Capítulo Vinte e Três
— Nina, acorde.
Meu corpo inteiro formigava. Podia sentir cada célula gritando por ajuda em meio ao caos, queimando e se contorcendo para se multiplicarem e finalmente criarem novas células e continuarem seu ciclo infinito. Mas doía muito. E eu nunca entendi Biologia direito, não faço ideia de como sei tudo isso sobre uma célula. Apertei os olhos e esse simples gesto fez com que pequenas luzes laranja, amarela e rosa pipocassem na escuridão das minhas pálpebras fechadas.
— De onde saiu tanto pensamento nerd? — perguntei a mim mesma, levando a mão aos olhos ainda fechados e tentando entender o que estava acontecendo.
— Nina, abra os olhos. — ouvi de novo. A voz estava mais nítida que antes e, dessa vez, não senti nenhuma dor ao forçar meus ouvidos a trabalharem. Abri os olhos e o lugar onde eu me encontrava era tão claro que tive que fechá-los de novo.
— Nossa, apaga a luz! — pedi apertando os olhos e abrindo bem devagar.
— Não tem como, não sei de onde ela vem.
Abri finalmente os olhos e dei de cara com Jungkook. Ele mesmo. No corpo dele. Sorrindo para mim com todos os dentes à mostra, o nariz levemente franzido e o cabelo caindo perfeitamente no rosto, como se tivesse sido preparado e maquiado para isso. Levei minhas mãos ao rosto, em choque e senti minha própria pele de novo. As mãos foram apalpando tudo, rosto, pescoço, peitos, barriga, sem me importar com quem estava vendo, puxei o cós da calça e quase comecei a chorar de me ver completamente inteira de novo. Ouvi a risada de Jungkook e isso me fez levantar a cabeça para ele. Senti meu próprio cabelo sendo jogado com o movimento e gemi baixinho, emocionada.
— Meu cabelo!! Meu cabelo! — mostrei para ele as mechas compridas, em choque. — Voltei para meu corpo! Você voltou para o seu!! — Quanto mais eu falava, mais Jungkook ria e concordava.
— Sim!
Olhamos um para o outro por alguns segundos. Ele estava usando uma roupa que eu não conhecia, uma calça de moletom de cor crua, grande o suficiente para caber duas pessoas adultas, uma camiseta branca igualmente grande e um moletom azul clarinho, com o zíper aberto até a altura do peito. Só depois de reparar na roupa dele que percebi que estava vestida igual. A única diferença era meu cabelo, solto ao redor do meu rosto. Jungkook levantou as sobrancelhas e então veio em minha direção e me abraçou apertado.
Foi como abraçar a mim mesma pela primeira vez. De certa forma era exatamente isso, abraçando a mim mesma, já que eu fui Jungkook e Jungkook foi Nina. Senti os olhos arderem de novo, dessa vez com vontade de chorar. Ainda sentia a raiva de tudo o que havia acontecido nos últimos dias querendo borbulhar sob minha pele, mas ter minha contraparte ali, abraçada a mim de um jeito tão íntimo, ajudou a silenciar esse sentimento e me concentrar no momento.
— Ok, agora que vocês fizeram as pazes e ficaram felizes com a destroca, será que poderiam me dar um pouco de atenção? — a voz de tia Min Seo estava distante, como se fosse uma ligação fraca de telefone. Mas nós dois ouvimos. Encarei Jungkook e me afastei devagar, com medo de enfrentar o que quer que seja esse lugar em que acordamos. Senti os dedos dele se entrelaçarem aos meus, me dando uma segurança que nem Han Mi Mo havia me dado em todos esses anos de amizade.
— É muito bom ver os dois finalmente se entendendo. — a voz de Madame Min ecoou de novo, ainda de longe.
Enquanto Jungkook nos conduzia em direção à voz, eu prestei atenção no lugar. Era como uma sala de dança cheia de espelhos. Para onde eu olhava, havia outras milhares de Ninas segurando a mão de milhares de Jungkooks. A diferença é que cada reflexo vestia uma roupa diferente, como se fossem portais de várias dimensões mostrando todas as nossas versões. Numa delas eu era muito mais alta do que sou. Em outra, muito mais velha. Uma delas tinha inúmeras tatuagens, até mesmo no rosto e outra, ainda, tinha um ar puro e casto, de quem sabe o que é e ao quê veio. Todas com meu rosto, nenhuma parecida comigo.
Ver os reflexos de Jungkook era, no entanto, muito mais fácil porque ele é um idol e já se transformou tantas vezes que a estilista do BTS poderia muito bem tirar desse lugar ótimas ideias para projetos futuros. Todos eles tinham os mesmos olhos gentis, o mesmo sorriso cheio de dentes grandes e a mesma confiança que eu aprendi a admirar quando fui ele por algumas semanas.
— Que porra de lugar é esse? — perguntei confusa.
