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Capítulo 6 - P.O.V Valentim Parte 2

Ao som dos cantos mórbidos dos pássaros, Valentim observava tudo a sua volta. Parecia uma casa normal, mas sabia que não era. Pelo menos, não quando aquele ser que o encarava com fascínio o assistia, ali, parado a sua frente como se fossem grandes amigos.

— Você merecia um castigo pior do que esse – disse Valentim.

— Concordo plenamente, Rabbit – caçoou Ragnar – e ousaria dizer que você também. – foi a uma lareira que queimava uma madeira com chamas negras e, com um latão partido ao meio, improvisou um bule, preparando um chá. – mas vamos lá, velho amigo. Você não veio até aqui para me acusar, não é verdade?! Até mesmo por que você é tão culpado quanto eu.

— Eu paguei pelos meus erros, Ragnar! – bradou Valentim.

— Eu também – retrucou – não apenas paguei, como continuo pagando. – um gracejo saiu entre seus dentes – Essas árvores sugam meu poder. Em sua seiva circula o meu sangue. Poderia dizer até, que somos quase irmãos – gargalhou – mas está chegando o tempo que esses laços de sangue serão cortados, Rabbit, já começou – o bule guinchou –, os passarinhos me disseram, a Santa Fé está pra cair. As árvores já não estão tão fortes – despejou o chá em duas xícaras, servindo-os – Elas já não conseguirão nos prender aqui, estão morrendo, Rabbit! Se volte para nós, meu filho! – arrancou a mascara de coelho de seu rosto – Alguns já se libertaram, como Renard! – Ragnar congelou o seu olhar sobre o semblante caótico de Valentim. Seus olhos se tornaram profundos e seu queixo se permitiu cair em sinal de assombro. Não sabia no que pensar, mas sabia que, entre eles, havia mais laços que alguém poderia imaginar. Droga!

— Eu matei Renard! Essa foi a minha redenção! – bradou Valentim.

— Matou?! Tem certeza? – caçoou Ragnar – Sabe o porquê de nos aprisionarem em árvores, Rabbit?! – seus dentes cerrados forçou um riso demoníaco – porque não morremos.

Valentim se deparou pensando no real motivo de ter ido ali e desejou voltar atrás.

— Entendeu agora? – indagou Ragnar com os olhos sobressaltados em cima de Valentim – Não dependo de ti, em nada! – bebericou um pouco do chá, sentando-se num banco de madeira com um estofado de cor azul-celeste – por favor, não seja tímido – disse apontando para outra cadeira a sua frente – sente-se – apenas os cantos dos pássaros puderam ser ouvidos nesse instante – Mas não se preocupe, Rabbit, eu gosto de você. Contanto que aceite uma condição minha, te ajudarei no que quiser – seus dentes imundos voltaram ao mundo.

— Que condição é essa? – indagou Valentim sem esperança. Sabia muito bem que, a partir do momento em que estava no habitat daquele ser diabólico, recusar a sua proposta não seria uma opção.

— Que você volte a ser um iniciado em nossa seita.

— Você sabe que não posso, Ragnar – retrucou Valentim – A Santa Fé tem estado com seus dois olhos em cima de mim desde quando eu me converti aos seus princípios, sabe disso!

— E que olhos são esses? – retrucou Ragnar – Não me diga que está se referindo àquele monstrinho defeituoso... Qual o nome dele mesmo? - parou no tempo, enquanto buscava o nome em sua memória – Scafur? Não é isso? – sorriu – Nós dois sabemos que aquele seu colega corcunda, enviado pela igreja, não consegue dar conta de ti.

— Como sabe dele?! – indagou Valentim, assustado.

— Um passarinho me contou – bebericou mais um gole do chá. – O chá está muito bom, se não beber logo vai acabar esfriando...

— Não quero, obrigado. – disse Valentim, imaginando se Ragnar já sabia da volta de sua sobrinha para a Ilha dos Sussurros.

— Qual era o nome de sua sobrinha mesmo, Rabbit? – indagou como se lesse mentes. Seus lábios fizeram uma curva ascendente assombrosa.

— É exatamente sobre ela que vim falar com você – um estalido agudo pôde ser ouvido de sua garganta quando engoliu a saliva – Não a coloque em seus projetos. Ela já sofreu demais. – lágrimas escorriam de seus olhos, descendo por seu rosto e pingando em sua mascara, apoiada na perna.

— Mas ela é... – Ragnar foi interrompido.

— Me prometa e farei de tudo! Tudo! – bradou.

— Pois bem então. – disse Ragnar, indo em direção ao balcão da sala e voltando com uma faca em suas mãos – O que eu posso fazer por você é o seguinte – cortou a palma de sua mão – Uma promessa –acrescentou, cortando, dessa vez, a palma da mão de Valentim – Enquanto meu iniciado viver, ela viverá – apertaram suas mãos – este é um juramento de sangue! Agora você é tanto meu irmão quanto qualquer uma dessas árvores – gargalhou próximo ao rosto de Valentim, que sentiu um bafo quente e fedorento ir a sua direção.

— Promessa é dívida – recitou Valentim.

— Promessa se paga com vida... – contrapôs Ragnar com bochechas ruborizadas de excitação. – acho que seu tempo aqui já deu, Rabbit. Se não quiser ficar preso aqui como eu, melhor sair.

Valentim levantou-se do banco e deu uma última olhada em sua volta, encarando, no final de tudo, a face de quem, nesta noite, se tornara seu mestre. Seguiu em direção ao enorme buraco de tatu-bola que surgia na sala de estar. Ragnar o chamou pela última vez. Valentim, sem olhar para trás, parou, ouvindo o que ele tinha a dizer.

— Rabbit! Tenha cuidado ao chegar ao lado de fora – sorriu sarcástico –, alguém te seguiu até aqui.

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