ouvindo o riso deleitoso dela.
Pelo modo como notou o efeito que causara a dama, tinha certeza que conseguiria informações agradáveis sobre os assuntos que desejava. Torcia por isso, pois, sua noite ainda estava longe de acabar.
~
Jungkook bebia calmamente enquanto fingia apreciar os músicos daquele lugar. Não que estivesse ruim, mas estava sem cabeça para pensamentos relaxantes. Podia ouvir as conversas, os risos conservados; podia ver os sorrisos de canto, os olhares; tudo superficial demais.
Havia chegado a pouco tempo, mas tinha plena certeza que melhor seria ter permanecido no seu dormitório. Entretanto, não tinha tal encolha. Hoseok estava buscando informações sobre a Máfia entre todos aqueles corpos, e ironicamente, deveria estar fazendo o mesmo.
Talvez estivesse esperando a informação sentar bem em sua frente e dizer exatamente sobre que tinha dúvidas, e não sentia-se nem um pouco mal por seu zero esforço. Estava bom daquele modo. Sem prensas demais. Podia pensar um pouco em si próprio, sem o peso de suas ações. Afinal, Hoseok não tinha deixado explícito seu trabalho. Imaginava que ele realmente só o levara para esfriar a cabeça. Bem, ao menos tentaria fazer aquilo.
Sorriu do próprio pensamento, levando a bebida a boca. Assim que abandonou a taça na mesa, notou um corpo aproximar-se de sua mesa, olhando-o atentamente, quase como se o... reconhecesse.
E não surpreenderia-se caso realmente fosse isso, pois, também o reconheceu.
— Pinóquio! — disse um pouco mais alto do que esperava, mesmo que não tivesse chamado atenção por estarem mais afastados dos outros.
Pretendia realmente levantar-se, fazer algo, seja lá o que fosse, daria um jeito de pensar no momento, quando o indicador do outro foi até a boca, pedindo discrição enquanto deixava um sorriso pequeno tomar os lábios.
— Olá...
— O que faz aqui?! — perguntou irritado, observando como os olhos negros pareciam ainda mais intensos ali, enquanto o fitavam. Sentia o próprio coração contra o peito, nervoso.
Taehyung permitiu-se olhar para os lados, fingindo certo interesse em saber se o outro a sua frente estava acompanhado.
— Se importa se eu sentar aqui com você? — perguntou, mas não recebeu uma resposta. Puxou uma taça da bandeja que o garçom mantinha nas mãos ao passar por ali, puxando a cadeira com a outra mão. — Entenderei seu silêncio como um sim.
— O que pensa que está fazendo? — resmungou realmente incrédulo.
— Relaxando, como você — respondeu enquanto bebia um pouco, olhando o outro com certa curiosidade. — Não me diga que está com uma arma aí?
Jungkook queria xingar-se por simplesmente saber que não tinha nenhuma arma mesmo consigo. Era só um simples convidado numa grande festa. Um detalhe comum. Viu o outro sorrir de canto, e remexeu as pernas por debaixo da mesa, incomodado com tamanha intensidade com a qual era observado.
Precisava tomar cuidado. Tinha bebido, estava em frente a um adversário forte, e que fazia parte da máfia. Uma combinação perigosa demais para se estar desarmado. Ou talvez estivesse alucinando... não. Impossível.
— E meu nome não é Pinóquio — Taehyung comentou ao lembrar de como tinha sido chamado. — Me chamo Taehyung.
Jungkook revirou os olhos, permitindo-se sorrir sarcástico.
— Você poderia escolher qualquer nome. Como vou saber se isso realmente é verdade?
Taehyung pareceu pensar, suspirando em seguida.
— Não tenho motivos para mentir. — respondeu como se fosse óbvio. — E, se realmente estiver em uma folga como eu, duvido que tenha dito que é o prodígio de fogo para o guarda lá na entrada.
Jungkook arregalou os olhos em surpresa, tentando disfarçar em seguida.
— Jungkook. — disse, fingindo não ter se importado com o sorriso que lhe fora lançado. E que sorriso bonito... desviou o olhar, pedindo por um novo drink e recebendo-o em seguida.
— Viu? Bem melhor assim. — Taehyung sorriu, observando como as madeixas escuras quase igualavam com o leve breu do local. Ele era bonito, os traços leves que tomavam força à medida que ele lhe olhava com uma expressão diferente. Olhos negros, boca vermelha... combinações agradáveis demais para sua mente entorpecida.
— Então, Taehyung... — Jungkook iniciou com calma, mesmo que estivesse longe de realmente estar, levando a taça aos lábios. — Por que Pinóquio?
