capítulo 2: elemento surpresa
Pablo havia voltado a dormir. Sua mão posicionada delicadamente sobre seu celular. Os fones, posicionados de forma desajeitada em suas orelhas, tocando uma música aleatória de sua playlist. Um único feixe de luz sendo jogado pela lâmpada do poste em frente à casa, invadindo o quarto através da janela.
Sendo assim, Pablo simplesmente não percebeu quando o garoto moreno adentrou seu quarto de forma traiçoeira, andando o mais delicadamente possível apesar das botas pesadas. O sorriso maldoso se anunciando em seus lábios rosados enquanto ele se agachava próximo à cama de Pablo, prestes a atacar.
O veterano posicionou a vela no criado mudo, pegou a mala de Pablo e jogou com tudo no chão, fazendo um barulho alto e seco. Pablo levantou num salto desajeitado, sentindo seus olhos arderem.
— Ah, que bom que você decidiu acordar... — riu o garoto alto de cabelos escuros e cacheados. A voz grave e autoritária preenchendo o quarto. Pablo não entendia ainda o que aconteceria, mas as coisas estavam prestes a ficar loucas.
— Que porra é essa? — perguntou, a boca seca e trêmula. Do lado de fora do quarto, era possível ouvir outras vozes, risadas esganiçadas e gritos. Pablo pensou em todas as possibilidades possíveis, mas, analisando o lindo rosto corado do garoto a sua frente, rezou para que fosse só uma brincadeira idiota.
— Menos perguntas e mais ações! Vamos! — continuou o moreno, ele usava um capuz vermelho de cetim e segurava uma vela.
Apesar de não ter se apresentado, Pablo sabia que só poderia ser o tal Abby que ouviu citarem mais cedo e, provavelmente, essa é a iniciação.
Abby tinha cabelos escuros que davam uma linda moldura ao seu rosto rosado, no resto era parecido com a sua irmã gêmea, Ava: olhos azuis, nariz fino, boca carnuda.
— Ah, não... Não vou descer até que você me diga... — Pablo é interrompido pelo dedo de Abby que é colocado sobre seus lábios. O menino junta as sobrancelhas tentando processar toda essa movimentação estranha, enquanto os olhos azuis o fitam.
— Você vai saber, assim que me obedecer — responde, abaixando seu dedo.
— Mas...
— Caralho, moleque, só levanta logo e vamos! — retruca, impaciente.
Seguindo Abby, que segurava a vela, Pablo descia as escadas tentando não tropeçar nos degraus, com sua visão limitada pelo breu tingido pela chama frágil. Seu coração se acelerando, a boca amargando, as mãos formigavam.
A sala de decoração clássica da casa estava escura, iluminada apenas por velas. O que lembrou Pablo dos filmes góticos de vampiro que ele adorava assistir na sua infância. Mas, dessa vez, a memória apenas fez com que sua respiração ficasse mais pesada por um instante. As luzes emanadas das chamas tremeluziam pelas paredes altas e brancas, criando um cenário obscuro e assustador.
A baixa luz tornou ainda mais difícil enxergar com exatidão as diversas pessoas no andar de baixo, a maioria sentada no meio da sala. Outras, sentadas ombro-a-ombro em frente à lareira desligada, vestidas com um capuz de cetim vermelho que brilhava a luz das velas. Abby se aproximou, parando em pé ao lado de seus colegas.
Pablo se sentou no meio, entre os novatos.
O queixo do garoto caiu quando a garota loira levantou seus olhos azuis em sua direção, sua pele clara contrastando contra o capuz, o sorriso quase satânico enquanto ela provava do medo dos novos alunos.
— Estão prontos para a iniciação? — perguntou Ava, a voz carregada de um entusiasmo sádico.
Pablo sentiu um frio na espinha. A Ava adorável e animada que conhecera mais cedo parecia ter desaparecido, substituída por essa figura sombria e autoritária.
— A iniciação é uma tradição anual e serve para nos mostrar o quão longe vocês são capazes de ir em nome desta casa... Faremos um jogo simples: verdade ou desafio, mas — Começa, passando seus olhos azuis dos novatos para a vela a sua frente — Nós perguntamos... Vocês respondem.
