❝ DESFIGURAR ❞
Acordei chorando. Não é a primeira vez que isso me acontece e, se você já leu outras linhas minhas, sabe que as distintas nuances das lágrimas são temas frequentes em meus desabafos. Entenda, a repetição da experiência não a torna menos terrível, menos sofrível. Não sei para você, mas, para mim, não há como se acostumar com um coração partido. Não há como se conter em um momento de desespero. Apenas, não há... nada.
Eu sou o retrato riscado do conto encantado que fui um dia, apenas aceito. Porém, ainda quero relê-lo pela última vez, quero reler essas páginas mágicas com você. Só por um momento, fechar os olhos e voltar a sentir a inocência dos primeiros passos. Abrir aquelas cortinas que, ao se fecharem, apagavam o meu sorriso e escureciam as cores ao meu redor. Só pelo prazer dos últimos segundos, quero reviver as borboletas no estômago e o suor nas mãos geladas, trêmulas de nervoso, um nervosismo bom. Ademais, gozar da época em que meu coração pulsava no peito, pulsava na mente, pulsava na pele.
Havia vida em mim.
Havia brilho.
Havia.
Eu preciso de uns minutos.
Desculpe-me, as lembranças ainda me doem.
Acho que podemos continuar, devo praticar externar, é o que me dizem.
Hm, como posso prosseguir? Deixe-me ver... Ah, sim. Lembrei-me do que estávamos falando e quero continuar lhe contando a respeito da minha ilusão. Sim, essa mesma, de quando a minha criança interior sonhou com um alguém encantado. Foi há muito tempo, confesso, e muitas outras estações já se passaram por essa mesma ponte apodrecida, mas, ah, deixe-me viajar nas águas límpidas daquele paraíso, enquanto sangro por dentro. Você pode continuar observando, fingindo ouvir com um sorriso fechado nos lábios. Eu finjo não ligar, porque é difícil de entender, eu sei.
Ele poderia ser um príncipe em seu cavalo branco, um herói em sua missão de salvar o mundo ou, até mesmo, um personagem de livro, um alguém que facilmente seria o protagonista de um filme, você sabe. Ele seria a pessoa perfeita para tratar da imperfeição que sou, ele me tiraria daquela torre nevada, ele seria alguém que, por fim, me resgatou.
Quer dizer, eu já fui inteira, não me entenda mal, acontece que não me recordo mais de como era a sensação. A brisa virou vendaval, o chuvisco virou tempestade e o bosque virou calabouço. É difícil virar a página, na qual, o mocinho acaba virando o vilão. As lembranças se confundem com os traumas e, por consequência, o conto de fadas acaba virando um filme de terror. A casa que era considerada segura, não pode mais ser chamada de lar, porque o caçador atirou no lobo apenas para conseguir roubar os doces da pequena, os doces da virtude.
Pobre da minha criança, seus cabelos nunca serão longos o bastante para que ela escape daquela torre, seu coração nunca será bravo o bastante para que ela lute por si mesma e seus sonhos nunca serão fortes o bastante para que ela quebre todas as correntes que a prendem ao chão rachado. O choro persistirá durante todas as noites e o amanhecer nunca chegará.
Coitadinha... A redoma de vidro que guarda seu coração está rachada, mesmo blindada, impedindo que ela enxergue, com clareza, o infinito dourado de possibilidades a sua frente. A visão dela estará deturpada e cálida até que seus olhos se cansem e sua alma se apague. "Até que as cortinas se fechem", é o que eu a escuto sussurrando.
Devo deixar claro que ela continua tentando. Vez ou outra, eu a vislumbro sorrindo ou conversando com a esperança. Então, as migalhas são avistadas rapidamente em uma trilha imprevisível. No caminho do amor, tão subestimado, eu a vejo rastejar sobre as piçarras da reciprocidade. Vejo olhos flamejantes presos aos dela e, como uma pedinte, vejo-a estender as mãos para aceitar a esmola. Once upon a time...
Fecho o livro antes que eu comece a chorar pela personagem principal. Não quero que você também chore por ela. Quero, apenas, poder rasgar essas páginas como quebraram-lhe o belo coração.
Havia vida nela.
Havia brilho.
Havia.
⚜
Os monstros estão todos debaixo das camas de nossas emoções.
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