II.
A tela em branco não via sinais de progresso há horas, o cursor piscando incansavelmente enquanto as palavras não tomavam forma no documento. Antigamente era tudo tão simples, tão fácil, tão prazeroso. Como tantas outras que tomaram forma antes, a nova história estava ali, pronta para ser contada e espalhada pelo mundo mas não importava o que Alex tentasse, a folha vazia continuava a lhe encarar, zombeteira, como se risse de seu fracasso. Por fim ele se ergueu da cadeira, uma mão empurrando os cabelos para longe do rosto enquanto a outra segurava firmemente um copo de café já frio.
"Amanhã," ele disse a si mesmo, como se o amanhã fosse trazer algum resquício de amor-próprio que o escritor havia perdido em algum lugar, como se fosse o suficiente para reencontrar a musa encolhida e escondida no meio de tantas tragédias contadas e recontadas. A promessa era vazia, falsa- mas ainda assim ele continuava a encontrar um certo conforto na mentira, por mais que soubesse que não levaria a nada.
Alex se dirigiu à cozinha em silêncio, quase tropeçando em Oscar por conta de sua distração. O gato preto apenas o encarou, como se estivesse se sentido ofendido por ter sido ignorado tão claramente, e sumiu por entre as sombras do corredor, como se fizesse parte da casa e não fosse um ser vivo. A ideia fez o escritor tremer por apenas um segundo. Talvez já fosse hora de acender as luzes e agir como uma pessoa normal, pelo menos por algumas horas, mas se lembrar que teria que lidar com as pessoas nas ruas daquela cidade era mais do que o suficiente para lhe fazer desistir e continuar seu plano de ir até a cozinha e preparar mais uma rodada de café fresco.
Em algum lugar da casa, o antigo relógio de pêndulo soou uma, duas vezes, cansadamente, e soaria por seis vezes mais antes de se silenciar, anunciando a hora. Como ele ainda funcionava quase que perfeitamente depois de tantas décadas era uma pergunta que Alex se recusava a responder; não lhe fazia diferença alguma saber. Havia escrito histórias de fantasmas o suficiente para ter certeza de que ignorância, em questão àquela casa em particular, era uma benção disfarçada.
Oscar saltou para fora das sombras onde estava se embrenhando apenas um segundo atrás e se esfregou contra seu tornozelo, subitamente carinhoso demais. Alex se abaixou e acariciou suas orelhas, e então esfregou o pêlo macio e o corpo longo por vários minutos. O gato ronronou contra sua mão, contente o suficiente para não morder-lhe os dedos, e se afastou para, provavelmente, caçar algum roedor distraído e azarado. O escritor se pegou olhando pela janela enquanto esperava por seu café, admirando a névoa que encobria o gramado e o jardim e se estendia por além de onde a vista conseguia alcançar.
(Era uma visão linda, de um modo estranho.)
"Essa é uma cidade estranha," Alex resmungou, mesmo sabendo que não havia ninguém para ouvi-lo. O cheiro de café fresco chamou sua atenção e ele encheu sua xícara, decidido a não pensar mais em fantasmas e histórias e cidades bizarras perdidas no meio do nada. Insônia não o arrastaria para a cama nem à meia-noite nem às cinco da manhã, e por mais que ele se esforçasse era óbvio que não seria capaz de escrever mais nada, pelo menos não naquela noite. Ainda assim, ele poderia se distrair com algum filme ou até mesmo um dos velhos livros escondidos por entre as frestas e gavetas da casa.
Amanhã é um novo dia, ele pensou, fechando o laptop. Ele teria tempo para se dedicar, para encontrar inspiração. Faltava pouco, tão pouco, que não havia razão para descartar o livro agora; não, ele iria terminá-lo em breve. E como fazia todas as noites, o escritor andou pela casa e fechou todas as portas, trancou todas as janelas, contou e arrumou todas as cortinas. Sabia que Oscar tinha seus próprios esconderijos e atalhos para dentro da casa. Não era preocupação com ameaças que poderiam vir de fora da casa, ou até mesmo da cidade. O hábito apenas tornava a realidade parecer mais palpável e menos como um sonho.
(A insônia, sua amiga de tantos anos, era a grande culpada- ou, pelo menos, era o que ele dizia a si mesmo noite após noite.)
E pela manhã, como fazia todas as manhãs, ele fechou todas as portas.
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