Pablo se encolheu, tremendo. Isso só pode ser um pesadelo.
Um garoto ao seu lado se inclinou para mais perto, sorrindo para ele.
— Que alívio! — disse — É só uma brincadeira idiota de adolescente! Achei que a gente ia... Sei lá, sacrificar um labradoodle! Sou Billy Anderson, a propósito! — Pablo teve tempo de analisar Billy por uns minutos, ele tinha a pele meio avermelhada e bronzeada, cabelos cacheados e loiros meio queimados pelo sol, seu físico lembra os surfistas que Pablo conhecia da Califórnia, mas a expressão em seu rosto é suave e inocente como a de uma criança.
— Duvido que seja a versão saudável da brincadeira... Eles estão vestidos como adoradores de Satã... Ah, sou Pablo Kenneth! — responde, estendendo a mão. Billy a toma em suas mãos grandes, com um sorriso no rosto.
— O que acha que eles vão fazer conosco?
— Eu não sei, mas duvido que dar selinhos seja o plano dos veteranos! Espere o pior!
— Ah... Tão otimista! — Pablo dá de ombros e se vira para os veteranos que estão discutindo entre si. Ele acaba flagrando Abby o observando e desvia os olhos rapidamente.
Os novatos cochichavam entre si. Trocando olhares temerosos e movimentando suas cabeças negativamente, resistentes. Em um canto, um garoto chorava copiosamente. Todos tinham medo da casa Albuquerque, pois ela era conhecida entre os alunos pelos trotes malucos e sem escrúpulos. Bom, não por Pablo, que não fazia ideia disso ao pedir para ingressar.
— Podemos começar? — Ava se virou para a garota ao seu lado — Brittany, faça as honras. — Ava disse com um sorriso maldoso. Brittany, uma garota ruiva, baixinha, de feição angelical, se levantou.
— Hum... — ela disse, andando de um lado pro outro, depois se virou bruscamente e apontou pra Pablo, ou pelo menos ele achou que era pra ele; em uma fração de segundos, sua mão estava suando, o coração batendo mais rápido do que nunca. — Aquele ali, o de branco. — Mas, Pablo estava de verde, o que era estranho... Até ele olhar para o lado e perceber que ela falava sobre alguém ao lado dele, Billy.
— Qual o seu nome? — Abby perguntou.
— É... Billy!
— Billy — Abby repetiu, dançando com o nome em sua boca. — Verdade ou desafio, Bil?
— Eu... — Billy começou, gaguejando. O garoto passou seus olhos verdes por seus colegas, limpando suas mãos trêmulas e suadas na calça jeans — Eu quero... Desafio!
— Hum... Temos um homem corajoso aqui! — Ava exclamou — Quem se habilita a desafiar?
— Eu! — gritou um outro veterano. — Eu desafio o Billyzinho a mostrar para todos nós, na televisão, o último nude que ele tirou!
— Eu não... — Billy engoliu em seco, brincando com a barra de sua camisa. Pablo estava morrendo de pena enquanto olhava para cima. — Eu não tiro nudes... Não tenho nenhum.
— Isso não pode ser verdade! Vamos! Mostra, Bil! Ou prefere que eu pegue o celular e mostre pra todos?
— Não! — Billy gritou. A televisão foi ligada, o espelhamento foi ativado e Billie, tremendo, mostrou a foto.
— Ai, meu Deus...
— Isso não é bem um nude, Billyzinho! Mas aceitamos! Aliás, ele paga bem? Sabe, eu duvido que você cuide de idosos de graça! — Brittany comentou, maldosa, rindo junto com Ava. Pablo já estava chocado naquele momento, como eles poderiam expor ele daquele jeito?
A foto continuou na tela e Billy se continha pra não chorar.
— Tudo bem, chega! — Ava disse, se recuperando de sua gargalhada e se levantando, enquanto Billy, em prantos, se sentava. — Agora eu escolho! — A loira deu uma olhada entre os novatos e então pousou os olhos no rosto apreensivo de Pablo. — Pablo! Você mesmo... Venha para o centro!