— Você deve conhecer a história. Um boneco de madeira que queria ser um garoto de verdade — disse, bebericando o resto do álcool dentro da taça, deixando-a vazia na mesa. — Sendo controlado como uma marionete...
— Não me é tão óbvio como deveria parecer — deu de ombros, mal percebendo ter ficado mais calmo com a presença do outro. Talvez fosse a bebida letarlizando os sentidos, mas esqueceu-se de lembrar disso.
— Prodígio de fogo? Talvez você tenha uma explicação mais óbvia — Taehyung provocou, vendo o mais novo rir soprado.
— Sou bom com armas.
— É um título legal.
— Talvez. — sorriu pequeno, engolindo seco ao perceber que Taehyung continuava a observá-lo de forma intensa, como se buscasse a verdade por trás de sua face indiferente. — Eu vou buscar uma bebida — disse certamente nervoso, levantando da mesa em seguida.
Não se importou ao ir até o balcão de vidro e pedir por uma bebida mais forte. Olhou para a mesa não tão distante, onde Taehyung permanecia. A mão segurava o fundo da taça vazia, girando-a entre os dedos. Viu ele olhá-lo de canto, como se o aguardasse retornar. Desviou o olhar enquanto colocava para dentro todo o álcool da taça sobre o balcão. Mesmo assim sua garganta parecia seca, seu coração continuava bater forte contra o peito.
Se a vida queria jogá-lo contra o conflito, ela fizera isso muito bem.
Passou uma semana treinando. Uma semana ouvindo e obedecendo ordens para que melhorasse sua postura, defesa, ataque. E deu tudo de si naquele treinamento. Não havia descansado momento algum, descontando nos golpes sua frustração por tudo que lhe atingira na semana passada. O motivo pela qual esforçou-se ainda mais estava ali, tão próximo que podia contar quantos passos daria para alcançá-lo. Pelo que percebia, ele estava desarmado, assim como si próprio. Até porque, duvidava muito que na hora da entrada, algo daquele tipo fosse passar despercebido num local onde muitos rostos eram conhecidos e cuidadosos.
Podia considerá-lo apenas um convidado normal? Era difícil mesmo que desejasse. Pediu uma segunda dose. Seria engraçado se por tê-lo perto não se permitisse esfriar a cabeça como estava tentando fazer. Ele parecia diferente ali, sozinho e despreocupado. Talvez estivesse um passo a frente já que Hoseok estava consigo. Sentiu o gosto forte descer por sua garganta após deixar a taça vazia na bancada de vidro. Sim, estava um passo a frente, não precisava se preocupar.
Inspirou fundo, sentindo o corpo mais lento do que o normal, e imaginou que fosse a bebida já lhe causando os primeiros efeitos.
Caminhou até a mesa em que estava com Taehyung, sentando-se. Os olhos negros caíram sobre si novamente, e Taehyung ajeitou a postura, colocando as mãos juntas sobre a mesa.
Umedeceu os lábios, deixando-os mais vermelhos, os olhos escuros tentavam desvendar o garoto a sua frente, e acabou por sorrir de canto ao notar que Jungkook estava com as bochechas vermelhas por seu ato.
O que estava fazendo? Não sabia, para falar a verdade. Conseguiu falar com quatro pessoas envolvidas com a construção da ponte. Descobrira que a polícia não estava investigando aquilo, o que tecnicamente, significava que ainda não sabiam do plano dos amigos de seu tio.
Entretanto, antes que procurasse por uma nova informação, o garoto sozinho em uma mesa próxima chamou sua atenção. Poderia ser qualquer um, mas aquele rosto não seria esquecido. E para melhorar, ele era da polícia, tinha plena noção disso, o que lhe serviu como um soco no estômago. A polícia estava sim procurando informações, assim como ele próprio fazia naquele local com tantos nomes e rostos.
Mas se ele estava buscando alguma informação daquele jeito, sentado e bebendo, não chegaria a lugar nenhum.
Se aproximar não foi nenhuma novidade, muito menos o corpo nervoso e a voz irritada que citara seu nome. Mas esqueceu-se do que era por alguns segundos ao ter a possibilidade de fitar o garoto de mais perto, sem precisar preocupar-se por um momento alguém lhe ameaçando tirar a vida.
O pensamento que lhe tomou em seguida foi o que permitiu que pedisse para Jungkook fazer silêncio com o indicador. Elia o mandou se divertir. Pelo menos uma noite em sua vida, teria permissão para agir como um jovem normal. E estranhamente — ou nem tanto —, o garoto a sua frente pensava o mesmo. Entendeu isso logo quando ele permitiu que sentasse junto a ele na mesa. Quer dizer, tinha muitos jeitos de impedir qualquer contato, mas ele não se forçou a nada.
