11
Eve
Os dias transcorriam de maneira arrastada, como se eu estivesse imersa em uma realidade paralela. Uma rotina peculiar se estabeleceu entre Magnus e eu. Cada manhã, despertava com a luz do dia invadindo o quarto que agora compartilhávamos, não mais na torre. Passamos a dormir juntos, adotando uma dinâmica de casal. Ao me virar na cama, sempre encontrava o lado dele vazio, pois ele se levantava antes de mim para se exercitar do lado de fora do mosteiro. Mesmo diante do frio intenso, ele treinava sem camisa, usando apenas uma calça de moletom.
As vezes eu ficava observado-o através da janela fosca, o homem parecia uma máquina, seus músculos vistosos tensionavam enquanto ele pegava os pesos. Eu ficava impressionada com a disciplina dele. Ele se exercitava todos os dias, sem exceção, independente das condições climáticas. A ferida no braço dele havia melhorado bastante, agora havia apenas uma cicatriz quase imperceptível. Mas sempre que ele podia, me lembrava o que eu havia feito e me fazia sentir culpada.
Enquanto ele estava lá fora, eu me levantava e seguia para a cozinha preparar o café da manhã que ele nunca comia. Contudo eu não podia deixar de fazer, se ele voltasse e não visse o café pronto, me obrigava a fazer, mesmo que ele não comesse. Então, passei a cozinhar todos os dias, todas as refeições, mas eu sempre as comia sozinha. Ele apenas sentava à mesa e me fazia rezar antes de comer. Logo após levantava e saia me deixando sozinha. Seu prato ficava intocável, mas eu não podia deixar de prepara-lo.
Ele costumava afirmar que qualquer prato que eu preparasse estava terrível nas raras ocasiões em que experimentava, fazendo-me temer que ele decidisse comer. Agradecia sinceramente a Deus quando ele optava por não fazê-lo, tornando cada refeição uma tormenta.
Aquela manhã não era diferente, acordei e não o vi na cama. Eu estava deitada e os eventos da noite passada ainda permaneciam na minha mente tão cedo de manhã. Movi-me e fiquei de barriga para cima. Meu corpo nu mostrava as marcas que ele deixou na minha pele alva. Hematomas azuis, tão qual a safira do meu anel de casamento que brilhava no meu dedo. Decidi me levantar e cobri meu corpo com um robe.
Enquanto arrumava a nossa cama, orei em pensamento para que ele estivesse de bom humor essa manhã, não que ele fizesse questão de se mostrar agradável, mesmo que eu fizesse tudo certo ele sempre encontrava um jeito de me maltratar. Suspirei profundamente enquanto pegava um travesseiro e afofava. Bati algumas vezes, mas do que era necessário como se quisesse descontar minha frustração no objeto. Balancei a cabeça negativamente e arrumei o travesseiro no lugar. Nada adiantaria, eu tenho consciência que tudo que ele fez é puramente por vingança, ele está me punindo.
Entrei no banheiro e me olhei no espelho. Tirei o robe e observei-me. Meus olhos verdes encheram de lágrimas, eu parecia um zumbi, uma sombra do que já fui. Estava mais magra do que já era, podia perceber os ossos sobressaindo, meus seios já não produziram leite como antes, no entanto parecida mais vistosos em contraste com o resto do meu corpo. Lembrei que padre Magnus adorava se perder neles com a boca, ele os sugava como se fosse um filhote. Isso era tão dolorido para mim, porque era para meu filho se alimentar e não ele.
Imaginei o Henry, já deve estar tão grande, no entanto eu não consigo fazer uma imagem dele na cabeça. Meu sangue esfriou no corpo, eu lutei contra isso, mas penso que padre Magnus está conseguindo o que queria, me fazendo esquecer meu filho. Claro que meu coração ainda doía, mas eu não sei, é como se meu cérebro simplesmente tivesse criado um mecanismo de defesa. Eu sentia falta do meu filho, mas já não sofria mais como antes, é como se ele estivesse se distanciando a cada dia de mim, não só fisicamente, mas nas lembranças. O fato de eu ter convivido com ele tão pouco deve contribuir para isso também. Eu só me sinto culpada por tudo.
Virei-me para ligar o chuveiro, buscando a tranquilidade que só a água quente podia me proporcionar. Os momentos matinais de banho eram preciosos para mim, oferecendo a única oportunidade de privacidade que eu tinha. Perdido na névoa quente, sentia que a pessoa que eu fui um dia se dissipava. Respirei fundo, absorvendo o vapor enquanto expirava as tragédias passadas. O sabonete se dissolvia em uma espuma cremosa, acariciando meu peito e escorrendo preguiçosamente pelas minhas coxas.
