21
Me mantive imóvel quando vi que já estava com o corpo mudado, olhando atentamente para a janela, vendo o Sol nascer. Depois me levantei, meio molenga, parando de andar quando cheguei na frente do espelho, onde passei alguns minutos observando o corpo belo que eu logo estaria dando adeus.
Me sentei na banheira, tomando um longo banho, ao mesmo tempo em que pensava no quão estranho aquele corpo era. Apenas saí da banheira quando a água ficou tão gelada que vez meus dentes rangerem.
Vesti a bermuda do meu pijama - a única coisa próxima de uma calça (colocando o frasco azul no bolso lateral, como se quisesse me manter calma) - e a camisa que eu geralmente usava para dormir ali, e saí porta afora.
O ar quente estava bem frio para mim, mas acho que isso era por causa da apatia interior que eu sentia por causa do que iria acontecer, apesar de eu não saber o que diabos iria acontecer.
Andei pelo máximo de lojas que pude, cumprimentando o máximo de pessoas que pude enquanto passava pela calçada. Tentei ser amigável com eles, evitando olhar em seus olhos, ciente de que olhá-los nos olhos apenas me faria chorar.
Segui até a casa de Jace, que estava na varanda, como se estivesse me esperando.
Ele correu até mim e me beijou, mantendo suas mãos na minha cintura como se estivesse precisando de apoio.
- Como você está? - Me assustava, e muito, seu humor alegre, quase histérico.
- Isso não importa. Como você está?
Dei de ombros, sem conseguir responder sua pergunta, pois logo ele estava me beijando de novo.
- O que você gostaria de fazer hoje? - Ele perguntou.
Matar o máximo de pessoas que puder.
- Vamos apenas caminhar por hora.
(...)
Observei Jace entrando na água, ao mesmo tempo em que me batia mentalmente por olhá-lo tão atentamente. Mas era difícil desviar meus olhos das tatuagens opacas, quase transparentes, que se espalhavam por seu tronco e pernas.
Baixei os olhos para a água enquanto nadava ao lado de algumas sereias.
- Por que nunca fizemos isso? - Perguntei enquanto ele se aproximava.
Ele se limitou a dar de ombros enquanto uma das criaturas emergia ao seu lado, observando-o atentamente.
Ficamos alguns minutos ali, brincando com as sereias e jogando água um no outro, até o momento em que Agatha apareceu, olhando-nos aflita.
- Vamos para a superfície, está bem? - Ele murmurou, já nadando até a parte rasa.
- Temos que fazer isso mais vezes - exclamei, enquanto vestia minhas roupas.
- Quando estivermos acordados, iremos fazer o que você quiser.
(...)
- Sinto saudade de poder comer - ele murmurou, vendo os peixes do lago. - Acho que você já notou que aqui não há fome.
- Mas isso é bom. Não sentir fome, quero dizer. Pense no quão bom isso seria lá na realidade.
Ele deu de ombros.
- Mas ainda assim eu sinto saudade - Jace fez um biquinho. - Assim que eu acordar, irei me entupir de rosquinhas.
Ri, me levantando.
Caminhamos ao redor do lago, entrando em partes da floresta que eu nunca havia tido a coragem necessária para adentrar. Ele me levou para ver o único guaxinim dali, me explicando, risonho, que provavelmente o sr. Sem Nome não tivera a criatividade e paciência necessárias para dar vida a mais animais terrestres. Me levou para ver ninhos vazios e desabitados, fazendo com que eu me perguntasse se um dia algum pássaro morara ali. Me fez escalar algumas árvores, para que eu pudesse ver a pequena cidade, que daquela distância parecia estar envolta por uma pequena névoa lilás. Depois de me fazer olhar para as casas atentamente, Jace me levou para uma caminhada até a praia, onde me contou mais um pouco sobre a Cidade. Parecia estar desesperado, me contando mais e mais, como se estivesse com medo de que eu ficasse sem saber dos detalhes fúteis daquele lugar.