Pablo se levantou e, com a sensação de que iria vomitar a qualquer momento, se dirigiu ao centro.
— Verdade ou desafio, Pablo?
O garoto pensou por alguns longos segundos, enquanto sentia os olhos de todos daquela sala cravados nele.
— Não temos o dia t...
— Desafio! — exclama, interrompendo Ava.
— Te desafio a entrar no quarto da diretora e roubar as chaves do carro dela!
— Não, você não desafia, não. — rebate, dando um sorriso incrédulo — Você não tá falando sério, né? Isso é idiotice, o prédio onde os professores dormem tem, tipo, mil andares.
— Ah, relaxa! Vamos te dar uma ajuda! Você só precisa pegar as chaves do carro! — responde, já se movendo para fora da casa com sua vela em mãos.
— Pra quê? — Pablo pergunta, a seguindo.
— Porque você escolheu desafio... Agora vai ter que cumprir, ou está fora da casa Albuquerque.
Pablo faz bico, respirando fundo. O cheiro da cera das velas já começa a ser incomodo. Mas, ele a segue. Sua vida se tornará um inferno se ele arranjar briga com essa garota. Porém, ele pode ser expulso e aí sua mãe vai tornar sua vida um inferno.
Mesmo assim, todos os integrantes da casa Albuquerque saem da propriedade e se dirigem como uma procissão na penumbra iluminada pelas velas — e postes de iluminação — para o prédio dos funcionários. Ava à frente, como a maldita Maria Sangrenta, enquanto Pablo seguia atrás dela, as pernas pesadas e quase travadas como se tivessem se transformado em pedra.
— Chegamos! Abby, faz escadinha pra ele subir!
— Espera... Eu vou entrar pela janela?
— Ah... — Ava disse com um risinho incrédulo. — Você achou que entraria pela porta da frente?
— Sua mãe vai ficar puta com você! — Pablo exclamou, sua voz ecoou, assustando a todos.
— Comigo? — ela ri — Eu nem estive aqui, Pablo. — Pablo parece confuso, mas, de repente, ele entendeu. Estava totalmente chocado. Ava o encarou, antes de revirar os olhos. — Relaxa, é assim todos os anos! Eu sempre escolho o novato com mais potencial... Se você fizer tudo direitinho, ninguém vai se encrencar! — sussurrou, sorrindo.
— Eu nunca invadi um lugar antes, eu não sei o que é fazer tudo direitinho...
Ava sorriu, prestes a responder.
— Ava? — Abby chamou, quase num sussurro, com suas sobrancelhas juntas em confusão — Podemos?
— Boa sorte, Pablo! — a menina diz, simplesmente.
Pablo andou até o garoto e subiu nos ombros de Abby e com um pouco de esforço alcançou a janela que ele não tinha certeza se era da diretora, mas era a que estava, imprudentemente, pensou Pablo, aberta. Ele entrou no cômodo, na ponta dos pés, e percebeu que não era o quarto e, sim, a sala de estar de um apartamento.
Pablo tirou o celular do bolso e com a lanterna, teve a certeza de que era a casa da diretora quando iluminou uma foto no hack de sua sala. Logo, ele direcionou a luz para a mesa de centro e começou a procurar as tais chaves, cerca de cinco minutos procurando na sala o fizeram perceber que não seria tão fácil assim.
Pablo, então, avançou para um corredor onde havia três entradas. Na penumbra, Pablo ouviu barulhos vindos de uma das salas do corredor e, nervosamente, andou até a porta. O garoto percebeu, rapidamente, que aquele era, na verdade, o quarto da diretora e, os barulhos, gemidos.
A diretora estava fazendo sexo com alguém, olhando, com um pouco mais de atenção, Pablo lembrou quem era aquele com ela: o esquisitão que estava na porta da casa Winchester. Pablo ficou chocado, subindo sua mão até a boca para abafar um suspiro de surpresa. Ao mudar de posição, o cara olhou diretamente para o rosto de Pablo, fazendo-o engolir em seco e se virar para se esconder.
