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O tique-taque interminável do relógio conseguia ser mais interessante do que a televisão, que transmitia para o vento a programação de domingo.
Não há muita variedade neste dia, pois acho que ninguém realmente goste de um domingo.
Eu tinha que ver o lado positivo, porém, assim como Frederick me instruíra. Pelo menos, eu não tinha que sair para trabalhar.
- É um milagre, Bill! - O apresentador exclama ao ouvir a história " fantástica " de seu convidado. O convidado, Bill Brenan, sorria, como se finalmente estivesse sendo reconhecido, sem parar para notar o sorriso e voz forçadas de seu anfitrião.
Bill estava muito ocupado se amando em rede nacional para perceber que era um tremendo saco.
Desliguei a televisão, ao me sentir extremamente mal por estar vendo aquele programa, apesar de não saber o motivo. Talvez, meu subconsciente tivesse percebido que o coitado do Bill Brenan só buscava atenção por se sentir insuficiente, e decidiu me fazer sofrer por ter detestado sua entrevista.
Eu realmente acreditava que as porcarias dos remédios não funcionassem de verdade, e eu apenas gastasse dinheiro como uma idiota. Mas eu não podia negar que ficava um tanto melhor ao sentir as pílulas descerem pela minha garganta, apesar de ter quase 100% de certeza de que era apenas um placebo.
Se um deles já ajudava, o que cinco ou seis fariam?
Afastei esses pensamentos, colocando uma pílula em minha boca e engolindo-a pura.
Quando estava saindo da cozinha, ouvi três batidas na porta da frente, então corri para a sala de estar, para vestir minha bermuda e ficar ao menos apresentável.
Corri para a porta, feliz por receber uma visita.
- O que faz aqui? - Olho confusa para Frederick, me esforçando para esconder um sorriso.
Sempre me surpreendeu o fato de Frederick Neller, a única pessoa que me suportava, se importasse comigo o suficiente para bater na minha porta às 6 em ponto, para irmos trabalhar, ou aparecer do nada na minha casa em horários e datas aleatórios - mesmo que, algumas vezes eu preferisse ficar sozinha.
- Vim te ver. - Ele corou e depois sorriu, como sempre fazia quando eu lhe fazia uma pergunta que o mesmo considerava óbvia. - Você sabe, ver se está bem. - Ele sorriu, ainda com os olhos baixos, como se escondesse de mim alguma coisa. - Eu trouxe alguns filmes, podemos ver alguns se quiser.
Quando ele ergueu o olhar a mim, parecia estar preocupado.
Olhei para o meu pijama, me sentindo estranha por estar tão destrambelhada enquanto ele estava ali, apresentável, na minha frente. Franzi os lábios, subitamente nervosa.
- É uma boa ideia.
- Você tem milho de pipoca em casa? - Ele perguntou ao entrar, já jogando seu casaco em um canto.
Neguei com a cabeça, fazendo-o suspirar, entediado.
- Tudo bem.
O filme deveria ser interessante, mas não me envolvi no enredo que se passava, só conseguia prestar atenção nas cores que se passavam. Meus olhos acompanhavam os contornos coesos dos homens e mulheres, me perguntando se haveria uma maneira de representar aquela sensação sem focar na estética, sem focar apenas nos corpos. Ao mesmo tempo, pensava nos motivos de Frederick para me visitar. Ele era uma das únicas pessoas que se preocupava o bastante comigo para vir me encher na minha casa.
Ele era bom demais para se preocupar comigo, isso era um fato.
- Você gostou do filme? - Ele perguntou, desligando a televisão se virando para mim, me fazendo desviar o olhar, encabulada.
- O que?
- O filme. Você gostou?
Concordei.
- Você não assistiu, não é?
Concordei de novo, desta vez com um sorriso.
Ele suspirou.
- Você está bem?
Estou muito bem, planejando voar com os pássaros.
Dei de ombros.
- Estou. O que te faz pensar que não estou?
- Ah, nada. - Ele encolheu seus ombros, em busca de assunto, como sempre. Ou, talvez, ele já tivesse um assunto. - Tive uma sensação estranha hoje de manhã. - Seus olhos baixaram e ele parecia estar envergonhado.
- Como assim?
- Eu estava olhando minha gaveta de medicamentos, procurando alguma coisa, e vi um frasco de pílulas. Logo depois, comecei a pensar em você, o que teria sido normal, se minha cabeça não tivesse começado a pesar e meus olhos não tivessem começado a embaçar.
Ficamos em silêncio, absorvendo aquilo. Frederick havia tido aquela mesma sensação quando sua avó morreu.
- Não precisa se preocupar comigo, Fred, eu estou bem.
- Se cuide, Nom, eu estou falando sério. Não quero que... Você não pode...
Mantivemos o silêncio, até ele pigarrear.
- Bem, acho melhor eu ir.
Não, por favor!
- Tudo bem - sussurrei, sentindo repentinamente uma intensa vontade de chorar.
Ele limpou a garganta e me deu um beijo na bochecha, depois saiu, fechando a porta delicadamente.
É claro que ele gostaria de ir embora! Quem seria louco ao ponto de ficar?
Me deitei no sofá e parei para comer os doces que estavam em um pote. Qualquer coisa que tivesse o máximo de calorias seria bom para mim, já que eu estava tentando ganhar alguns quilos. Não me importava que eu estivesse ganhado mais gordurinhas do que realmente era necessário, qualquer coisa seria melhor do que voltar a ser o monte de ossos que eu já fui um dia.
