16
O maldito espelho não mudava seu reflexo, continuava a me mostrar uma versão distorcida de mim, como se estivesse travado. Ele permanecia lá, como se seu objetivo fosse me fazer chorar, mostrando uma garota que estava magra, mas magra mesmo. Não magra de uma maneira normal e até bonita. Magra demais. Seu rosto parecia diminuir enquanto seu cabelo desgrenhado se mexia, como uma mola enferrujada, escondendo a lateral de suas bochechas ossudas. Seus olhos estavam lacrimejando, mas eu não sabia se era de medo ou por ter acabado de acordar. Ela estava ali, parada, apesar de meus braços estarem se contorcendo e minhas mãos tremerem violentamente.
Seu corpo se parecia com o das pessoas da Cidade, talvez fosse até mais magro.
Eu não estava daquele jeito antes de viajar até a Cidade, o que me fazia pensar se não havia sido Clarence quem fizera aquilo comigo. Claro, eu já estava magra antes, mas não magra daquela maneira. Era assustador ver meu corpo tão frágil de uma maneira tão estranha.
Todo esse tempo me esforçando para gostar do meu exterior... O processo agora se tornara inútil.
Tentei me virar e fazer com que garota se mexesse ou se transformasse em mim de novo, mas o espelho permaneceu travado, ridicularizando-me. Mantive dentro de mim minhas lágrimas, eu não podia desperdiçá-las agora.
O reflexo se mexeu rapidamente, mudando minha visão; agora eu me via, com a mesma doença que minha mãe tinha, só que com os seios feridos e marcados, como se eu estivesse apodrecendo de dentro para fora. Meu reflexo sem camisa me olhava, atento à minha agonia.
Desatei a chorar, vendo o monstro.
Eu podia ver, ao fundo da imagem do espelho, meu corpo da Cidade, olhando para mim com desprezo, ao lado de Clarence, que o segurava. Eu não sabia ao certo se estava alucinando, mas decidi não encher minha mente disso. Saí da frente do espelho e caminhei lentamente até o banheiro, onde apenas fiquei parada debaixo d'água. Ainda com a cabeça fora de órbita, pensei em como matá-lo. Honestamente falando, eu não tinha experiência alguma com assassinatos, o que tornava toda a situação mais estranha.
Saí da água, indo comer o máximo que consegui e indo comprar comida logo depois para me entocar de comida novamente. Passei uns bons minutos preparando meu corpo para quando eu ingerisse uma das pílulas.
Tentei me manter ocupada enquanto estava acordada, evitando parar para olhar a camada de neve que crescia mais e mais ao redor da minha janela, o que só indicaria que o tempo estava passando mais rápido do que eu podia parar para pensar. Não parei para limpar minha casa, porque aquilo estava começando a me irritar a muito. Acordar e limpar a casa, acordar e limpar a casa...
Me lembrei de minha mãe no meio termo, quando ela se cansava de limpar a casa e apenas chamava uma de suas irmãs para fazer seu serviço.
Você tem que se mexer, Amy, uma de minhas tias dizia. Olhe só esta bagunça!
Andei pela casa antes de me cansar e decidir que estava pronta para voltar. Eu não iria viajar para destruir aquele lugar, não agora, que eu podia aproveitar o máximo do tempo que me restava com Jace.
Um tanto temerosa, tomei uma das pílulas, já me preparando para lutar com Cassie se fosse preciso, sem conseguir segurar um suspiro aliviado ao me ver sozinha no quarto. Sem parar para olhar minhas roupas, corri para a casa de Jace, me sentindo um tanto desconfortável ao ver seus amigos ali.
- Oi. - Ele disse, com um sorriso discreto.
Eu não estava pronta para fingir animação na frente daquelas pessoas, me ainda me olhavam com o mesmo ar conspiratório que me olharam na primeira vez.
- Você está bem? - Ele perguntou, com a voz mais baixa.
Seus amigos entenderam sua deixa, e logo estavam saindo apressadamente da casa.
- Cassie sabe que estamos aprontando algo - anunciei.
Seus olhos ficaram escuros.
- Como ela descobriu?
- Não acho que ela saiba de tudo, mas tenho quase cem por cento de certeza de que ela desconfia.
- Por que você acha isso?
Engoli em seco.
- Da última vez que vim até aqui, ela e Clarence apareceram na minha casa - sussurrei. - Antes disso, eu a encontrei no lago, e ela foi bem ameaçadora.
- Droga! Precisaremos agir, e logo.
- Mas, o que exatamente vamos fazer?
Seu sorriso era sinistro.
- Vamos matar o máximo de pessoas que pudermos.
Tentei imitar seu sorriso, porém não consegui. Só ideia de matar alguém e dava nos nervos de uma maneira angustiante e assustadora.
- Mas não há motivo para pensar nisso agora, está bem? - Ele murmurou, beijando minha testa
- Ainda temos um pouco de tempo.
Às vezes era estranha a ideia de olhar em seus olhos e escuros e compará-los com seus olhos reais, tentando descobrir qual deles era mais intenso. Evitei pensar em todo o resto, aquilo apenas me faria mal. Ao invés de manter minha cabeça bagunçada com todas aquelas coisas, mantive meus olhos focados em Jace, que sorria, me olhando.
- Como você é de verdade? - Ele perguntou do nada.
Franzi os lábios.
- Bem, exatamente o oposto do que você está vendo - assumi, com os olhos baixos.
- Eu não acho que seja verdade.
- Mas é.
Ele bufou e desviou o olhar.
- Acha que um dia eu irei vê-la? - Ele me olhou de volta, com o olhar intenso por causa disso.
Dei de ombros, sem querer dar esperanças a ele ou a mim.
Se ele visse meu real rosto, meu real corpo, provavelmente iria desistir de mim. Eu não queria me iludir, imaginando que ele me amasse por dentro assim como parecia me amar por fora.
Continuei ali, sentindo uma paz momentânea, olhando para sua janela, tentando ver algo através de sua claridade intensa.
- Só me restam poucas pílulas - murmurei, mordendo meus dedos.
Ele não disse nada, apenas me abraçou, mantendo seu coração próximo do meu.
Tentei não deixar aquilo passar pela minha cabeça, mas foi quase impossível. Eu não tinha desculpas, não agora, pelo menos. Enquanto ele respirava próximo de mim, não consegui evitar me fazer a pergunta que batia em minha porta nos últimos dias.
Céus, como eu irei matar você?
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