- Você poderia nadar neste mar com algumas braçadas, e logo estaria na Cidade de novo - ele murmurou,
- Como assim?
- Se você seguisse em linha reta por algum tempo, não sairia daqui, porque não tem como dar a volta por este mundo. Aqui não é mundo, Nom. É apenas a Cidade, seguindo repetidamente em uma linha oval.
- Como você sabe?
Ele deu de ombros.
- Eu já tentei.
(...)
Andamos juntos, pelo resto do dia, apenas parando de andar quando o Sol começou e se pôr. Alguma coisa fez com que nossas pernas se movessem rapidamente, indo em direção ao lago.
Me joguei no abismo antes dele, me sentando em uma das pedras enquanto olhava atentamente para Agatha, que andava rapidamente de uma ponta a outra. Ela mantinha suas mãos voltadas a uma extremidade de rochas, onde vários pedaços de pedra coloridos estavam.
- É agora, não é? - Ela murmurou, se sentando, segurando suas pernas, ansiosa. - Céus, você não sabe quanto tempo faz desde o dia em que senti tanta alegria! Se Tobey estivesse aqui, agora, ele diria o quão feliz ele está também! Céus... - Ela pigarreou. - Mas, vocês precisam de uma coisa antes. - Agatha caminhou rapidamente até as formas coloridas, onde deu metade delas para mim e metade para Jace.
Nossas armas, engoli em seco.
Porque naquele momento eu não estava mais tão segura de mim, não sabia mais se seria capaz.
- Alegrem-se, alegrem-se! Nos veremos mais tarde, quando vocês vierem para a água. - Ela parou de andar repentinamente.
Saímos do abismo, nadando com uma pequena dificuldade enquanto segurávamos aquelas coisas. Me surpreendi quando vi os amigos de Jace parados ali, na margem do lago, nos observando atentamente.
Meu estômago embrulhou.
Dividimos as armas entre nós, mas ainda sobraram algumas pequenas, que ficaram ao redor da bermuda do meu pijama.
Eu queria poder gritar e fugir dali quando chegamos até a Cidade, que estava mais movimentada que o normal, vendo as pessoas que me olhavam calorosamente com um aperto no peito. Uma a uma, elas focalizaram seus olhos no grupo de pessoas que passava por elas (tomamos o cuidado de esconder nossas armas em nossas roupas).
Uma a uma, elas sorriam para mim, olhando-me como se eu fosse uma gigante. Uma a uma, elas me olhavam com confiança, confiança da qual eu não era digna, visto que estava prestes a matá-los.
Comecei a chorar, sentindo minhas mãos se agarrarem ao meu bolso com a pílula, ao mesmo tempo em que minha cabeça começava a girar.
Eu não podia ser a heroína deles quando não era capaz nem sequer de ser a minha heroína. Eu não era capa de entrar naquele personagem, e Frederick sabia disso.
Céus, como diabos eu pude levar aquilo adiante?
Naquele momento, a única coisa que eu poderia fazer seria pegar meu frasco e ir embora dali. Aquele seria o máximo de heroísmo que eu poderia fazer por eles, fazer por mim.
- Nomi? Você está bem? - Jace perguntou ao ver que eu havia parado de andar.
- Não posso, Jace. Não consigo fazer...
Seu rosto ficou sem cor.
- Nomi, por favor...
- Não, Jace! Frederick estava certo. Ele nunca erra, nunca! Ele sabia que eu não seria capaz e eu não sou. Eu não posso, Jace.
- Estas pessoas precisam de você. As almas delas precisam de você.
- Não, elas precisam de um herói, de algo que eu não sou.
- Se você não quer fazer pela alma delas, faça pela minha.
Lágrimas mais violentas desceram copiosamente pelo meu rosto, fazendo meus joelhos tremerem.
- Eu...
- Por favor, Nomi, eu preciso de você.
