Como faziamos parte de uma história policial de ação, eram raros os momentos em que saiamos de cena. Mas estávamos em um destes momentos.

— Você nunca pensou em deixar isto aqui? — perguntei de repente.

Detetive Maddox levantou as sobrancelhas e olhou para mim como quem esperasse a pergunta, mas estivesse surpresa com o momento.

— Achei que esta pergunta viria, mas imaginei que não seria tão depressa. — sorriu.

— Vocês, caracteres novos tem sido cada vez mais rápidos em ter esta ideia.

Ela parecia cansada, entediada do assunto.

 Não esperei hoje porque estamos no meio de uma investigação, parte de uma história cheia de suspense e movimentada e imagino que você saiba que não temos muito tempo para falar sobre isto hoje. Logo voltamos a ação.

Baixei os olhos com um pouco de culpa.

-- Sim, está claro, mas estou querendo ter esta conversa desde que começamos. Já entendi que não haverá um momento super tranquilo para falarmos sobre isto, assim resolvi que terá que ser nos curtos intervalos que temos.

Comissário de polícia Euclides, que estava na mesma história chega meio afobado porque acaba de sair de cena. Nos olha cansado e exclama:

-- Foi duro hoje. Estas perseguições de carro me cansam muito, mas nosso autor adora. Acho que logo, logo é a vez de vocês.

-- Ela perguntou hoje — comenta detetive Maddox olhando para mim. Euclides entendeu na hora.

— Era esperado — falou como se eu não estivesse presente. — Desde o primeiro precedente temos tido casos mensais. Mas é compreensível. Os caracteres estão cada vez mais voláteis. Não é culpa deles. É culpa dos leitores que querem sempre novos personagens. Antigamente os personagens duravam anos.

— Não é só isto — tomei a palavra — mas é que me sinto estranha com alguém definindo o que eu devo fazer o tempo todo. Vocês não se incomodam?

Comissário Euclides deu um suspiro longo.

— Acho que personagens da nossa geração não pensam mais nisto. Estamos há tantos anos neste negócio. Detetive Maddox?

Ela abriu os olhos de algo que parecia um transe passageiro. Era a forma que os caracteres descansam e respondeu:

-- Com certeza não iria. Neste meio tempo tenho um monte de fãs e nosso autor não vai me tirar do negócio por mais muitos anos. De qualquer forma, seria difícil, para mim, sair  — respondeu assertiva.

Estava claro para mim. Eles eram os principais personagens das histórias de detetive de Jorge dos Santos. Suas histórias já populavam as bancas de revista desde os anos 50, e assim seria por mais muito tempo. Já haviam resolvido milhares de crimes policiais para adolescentes e adultos, a carreira deles era invejável. Eles já haviam me contado isto tudo quando nos vimos pela primeira vez.

— Até entendo que vocês se sintam assim. Mas nós, coadjuvantes temporários não temos esta mesma perspectiva — exclamei.

— Não saberia te dizer — comentou o comissário em voz baixa — Sempre achei que se aparecer algum caracter forte, que realmente cresça no coração dos leitores ele pode ganhar a sua própria série. Mas isto não tem acontecido até porque vocês já entram na história querendo sair, fazer outra coisa.

— O caso da detetive Miriam Paludo é assim — comentou Maddox. —Ela me acompanhou em algumas história nos anos 60 e desde os anos 80 tem uma série para si mesma. Foi quando nosso autor resolveu colocar nomes mais brasileiros nas histórias. Meu nome é americanizado porque nos anos 50 ele achava chique. Nasci antes da onda nacionalista do Jorge.

-- Quantos anos tem nosso autor? – perguntei interessada.

Euclides parou e olhou para cima, como quem faz contas.

— Ele nasceu nos anos 40, ou seja, já tem mais de 70 anos. Mas nossas histórias não são mais escritas por ele. Ele já se aposentou. Ele tinha uma equipe de desenhistas que continuou nossas histórias. Pertencemos a editora.

-- Editora – repeti como querendo fixar o assunto.

— Sim, a empresa que detem os direitos sobre nós — explicou Euclides.

Mas eu já sabia.