Deixei a comida de lado, pois até ela estava me afetando naquele momento.
Corri para a cozinha para tomar minhas pílulas, mesmo sabendo que não deveria. Eu sabia o que me aconteceria se eu as tomasse novamente: eu sentiria dores, desmaiaria e me sentiria muito mal depois. Mas, era melhor tomá-las e sentir uma faísca de felicidade, mesmo que pequena, para me servir de alívio, mesmo que só um pouquinho.
As coisas começaram a se colorir um pouco enquanto eu andava pela casa, fazendo pequenos pontos azuis voarem em meu rosto. Minha cabeça estava girando devagar, como se eu tivesse em um brinquedo, o que me deixava um tanto tonta e enjoada.
Os pontos azuis me puxavam para a sacada, onde eu podia ver o céu trocar de cor e ficar semelhante a um arco-íris.
Eu me sentia um pássaro, só faltava eu me soltar e voar. Um pé subindo a madeira da sacada, depois o outro...
Quase caindo por conta da náusea, corri para a pia da cozinha, sentindo os doces e as pílulas voltarem com tudo. Coloquei-os para fora, observando os pontos azuis me chamando para a sacada de novo.
Olhei para o lado, imaginando minha mãe sentada de frente para mim, bloqueando meu caminho até a sacada sacada.
De novo, Nomi? Por que você não evolui? Por que você não para de dormir e vai caçar motivos para retomar sua vida?
Seu olhar se tornava lânguido, quando ela terminava de me dar uma bronca, para logo depois me revelar o que ela realmente queria dizer.
Você sabe que pode.
Virei o rosto, chorando, ainda me esforçando para ficar de pé o suficiente para seguir as luzes. Minha imaginação se perdeu, fazendo com que minha mãe sumisse.
As coisas pararam de rodar e as cores voltaram ao seu verdadeiro tom quando ouvi batidas calmas na porta. Corri para a mesma, evitando a todo custo me olhar no espelho que ficava na parede ao lado da porta. Eu deveria estar horrível, como sempre.
- Olhe, Frederick, você não precisava ter vindo aqui de novo, eu estou... - Parei de falar quando abri a porta e vi um homem alto de olhos gigantes e inexpressivos parado na minha porta. - Posso ajudá-lo?
O homem me olhou de cima a baixo.
- Seu nome é Nomi Cage? - Ele perguntou em um tom irônico, dando a entender que já sabia quem eu era. Ele me olhava, com o olhar opaco, como se já soubesse o que eu iria fazer.
Engoli em seco, secando minhas mãos suadas no blusão do pijama.
- S-sim.
Ele tirou de seu casaco enorme e estranhamente colorido um saco de papel.
- Isto é para a senhorita. - A expectativa em sua voz era palpável.
Peguei o saco com as mãos trêmulas e o abri, observando os dois frascos compridos que estavam lá.
- Senhor, isso deve ser uma engano. Eu não encomendei isso.
- Não importa - seus olhos opacos ganharan um pouco de cor, mas foi muito rápido, me fazendo duvidar se aquilo realmente havia acontecido.
- Por quê? Como assim, não importa?
- Não importa. A única coisa que você precisa saber é que isso vai te ajudar.
- Pílulas?
- Não são apenas pílulas. São mais que isso.
- E para que servem?
- Elas irão te ajudar.
- Como assim, me ajudar?
- Você irá descobrir.
O encarei, estupefata.
- Só não se esqueça, senhorita - ele falou, já se afastando -, uma hora você terá que escolher onde ficar.
- O quê? - Mas ele já se afastava, ignorando minha pergunta.
Fechei a porta, depois de vê-lo entrar no elevador.
Me sentei no chão e abri o saco, para analisar os frascos, ainda um tanto receosa. Ao colocar a mão dentro do mesmo, pude sentir uma folha de papel mais dura.
Tome as coloridas primeiro.
O primeiro frasco, era transparente, e parecia ter dez pílulas e comprimidos variados e coloridos. O segundo, também transparente, possuía a mesma quantidade de pílulas do outro, porém azuis escuras, quase pretas e redondas, semelhantes a pequenos botões.
Olhei receosa para o frasco colorido, pensando se era ou não uma boa ideia sequer pensar em ingerir aquelas coisas.
Não se deve confiar em estranhos.
Poderia existir um homem mais estranho do que aquele?
Mas, ele veio até aqui por algum motivo, certo?
Fitei os dois frascos, ainda sem saber o que fazer.
Será que iriam me ajudar mesmo?
Decidi abrir o frasco das pílulas coloridas, sentindo o cheiro adocicado e um tanto enjoativo que subiu ao meu rosto. Tirei uma das pílulas e a coloquei na palma de minha mão.
O que eu perderia se a tomasse mesmo?
A engoli de uma vez, fazendo uma careta por causa da sequidão que senti logo depois. Minha garganta começou a doer e queimar, então peguei o outro frasco, tentando abrí-lo, mas minhas mãos estavam fracas demais para fazer qualquer coisa.
Fechei os olhos, sentindo a ardência, agarrada ao frasco escuro.
Minha respiração estava rápida e meu coração quase pulando do peito, me deixando com medo e alívio ao mesmo tempo. Medo de não saber o que diabos era aquilo que eu ingerira. Alívio por saber que, com sorte, aquela ardência dolorosa e crescente acabaria me matando.
Olá, espero que tenha gostado! Sei que esse capítulo está meio parado, mas é o primeiro e juro que no próximo teremos mais emoções.
Se você gostou, por favor deixe seu voto, pois isso me ajuda muito <3
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