Meus dedos voaram até o bolso, puxando o frasco desesperadamente.
- Me desculpe, Jace. Eu gosto muito de você, mas não...
Abri o frasco e puxei sua última pílula com meus dedos.
- Não! - Ele pegou a pílula e a jogou no chão, pisando logo depois.
Não tive tempo para falar, pois uma fumaça azul escura se ergueu por debaixo do pé de Jace, antes da terra tremer e empurrar Jace para longe, ao mesmo tempo em que a fumaça tomava forma, envolvendo a mim e a todas as pessoas dali.
Aquela "gosma" azul repuxava meus cabelos, meus olhos, meu corpo de uma maneira dolorosa e desconfortável, o que fez com que eu me desesperasse.
O que Jace fizera?
Naquele momento, a forma azul havia tomado conta de toda a cidade e floresta, tornando toda aquela pressão opressora e desesperante. Não havia mais nada que brilhasse o bastante para adentrar na grossa camada, nada que ousasse ofuscar o azul.
Alguns minutos depois, a pressão gelada começou a ceder, baixando o suficiente para que eu pudesse olhar para o céu, esperando ver as cores do pôr do Sol, ou até um céu completamente escurecido, mas me choquei ao não ver nada além de um vazio esbranquiçado, que se seguia de uma maneira constante, quase como se fosse infinito. Havia algumas partes coloridas naquele mar branco, partes de um pôr do Sol que não pôde acontecer.
A gosma azul havia baixado bastante, mas ainda assim pregava meus pés e afundava um pouco as minhas pernas, se eu permanecesse parada.
- O que...?
As casas estavam destruídas e com suas cores misturadas, como se estivessem derretendo e se fundindo.
- Nomi, você está bem?
Me virei para ver Jace, me chocando ao ver as pessoas ao meu redor. Agora eu podia dizer que sabia quem era Dave, David, Derick ou Donald, pois todos estavam diferentes entre si, tanto em traços como em etnias, todos eles estavam mudados. E velhos.
- Nomi?
Focalizei meus olhos em Jace, que sorria, um tanto indeciso, passando a mão no rosto para tirar a tinta colorida que restara. Ele estava totalmente igual ao homem da foto, talvez um pouco mais magro e só.
- Jace... - Deslizei meus dedos por seu rosto, sentindo meus olhos lacrimejarem.
- Você é linda.
E foi naquele momento que minhas lágrimas rolaram, enquanto eu olhava em seus olhos calmos tudo aquilo que eu precisava. Ele estava vendo aquilo que eu realmente era: uma garota magra, fraca e sem estruturas, mas ainda assim dizia ver beleza onde quer que fosse.
- Não! O que você fez?!
Clarence apareceu por detrás dos paus que um dia foram as árvores, puxando pelo pulso um Tobey extremamente magro. Seu rosto não era como o rosto da minha visão, ele parecia estar mais bestial, talvez por causa de seus traços revestidos de fúria.
- Nomi, ainda precisamos romper suas cascas, ainda precisamos libertá-los - Jace disse, erguendo sua arma.
- Jace...
- Iremos fazê-lo com ou sem você - Marcus murmurou, já esperando o sinal de Jace.
Virei o rosto, concentrada em focar meus olhos nas poucas luzes restantes, tentando controlar meu choro. Mantive meu olhar focado na luz alaranjada que pendia naquele vazio - o Sol desfigurado, presumi -, mas ainda assim pude ver Jace em minha visão periférica.
As luzes da Cidade, sempre tão reluzentes e nítidas, deixaram de brilhar quando Jace colocou em prática a ação que muito provavelmente condenaria nossas almas. Pois não havia como sairmos impunes daquilo, não se Clarence nos pegasse.
Ele se virou para um dos homens próximos de nós, cravando sua "espada" em seu peito. No mesmo instante, uma pequena forma meio transparente saiu do corpo do mesmo, voando na direção do vazio.