Acabou suspirando alto demais, atraindo os olhares do garoto de madeixas negras. Sorriu de canto antes de retirar as mãos da mesa, cruzando os braços sobre o corpo.
— Você sente raiva de mim? — ousou perguntar, sentindo-se estranhamente tranquilo ao ver a face corada olhá-lo confuso. Não durou por muito tempo, a expressão do outro tornou-se irritada, o que ele fez questão de demonstrar com a voz mais rouca e segura.
— Por que você acha isso? Por acaso fez algo que me deixou com vontade de arrancar sua cabeça do corpo? — perguntou irônico, sentindo o calçado do outro contra o seu próprio por debaixo da mesa. Seu corpo estava levemente deitado, assim como o de Taehyung.
— São ordens. Eu sei que você me entende bem.
Jungkook viu a seriedade no olhar do outro, acabando por suspirar, derrotado. Ordens. Porque tudo que faziam era basicamente isso.
— Pensei que vocês tivessem todo o luxo bem nas mãos de vocês — disse simples, machucando os dedos com a unha média. O lugar parecia cada vez mais abafado, o barulho parecia diminuir cada vez mais.
— Eu nunca disse que não estava — Taehyung deu de ombros. — Mas não é como se eu ganhasse tudo isso de mãos beijadas.
— O que você estava fazendo lá? — Jungkook perguntou em uma súbita coragem. Viu Taehyung olhá-lo, e podia jurar tê-lo visto sorrir triste.
— Alguém me mandou ir para lá. As ordens foram que eu esperasse e eliminasse. Tenho certeza que foram as mesmas para você.
— E por que não me matou? — a voz saiu sem segurança alguma, sentiu o peito apertar, um nervosismo estranho que crescia em seu interior, fazendo-o engolir em seco.
Taehyung mordeu o interior da bochecha, não se importando com a frustração em seu rosto ser percebida pelo outro.
— Entrei nesse mundo cedo demais. Precisei matar cedo demais — disse fingindo desdém, mesmo que sua voz saísse com mais firmeza, dando verdade as suas palavras. — Eu só não consegui retirar esses pensamentos da minha cabeça quando vi você. Tenho certeza que é mais novo do que eu. Me pergunto o que te fez parar nessa fossa também.
Riu baixo, ácido, procurando as palavras que melhor definiriam seu motivo.
— Meus pais eram uns desgraçados alcoólatras que não se importavam nem um pouco comigo. Eles morreram em um acidente de carro e eu sobrevivi com a minha... — parou segundos antes de proferir, vendo a expressão curiosa de Taehyung por sua pausa. Engoliu seco, continuando. — A polícia me fez uma sugestão para trabalhar com eles logo depois — explicou, observando Taehyung assentir em concordância. — E você? Como foi parar na Máfia?
— Meus pais eram envolvidos com isso. Contrabando, drogas. Mas provavelmente eles tentaram seguir sozinhos e lucrar só para eles. Então a Máfia deu um jeito de eliminá-los. E então eu fui levado para ser treinado... talvez como um substituto em um trabalho mais... complexo — riu sem humor. — Acho que nem todo mundo nasce em uma família normal.
— Acho que sim — Jungkook respondeu baixo e contido. O silêncio tomou os dois por um minuto longo e confortável demais. Jungkook podia ver todo o perfil de Taehyung, observando com cuidado. Bonito. Acabou sentindo as bochechas esquentarem por pensar aquilo, desviando o olhar para algo além de Taehyung.
E em meio aquele ato, Jungkook pôde avistar Hoseok.
Ele olhava para todos os lados, procurando. O fato fez Jungkook sentir o corpo nervoso, diferente do habitual que vinha mantendo naquele breve silêncio ao lado de Taehyung.
Podia chamá-lo. Podia prender Taehyung. Só isso seria suficiente para limpar a mancha em seu desempenho, para calar as bocas que ousaram falar de sua perda vergonhosa.
Algumas pessoas passaram entre sua visão, mas teve certeza que Hoseok o havia percebido.
— O que foi? — Taehyung notou a súbita mudança de estado de Jungkook, vendo-o levantar da cadeira apressado. — Espera, você-
— Quieto! Vem comigo — disse murmurando e precisou fechar os olhos com força e inspirar fundo em busca de coragem quando segurou a mão de Taehyung e os tirou dali, diretamente para as escadas que levariam para os próximos andares do prédio festivo.
E, enquanto subiam os degraus, pôde ver Hoseok parar em sua mesa, procurando-o pelos arredores.
Por pouco.
Mas... o que pensava que estava fazendo?
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