Pablo lentamente se afastou da porta, ao passar olhando pra cozinha, viu um molho de chaves no balcão. Ao menos, essa parte estava resolvida! Pegou as chaves e correu até a janela da sala.
Pablo colocou a cabeça pra fora da janela, mas não havia mais ninguém ali, ele viu o grupo de estudantes se direcionando ao lado oposto, onde se localizava a casa Albuquerque, voltando para o ponto de onde saíram. Apenas Billy olhou para trás, mas seguiu atrás dos outros. Ele respirou fundo, as lágrimas se insinuando nos olhos.
Pablo ouviu um ruído vindo do corredor. O desespero e a ansiedade corriam loucos e de mãos dadas em sua mente. Uma mão grande pousou em seu ombro e, ao se virar, o garoto tampou a boca de Pablo com a mão.
— Vou te tirar daqui! Vem! — ele disse, apenas movendo sua boca, num som surdo. O desconhecido veste sua jaqueta depois de pega-la do chão do apartamento.
Ele abre a porta, saindo rapidamente, junto com Pablo. Ambos descem as escadas correndo, mais por pressa de Pablo do que pelo desconhecido. Do lado de fora do prédio, Pablo arqueia as costas, com as mãos em seu joelho, tentando recuperar o fôlego. O outro menino sorri pra ele e estende a mão.
— Sou Edward Bowell, você é...?
— Alguém que não deveria estar aqui, honestamente... — Pablo responde — Eu... Preciso ir... Posso me meter em encrenca interagindo com o amante da diretora! Guarde o segredo sobre mim lá dentro e eu não conto pra ninguém que você come a diretora! — rebate, ríspido. — Até mais, Edward!
— Porra... E eu achei que o meu nome era grande! — ele exclamou, rindo, enquanto Pablo se afastava, agitando a cabeça negativamente.
Pablo correu para a casa Albuquerque, sentindo uma dor aguda em seu peito. Todos estavam reunidos na frente da casa, olhando para o telhado.
— O que tá acontecendo aqui? — Pablo perguntou a Billy, que parecia apreensivo, depois de chegar nele, abrindo espaço na multidão.
— Desafiaram o Eric a andar na beira do telhado. Olha! — Billy respondeu, apontando para o telhado, aflito.
Pablo levanta seus olhos para o garoto esguio e baixinho vestindo um moletom vermelho e uma calça jeans. Um arrepio percorre sua espinha de novo.
Eric praticamente desfilava na beirada do telhado, parecendo bem confiante. Quando chegou ao fim abriu os braços, alguns alunos gritaram e aplaudiram, perdendo a noção do horário e da situação. Eric, então, volta para o meio, se exibindo.
— Quem é aquele atrás dele? — Ava perguntou a Abby, mantendo o sorriso convencido no rosto — Ideia sua, maninho?
— Eu não...
Mas, não há tempo para Abby responder. A figura misteriosa reluz em roxo atrás de Eric, lentamente se aproximando, sem que ele perceba. Tirando a mão esquerda dentro do bolso do sobretudo preto.
— Aquilo é...? — Billy pergunta, o sorriso se desfazendo aos pouquinhos.
— Uma faca — Pablo responde.
A pessoa segura a cabeça de Eric para trás, imobilizando seu braço. Billy fecha os olhos, apertando a mão de Pablo instintivamente. Por sua vez, Pablo mal consegue se mexer, paralisado pelo medo.
— Eric! Cuidado! — Brittany gritou, mas era tarde demais.
Em um movimento desajeitado, o desconhecido leva a faca até a garganta de Eric e faz uma linha perfeita, o sangue jorra, escorrendo pelo telhado da casa. Não satisfeito, o anônimo joga o garoto de cima do telhado, como um saco de batata, bem em cima da estaca de madeira que continha os dizeres "Seja bem-vinde à residência Albuquerque". A placa travessou bem no peito.
Os alunos conseguiram ouvir o barulho do sangue escorrendo através da boca aberta do loiro, tamanho era o silêncio.
Todos ficaram calados, estáticos, em choque, por um tempo que ninguém sabia ao certo qual foi. Só depois que Ava soltou a respiração é que a histeria se instalou entre os alunos da casa Albuquerque.
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