- Não! Não faça isso! - Clarence gritou, dando início a tudo.
Me sentei em meio à gosma, olhando assustada para os tons roxo escuro que se formavam onde o sangue escorria de encontro ao azul.
- Nomi! - Jace gritou, apunhalando uma moça, me fazendo gritar. - Você pode, pelo menos, se fingir de forte?
Respirei fundo, ainda olhando ao meu redor assustada. Me fingir de forte... se ele soubesse que eu passei boa parte da minha vida fazendo isso.
Juntei minha arma ao peito, ao mesmo tempo em que corria e apunhalava o máximo de pessoas possível. Eu tinha que fazer, tinha que tirá-los dali, pois eu sabia que, se eu não agisse, talvez Jace e seu grupo não conseguisse. Segui rumo ao lago, mas parei, assustada, quando vi as sereias saindo do chão - não havia mais água ali.
- Agatha! - Gritei, vendo uma senhora idosa e de aparência frágil se virar na minha direção.
- O que está acontecendo, Nomi? - Ela perguntou, tocando meu rosto.
- Jace pisou na pílula.
Seu olhar confuso se tornou compreensivo.
- Muito bem, faça.
Agora só nós duas estávamos ali, as outras correram para ajudar na matança, ou haviam procurado alguém que lhes desse a paz tão almejada.
- Agatha...
- Nomi, eu preciso dessa paz.
- Mas, e Tobey...
- Tobey e eu nos encontraremos, onde quer que nossas almas irão. Agora faça, por favor.
Olhando em seus olhos durante todo o ato, eu me aproximei dela num abraço, cravando minha arma em seu peito logo depois.
- Adeus - murmurei, quando sua alma voou para o vazio.
Um grito ensurdecedor se fez ouvir de longe, fazendo com que eu me virasse a tempo de ver uma senhora se chocar contra o meu corpo.
Algo em seus traços e voz era estranho - como se a senhora estivesse dentro de um corpo ligeiramente masculino.
- Veja o que você fez comigo! Veja o que você fez com o meu corpo! Sua maldita, veja o que você causou!
Ela batia em meus braços e pernas, xingando o tempo todo.
- Cassie?
Ela me deu um tapa forte no rosto.
- Sua maldita! Sua maldita!
Suas mãos se cravaram em meu pescoço, acertando-o numa fúria louca.
Minhas mãos voaram para a espada, cravando-a em seu peito.
Tirei seu corpo de cima de mim, já me levantando.
Me virei para procurar Jace, caminhando hesitante até o desastre.
Tentei ajudar o máximo possível, mas minha mente estava distante, meus olhos permaneceram procurando por Tobey. Eu sabia que, se não o matássemos, nada disso adiantaria, pois Clarence continuaria tendo um corpo - por mais velho que fosse, Clarence o manteria jovem e saudável.
Matei algumas pessoas, apenas parando quando olhei ao meu redor, tentando ter uma ideia de quantas pessoas faltavam.
Foi quando me virei para olhar Jace que eu vi, correndo, o corpo velho e fraco de Tobey correndo de Clarence, que mantinha seus olhos cravados nos meus.
Jace avançou na sua direção, decidido, enquanto Clarence avançava na direção de Jace com sangue nos olhos.
Eu só pude observar de longe o momento em que a lâmina de Jace entrou no peito de Tobey, mas pude ouvir de perto o grito furioso de seu parasita, que, assim que a alma de Tobey subiu, jogou o corpo de Jace para longe.
- Jace! - Gritei, já correndo até ele, que permaneceu no chão.
Levantei sua cabeça, vendo o sangue escorrer por seus lábios.
- Nomi... Agora é a hora.
- Não, Jace, levante-se, você consegue.
Ele sorriu, encostando sua testa na minha.
- Faça.
- Por favor, Jace...
- Me procure quando acordar, está bem?
- Não posso...
