III.
Alex levou um tempo para finalmente criar coragem e abrir a porta da frente; o ar gelado de inverno bateu contra seu rosto e ele ajeitou melhor o casaco, tentando impedir que o frio o encontrasse debaixo de tantas camadas de roupa. Oscar já estava empoleirado sobre a (sempre vazia) caixa de correspondências, a longa cauda balançando lentamente, como se ele estivesse tentando imitar o movimento das folhas nas árvores. O escritor se aproximou, coçou-lhe atrás das orelhas e então pescou um cigarro dentro do bolso, o isqueiro já entre seus dedos.
O céu parecia limpo demais naquela manhã, e as poucas nuvens gordas que podia ver anunciavam não mais que uma calmaria muito estranha que ele jamais conseguiria confiar, não enquanto vivesse naquele lugar. Mas não havia razão para se preocupar no momento, então ele tragou o cigarro lentamente, recuando até a varanda para sentar-se nos degraus antigos. Mentalmente fez uma lista de tudo o que deveria fazer naquele dia; não que ele fosse fazer algo além de se sentar na frente do computador por horas a fio, insistindo em uma história que, talvez, apenas talvez, não devesse ser contada.
Por fim ele percebeu a movimentação estranha no final da rua e o caminhão de mudanças parado em frente a única casa que fazia companhia à sua naquele pedaço esquecido da cidade, uma coisa tão antiga e surrada pelo tempo que era um milagre que ainda estivesse de pé e, o mais impressionante, sendo vendida a um pobre coitado que provavelmente não sabia onde estava se metendo. Quem quer que fosse a pessoa que tivera a brilhante ideia de se mudar para lá, Alex tinha quase certeza de que aquilo não duraria muito mais que algumas semanas; talvez um mês ou dois no máximo, se pudesse ser generoso.
E o escritor assistiu, com fingido interesse, enquanto os carregadores trabalhavam para tirar caixas e móveis velhos de dentro do caminhão, arrastando tudo para o interior da casa. Há quanto tempo ele mesmo havia seguido aqueles mesmos passos e feito as mesmas coisas? Era difícil se lembrar, e mais difícil ainda se importar; pelo menos sempre haveria histórias de fantasmas a serem contadas e recontadas ao mundo enquanto ele vivesse ali, e sempre haveria alguém interessado em ouvir tais histórias.
Mesmo assim, a pergunta que ainda rondava em sua cabeça era simples: por qual razão qualquer pessoa se mudaria para lá?
"Insanidade," Alex disse a si mesmo, dando uma última tragada no cigarro antes de enfiar a bituca no fundo do cinzeiro que mantinha na varanda. As cinzas já se acumulavam ali há vários dias, mas ele teria tempo para limpá-la mais tarde—assim que tivesse escrito o suficiente para se dar por satisfeito, é claro. Levantou-se por fim, decidido à voltar para dentro da casa e se esquecer do mundo por mais que algumas horas "Não tem outra razão."
Se estava falando de si próprio ou de seu novo vizinho, ele não saberia dizer.
Oscar se esfregou contra seus tornozelos antes de sumir pela porta, misturando-se às sombras do hall de entrada. E antes de segui-lo, Alex cruzou o gramado em passos largos até os fundos, observando cada janela, contando mentalmente quais deveriam ser reparadas—talvez algum dia, quando ele tivesse tempo suficiente para se importar com tais coisas. O escritor fingiu não notar a jovem o observando de um dos quartos do segundo andar, tampouco se preocupou em acenar de volta quando o jardineiro o cumprimentou.
"Apenas uma casa velha, não é mesmo?" Alex resmungou para ninguém em particular, já equilibrando outro cigarro aceso por entre os lábios. "Uma casa velha numa cidade velha. Por que se preocupar tanto?" Repetiu as palavras que havia dito à si mesmo tanto tempo atrás—uma centena de décadas parecia já ter passado entre aquela noite e esta manhã, mesmo que ele soubesse que haviam sido apenas alguns poucos anos de muitas frustrações.
A jovem ainda o observava da janela quando ele contornou a casa mais uma vez, debruçada no parapeito. Para ela, o escritor ofereceu um rápido aceno que, como sempre, foi ignorado. Não que ele se importasse tanto—pelo menos não teria que se preocupar com ela em particular, pelo menos por mais algumas noites. O caminhão de mudanças já estava sumindo pela curva da estrada quando ele finalmente alcançou a varanda, e mesmo de uma distância considerável ele podia ver luzes acesas no interior da casa vizinha.
(Como alguma coisa ainda funcionava naquele amontoado de escombros velhos era algo que ele não queria saber, não realmente.)
Por fim ele voltou para dentro e trancou a porta atrás de si, recostando-se contra a madeira puída e apenas escutando—o último badalar que anunciava as dez horas ecoou com estrondo e então se calou, como se jamais tivesse tocado; silêncio reinava absoluto na casa, perturbador de uma maneira que ele não poderia explicar. Nem mesmo o constante tic-tac do relógio de pêndulo parecia ressoar pelos cômodos como antes, ou rangidos de canos velhos. E contra a escuridão que parecia crescer por entre os corredores e quartos, Alex fechou os olhos e focou a atenção em si mesmo, nas batidas de seu coração, no som de sua respiração entrecortada.
E ele cogitou, pela primeira vez em muito tempo, a passar algumas horas na cidade, a manter alguns bons, abençoados quilômetros de distância daquele inferno em terra—pelo bem de sua sanidade mental, que pouco a pouco parecia se deteriorar cada vez mais. Mas ele teria que voltar, quer gostasse ou não, e terminar aquele maldito livro o quanto antes. Teria que voltar, porque não havia outro lugar em que ele pudesse ficar.
Porque aquela casa era o seu lar, por mais repulsiva que fosse a ideia.
Alex respirou fundo uma, duas vezes; engasgou na fumaça do cigarro por uns bons minutos e, finalmente, juntou coragem o suficiente para abrir os olhos e se dirigir ao seu escritório. Os raios de sol invadiam os corredores por entre cortinas semi-abertas e pequenas rachaduras nas paredes, por onde o vento frio se esgueirava e preenchia a casa. O relógio de pêndulo tocou, oferecendo apenas um badalar do sino, e o escritor forçou-se a ignorar o som quase suave demais, próximo demais, opressivo demais.
"Ignorância é uma benção," ele sussurrou para o nada, mesmo sabendo que alguém, em algum lugar da casa, iria ouvi-lo. "Realmente é."
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