A água do chuveiro limpava meu corpo dos estragos que eu havia sofrido, enquanto eu me deixava levar pelos redemoinhos de espuma ao redor dos meus pés. Desejei que padre Magnus pudesse ser levado pelo ralo também, mesmo sabendo que não é isso que realmente desejo.
Embora quisesse ficar no chuveiro por mais tempo, sabia que não podia, tenho que preparar o café da manhã. Então, peguei minha toalha e a enrolei em torno do meu corpo esguio antes de voltar para o quarto para me vestir. Enquanto me vestia, ouvi sons abafados vindo do andar de baixo. Imaginei que era o padre Magnus voltando dos exercícios matinal.
Uma sensação de apreensão se instalou. Terminei de me vestir rapidamente e desci as escadas, seguindo os sons abafados. Ele me chamará atenção por ainda não ter começado a preparar o desjejum. Ao chegar próximo à cozinha, percebi que ele estava falando com alguém. Parei abruptamente e tentei ouvir a conversa sem me revelar. Sei que não é educado ouvir a conversa dos outros às escondidas, mas o tom que ele estava usando me fez ter uma sensação ruim. Aproximei-me e tentei espiar sem ser percebida. Avistei-o, mas percebi que, na verdade, estava falando ao celular, não pessoalmente com alguém.
— Já disse para encontrar uma maneira de lidar com isso sem incomodar a mim e a Eve.
Ele interrompeu a fala e dedicou-se a ouvir a outra pessoa. No entanto, era evidente que o conteúdo não o satisfazia; sua irritação transparecia na postura corporal e na expressão enfurecida. Um arrepio percorreu minha espinha ao ponderar sobre o contexto da conversa, especialmente porque meu nome foi mencionado. Ele voltou a falar e dessa vez ele parecia está a ponto de entrar pelo celular e agredir a pessoa:
— Se você ousar fazer isso, saiba que será a última coisa que fará na vida.
A ameaça contida na voz me deixou intrigada e preocupada. O nervosismo me dominou a ponto de emitir inadvertidamente um som. Padre Magnus então, virou-se abruptamente e percebeu minha presença. Um silêncio tenso pairou no ar enquanto seu olhar penetrante fixou sobre mim. Tentei disfarçar que estava a espreita escutando a conversa e entrei na cozinha o cumprimento:
— Bom dia!
Sua expressão continuou a mesma e ele tão pouco respondeu meu cumprimento. No entanto seu olhar continuou fixo em mim como se buscasse alguma reação minha. Porém me mantive firme e não o deixei perceber que havia escutado parte da conversa. Embora não soubesse o teor, a sensação que tinha era que algo crucial estava acontecendo. Até que ele virou as costas para mim, sussurrou ao celular e encerrou a ligação.
Um silêncio carregado de tensão estabeleceu-se, enquanto eu tentava decifrar o mistério por trás da conversa. Padre Magnus ainda se manteve alguns segundos virado de costas para mim antes de volta-se e me olhar intensamente. Embora eu já estivesse adaptada aquele maneira dele me olhar, ainda me sentia intimidada e meu coração acelerou. Ele deu alguns passos em minha direção e eu tentei a todo custo não recuar e nem demonstrar meu nervosismo. Quando ele parou próximo de mim, olhei para ele e sorri levemente tentando mostrar que estava tudo bem. Para quebrar aquela tensão, decidi prossegui com a rotina matinal como se nada tivesse acontecendo.
— Desculpa meu pequeno atraso, já vou preparar seu café da manhã, quer algo especial?
Enquanto falava, abri a geladeira e comecei a selecionar alguns mantimentos.
— O que você escutou da conversa que eu estava tendo ao telefone?
— Na-nada.
Droga, eu tinha que gaguejar, me descriminei mentalmente. Para tentar concertar isso, olhei em sua direção e comentei.
— Na verdade nem percebi que você estava em uma ligação, minha cabeça estava pensando no café da manhã, só fui perceber quando entrei na cozinha, mas não ouvi nada. Me desculpa por ter te interrompido de algum assunto sério.
Ele estreitou os olhos e sorriu debochado, claramente não acreditou em mim.
— Você mente tão bem quanto cozinha, meu amor. Contudo, esse seus lindos olhos verdes não conseguem me enganar.
— Mas não estou mentindo...
— Cala a boca!