- Ele vai me pegar, Nomi. Assim que ele me pegar, vai ser pior.
Seria pior se Clarence o pegasse, aquilo tornaria sua morte mais dolorosa, isso se Clarence pretendesse matá-lo.
Sequei as lágrimas idiotas, que apenas obstruíam a minha visão.
Ele ainda sorria quando cravei minha arma em seu peito, e seu corpo logo afundou na massa azul quando sua alma saiu.
Respirei fundo, olhando seu sangue encharcar minhas mãos enquanto seu corpo se afundava lentamente.
Não...
Que tipo de monstro eu havia me tornado? Por mais que estivesse do lado dos mocinhos, aquilo não era certo. Aquilo era...
Como eu pude ter sido influenciada até aquele ponto, como pude deixar minha mente fantasiar uma lutadora em meu lugar?
Cale-se!
Agora não era tempo de ter uma crise, eu ainda precisava agir como uma mocinha, por mais que aquilo me matasse por dentro.
Não estava prestando atenção no que acontecia ao meu redor, por isso apenas senti quando um par de mãos me arremessou para longe, fazendo meu corpo girar.
- Droga! - Exclamei quando perdi minha arma, já pegando uma das faquinhas ao redor da minha bermuda, girando ao meu redor preparada.
Olhei ao meu redor, já cravando minha arma em uma moça que estava ao meu lado, procurando mais alguém.
Marcus e eu fomos os únicos que restaram do grupo. Ali, éramos nós dois contra Clarence, a única pessoa que ali restava.
Eu não queria salvá-lo, ele não merecia tamanha bondade. Por isso, corri para Marcus, que já me olhava com sua espada em punho, pronto para me salvar do mesmo jeito que eu estava pronta para salvá-lo.
Empunhei minha espada, focando meus olhos em seus olhos castanho-escuros, evitando parar para pensar no demônio à espreita.
Talvez, não prestar atenção nele fora meu erro.
Clarence surgiu por trás de Marcus, cravando a arma de Jace em seu peito.
Gritei enquanto sua alma se via livre, olhando ao meu redor apavorada.
Como eu iria sair dali?
Me choquei quando o mesmo levantou suas mãos, como se pedisse paz.
- Já terminamos.
Ele deu um passo para frente; eu dei um passo para trás.
- Não queria que as coisas terminassem assim, Nomi, realmente não queria. - Seu olhar ficou apagado.
Dei mais dois passos para trás.
- Por favor, não fuja de mim. Eu posso ajudá-la, assim como você pode me ajudar.
- O que você quer dizer com isso? - Perguntei, depois de sua grande pausa.
- Eu posso criar uma realidade sua e apenas sua. Você poderia ter quem quisesse aqui. Eu poderia trazer Amy de volta, sei que sente falta dela.
Pisquei algumas vezes contendo as lágrimas.
Uma nova chance de ser uma boa filha, uma nova chance de não deixar minha mãe ter desgosto de mim.
Era tão tentador...
- O que você quer em troca?
- Seu corpo, apenas isso. Não tenho a força necessária para viver sozinho, sem um corpo morrerei.
O encarei, muda.
Foi naquele momento, que uma certeza me acometeu.
Minha mãe não gostaria disso. Ela ficaria brava se soubesse que estou arriscando almas alheias apenas para tê-la de volta.
Ela não iria voltar, e eu tinha que me acostumar com isso. Com ou sem a minha mãe, eu não podia desistir, não podia deixar isso acontecer.
- Não posso, Clarence. Não posso.
- Uma pena - Seu rosto era fingimento puro. Ele se virou de costas para mim, brincando com a gosma. - Mas você sabe que não faz diferença, não é?
Uma onda de terror me tomou quando Clarence me olhou e sorriu, fazendo com que eu corresse o mais longe possível, o que não me ajudou muito, porque o demônio bateu no chão com tamanha força que o tremor me derrubou de cara no chão.
Reaja, Nomi!
Minha mente estava rápida e lenta ao mesmo tempo, o que fazia meu coração bater rápido e meus olhos se revirarem nas órbitas.
Clarence me puxou pelos cabelos, batendo minha cabeça no chão.
- Você não sabe o quão arrependido estou por não ter te prendido aqui quando tive a chance - ele murmurou. - Eu teria te jogado no lago, onde você e sua boca ficariam silenciadas para sempre. - Ele grunhiu. - Agora nada disso importa, pois você continuará aqui, para sempre. Será meu novo Tobey. Juntos, você e eu melhoraremos a Cidade Colorida. - Minha respiração falhou. - Se você tivesse aceitado minha proposta... eu iria cumprí-la, e faria você feliz. Agora me dedicarei em outra coisa: manter sua alma aqui - seu olhar tornou-se jocoso. - Você nunca mais irá ver sua maldita mãe, Cage. Nem em vida, nem em morte.
Ele jogou meu corpo para longe de novo.
Tentei manter minha calma, mas aquilo era muito difícil. Como diabos eu iria sair dali, se aquele homem parecia não ter a intenção de me matar?
Me levantei, ao mesmo tempo em que tinha uma ideia estúpida, mas que poderia me salvar.
Se ele batesse na minha cabeça forte o bastante para abrir meu crânio; se ele cravasse suas mãos em meu coração e o arrancasse do peito... Aquilo poderia salvar a minha alma.
- Você não vai pegar meu corpo, seu parasita.
Suas mãos crisparam-se, parecendo garras.
- O que você disse? - Seu sussurro era lento, como se ele estivesse tentando se controlar.
- Você deve ter ouvido bem - fiz uma pausa. - Não tenho medo de você, Clarence. Duvido seriamente que alguém o tenha.
Ele agarrou meu pescoço, jogando meu corpo no chão e ficando por cima, onde bateu minha cabeça com força no chão.
- Acha que eles não tinham medo de mim? - Sua voz fria estava se esquentando por causa da raiva.
- A-acho, considerando o número de pessoas que perderam a face te enfrentando.
Seus dedos se apertaram em meu pescoço, me arremessando para longe como se eu fosse um saco de batatas.
Minha cabeça estava lenta, e eu podia sentir o cheiro forte de sangue, o que fez com que eu pensasse que meu plano estava dando certo.
- Você mente muito mal, Nomi Cage. Acha que que não posso sentir seu medo?
Dei de ombros, me esforçando para esconder uma careta de dor enquanto olhava fundo em seus olhos.
- Sim, eu estou com medo. Mas não estou com medo de você.
Ele se aproximou.
- Está com medo de quê, então?
- Estou com medo de ser esquecida, assim como você será.
- O que quer dizer?
Apenas sorri, deixando minha frase no ar.
Ninguém poderia dizer que eu estava errada, até porque Clarence realmente havia de ser esquecido, ninguém se lembraria da entidade maligna que estava presa em um espaço vazio. Com o tempo, ele se tornaria imemoravel, assim como o livro de feitiços que Tobey jogara em um lago.
Mas meu sorriso presunçoso diminuiu drasticamente quando vi seu rosto se abrir em uma careta violenta. Talvez ele tivesse entendido rápido demais.
Minhas pernas começaram a se mover sozinhas, correndo em direção ao que antes era a floresta.
Pés se batendo contra a gosma, olhos que se viravam assustados ao ver que o demônio me perseguia, seu corpo se jogando rapidamente até mim. Tentei correr o mais rápido que pude, evitando parar para pensar que ele estava ali atrás, cada vez mais próximo, suas mãos cada vez mais perto de mim.
O quase espectro estaria furioso o bastante para deixar sua lógica de lado e apenas me surrar loucamente?
Ele me puxou pelo pescoço, batendo meu corpo no chão bruscamente depois levantando-o de novo, batendo minha cabeça no chão repetidas vezes.