Parei de falar imediatamente e meu coração acelerou. Apertei os lábios e achei melhor ficar quieta para não irrita-ló ainda mais. Contudo não conseguia esconder meu nervosismo, apertava as mãos uma na outra e esse gesto foi percebido pelo seus olhos perspicazes que percorreu do meu rosto para as mãos.
— Por que está nervosa?
Sua voz era firme e fria que me deixava intimidada, isso era suficiente para me fazer sentir medo.
— Não, eu não... - tentei dizer, mas ele não me deixou terminar.
— Mais uma mentira saído da sua boca eu a farei rezar de joelhos até amanhã.
Me calei e engoli a seco. Os castigos dele são terríveis e eu não quero ter que passar por um deles. Ele me fitava com um olhar feroz e penetrante. O rosto bonito de traços clássicos e másculo, parecia de pedra.
— Então vamos começar de novo. O que você ouviu da conversa?
Uma angústia enorme oprimiu meu coração, mas forjei uma segurança e decidi dizer a verdade.
— Eu apenas ouvi você dizer meu nome e a última frase antes de você terminar a ligação.
— E o que você acha sobre isso?
— Eu não sei, mas por favor, se for alguma coisa relacionada ao Henry, me diga.
Eu fiquei mais angustiada e um nó se formou na minha garganta quando percebi a expressão de descontentamento no rosto dele. Uma tensão palpável envolveu o ambiente e eu sentia que estava prestes a descobrir algo que mudaria tudo. As ideias mais horríveis se passou pela minha cabeça com relação ao Henry.
— Melhor você esquecer o que ouviu, não é nada de seu interesse.
Padre Magnus estava prestes a se afastar e eu fiquei histérica, tinha certeza que ele me escondia algo relacionado ao Henry. Então sem pensar duas vezes agarrei em seu braço tentando impedi-lo de ir. Com brusquidão ele se livrou de mim com um gesto violento e foi em minha direção com fúria. Me afastei assustada pela reação dele e pensei que me agrediria.
— Volte com seus afazeres domésticos e não se envolva nos meus negócios, Eve. Não repetirei mais, se tocar nesse assunto, se arrependerá.
Padre Magnus saiu do cômodo rapidamente e me deixou profundamente triste e preocupada. Mesmo com meu estado de espírito abalado, decidi prossegui com a rotina matinal e preparar o café da manhã, mas aquela sensação de que algo terrível estava acontecendo me acompanhou durante todo os dia.
Fiquei profundamente deprimida ao decorrer dos dias, embora sem entusiasmo nenhum, segui minha rotina no mosteiro. Não toquei mais no assunto da ligação, porém nada me fazia deixar de acreditar que alguma coisa estava acontecendo, pois padre Magnus estava agindo estranhamente todos esses dias. Claro que ele não me deixava de procurar, todas as noites nos transávamos, as vezes por horas, ele não me dava sossego com relação a isso, mas durante o dia ele quase não permanecia no mosteiro e muito menos me dava qualquer satisfação de suas atividades. O mais estranho que muitas vezes ele saía com vestimentas de padre, o que me deixava mais intrigada, mas não ousava questiona-ló sobre nada.
O aspecto mais desafiador em nossa relação é que, mesmo me sentindo utilizada, eu apreciava os momentos em que ele me procurava. Era o único momento em que eu o tinha, podia sentir seu corpo e ouvir seus sussurros, podia tocá-lo e iludir-me pensando que ele me amava. Talvez eu seja ingênua, uma sentimental dependente, não tenho certeza, mas ansiava por esses migalhas que ele me dava.
O sexo era intenso, obviamente, e muitas vezes ele usava de violência para comigo, mas eu adorava tudo, cada estocada forte, cada tapa que ele me dava, como se fosse me quebrar no meio. Depois me sentia suja e descartada, e ficava deprimida. Era um turbilhão de sentimentos conflitantes dentro de mim.
Me tornei aquilo que ele sempre quis, apenas uma boneca sem vida a qual ele desfrutava do prazeres sexuais e depois largava em um canto do quarto quebrada, até usar novamente ao seu bel-prazer.
Uma das manhãs ao acordar, minha tormenta se tornou em algo diferente. Assim que me levantei, senti uma tontura e um forte enjoo. Corri para o banheiro e deixei lá tudo que havia comido na noite anterior. Assim que me senti melhor, olhei para a minha figura pálida e fraca no espelho. Senti um arrepio atravessar meu corpo quando compreendi o que poderia ser esse mal-estar.
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