- Eles vão se lembrar de mim! Sim, eles vão! Não há como esquecer desse pesadelo. Eles vão se lembrar de mim! - Seus dedos voaram para meus olhos, onde ele apertou e os afundou, fazendo com que eu gritasse.
Ele voltou a bater minha cabeça no chão, que fazia barulhos esquisitos por causa da massa azul. Suas mãos continuaram batendo, batendo, batendo...
Eu não conseguia mais abir os olhos, não conseguia mais mexer meus dedos, não podia mais dizer alguma coisa.
Mas eu podia ouvir. Sim, eu podia ouvir muito bem o que acontecia. Podia ouvir uma batida enfurecida contra o chão, o que presumi ser meu crânio. Podia ouvir uma respiração rápida e desesperada logo em cima de mim.
Pude ouvir um quebrar rápido e ensurdecedor, depois não ouvi mais nada.
Era estranha a sensação de estar fora de um corpo, de não estar em lugar algum. Ao mesmo tempo, fazia com que eu me sentisse bem, ou quase isso. Me trazia a ilusão de não ter mais problemas, não ter mais dor por detrás da porta.
- Por que está se perdendo, minha menina? Por que não junta estes trapos e se costura? - Me esforcei para abrir os olhos, mas foi em vão. - Você sabe que pode.
Foi um tanto ruim quando a sensação se foi e deu lugar a um choque, que fez com que eu me levantasse do chão e olhasse ao meu redor estupefata. Eu estava em meu apartamento, na realidade. Se o fato de estar acordada já não fosse extasiante o suficiente, o fato de estar livre de um demônio, assim como o meu corpo, tornava tudo melhor.
Corri para o espelho do banheiro, olhando meu rosto quase com ternura, ainda assim me chocando ao ver meus olhos.
Onde Clarence apertara com seus dedos estava azul escuro e roxo, deixando marcas por toda a íris castanha.
O mais estranho, porém, era que aquilo não doía, não incomodava o quanto deveria incomodar.
Bem, não havia como sair daquela furada sem nenhuma marca.
Apesar de ter aceitado aquilo, meu corpo todo tremia em espasmos violentos enquanto eu corria para o telefone.
- Nomi? - Frederick atendeu.
- Fred, eu fiz. Juro para você que foi a coisa mais maluca que eu já fiz. E eu vi Jace, vi sua real face. Frederick, ele é tão... Droga! Tudo aquilo foi uma loucura! Ainda mais quando todos eram o que realmente eram, aquilo se tornou uma loucura. Eu não sei... eu...
Minha cabeça começava a girar, como num carrossel.
- Nom, sua voz está estranha.
- Mas agora eu tenho que ir atrás dele, Fred, tenho que ir atrás dele agora que ele está acordado e bem. Preciso do seu carro e... d-de um m-mapa - meus dedos não estavam mais tão firmes. - Espere! Eu disse carro? Desculpe, não sei se vamos precisar viajar de avião. Vamos? Oh, céus, eu nunca voei! F-frederick...
- Nomi?
Acho que eu estava em choque, mas não havia como ter 100% de certeza. Minha respiração estava tão rápida e meus olhos lacrimejavam tanto que eu logo não sabia o que estava se passando com minha cabeça lenta.
Eu não conseguia sentir minhas pernas, muito menos meus braços, que caíram fracos, derrubando o telefone no chão. Logo, minhas pernas cederam, tombando meu corpo já sem forças.
Insisti em manter meus olhos abertos, com medo de que meus olhos fechados revelassem a mim todos os rostos que fitei antes de cravar-lhes a espada. Eu custava a crer que eles me deixariam em paz.
Era difícil agarrar-me à realidade com meu corpo tão fraco e minha mente tão ausente de meu ser, então apenas parei de lutar contra a lassidão, deixando meus olhos se fecharem e minha cabeça cair na escuridão.
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