— É a Casa dos Espelhos. — respondeu Madame Min, como se a pergunta tivesse sido feita a ela. — E, se quiser sair daqui no seu corpo, é melhor não dizer tantos palavrões. Esse lugar é sagrado e raríssimo. É uma sorte podermos visitá-lo, mesmo que por alguns minutos. — completou.
Paramos de andar assim que alcançamos um espelho maior, com uma moldura de cristal rosado entalhado com pequenas imagens de fadas montadas em tigres, coelhos, ursos e lobos. Um universo fantástico entalhado no cristal com maestria. Quanto mais eu olhava, mais encantada ficava com os detalhes de cada criatura. As fadas e os animais não eram nada parecidos entre si, no entanto, sei lá como, eu sabia que todos eles eram as mesmas duas pessoas, assim como todos aqueles reflexos eram Nina e Jungkook. Quando meu olhar encontrou com o da xamã, ela sorria como quem lê meus pensamentos.
— O que aconteceu? — Jungkook quebrou o silêncio primeiro, ainda apertando minha mão na dele, como se eu fosse sua âncora e ele a minha.
— A cabeça-dura ali acelerou o processo e eu tive que apelar para conseguir arrumar essa bagunça antes que ficasse pior. — respondeu a xamã.
— Bagunça que você criou, vamos deixar isso bem evidente aqui. — eu estava me segurando muito para não soltar os cachorros em cima dela depois de colocar a culpa em mim.
— Como assim, tia? — perguntou Jungkook, ignorando nossa briga, realmente interessado na explicação de tudo.
Vi Madame Min fazer uma careta por ser chamada de "tia", mas não chegou a protestar. Imagino que o rosto angelical e o sorriso de coelho do mais novo do BTS funciona com todo mundo mesmo. Menos quando sou eu dentro dele, daí não funciona com a velhota.
— A Nina contou ao outro garoto que ela e você tinham trocado de corpos. — respondeu a xamã com simplicidade.
— Mas eu só fiz isso porque você disse que tinha que achar o quarto membro dessa profecia maluca que você inventou para justificar uma brincadeira de mau gosto!!! — protestei. — Você disse que eu podia contar, Tia Min Seo!
— Madame Min, Nina.
— Por que o Jungkook pode te chamar de tia e eu não? Você me viu crescer, car...— o olhar feio dela fez eu engolir o palavrão. — Caramba... eu ia dizer "caramba". — completei baixinho virando o rosto em direção a um dos espelhos que nos refletiam. Tive a impressão de ver minha versão gótica me encarando e desviando o olhar, como se fingisse não ter consciência da nossa existência. Apertei os dedos de Jungkook sem conseguir desviar o olhar daquela versão esquisita da gente, mas ele apenas segurou minha mão com as duas e continuou olhando para Madame Min.
— A senhora realmente disse que tínhamos que encontrar o tal quarto membro da profecia. — reforçou ele.
— Encontrar não significa revelar tudo. — ponderou a idosa. — A verdade é que nem eu entendo direito as implicâncias de tudo o que houve desde que dei o cristal para Nina. O que eu vi foi o futuro dela e da outra garota, a implicante.
— O nome dela é Han Mi Mo — Jungkook e eu respondemos juntos.
— Que seja... — pestanejou — O fato é que vi que Nina e Han Mi Mo — fez uma pausa dramática — se encontrando com você e o outro rapaz. A vida dos quatro está diretamente relacionada. E agora, temos mais um destino se entrelaçando ao de vocês e isso só aconteceu porque fomos imprudentes.
— Agora ela se inclui... — murmurei irritada.
— Ta falando do Jimin? — perguntou JK ignorando nossa rixa.
— Isso.
— Como ele foi incluído, tia? — a careta dela me dá uma satisfação momentânea. Já que eu tenho que sofrer sem saber tudo, ser chamada de tia é o mínimo.
— Ele e o outro garoto, o que faz parte da profecia.
— Taehyung. — Jungkook e eu dissemos juntos novamente.
— Isso, ele. — concordou a xamã com um aceno de cabeça. — Os dois são melhores amigos. Segundo o que vi hoje, antes de Nina nos trazer para a Casa dos Espelhos, eventualmente ele vai contar ao outro sobre o por quê você mudou tanto, Jungkook.
— E isso é ruim?
A pergunta me pegou desprevenida. Virei a cabeça em direção a Jungkook e o vi encarando tia Min Seo com uma seriedade que eu só vi no dia em que descobrimos sobre a troca. Mas não foi isso que fez o cabelo mais fino da minha nuca se arrepiar. O que me deixou aterrorizada foi perceber que todos os reflexos dele olhavam para nós com atenção, como se também fizessem parte da conversa. Olhei para trás e minhas várias versões faziam a mesma coisa. Nenhum deles tentou disfarçar mais.
— Jungkook... — sussurrei colando meu corpo ao braço dele e o agarrando com força, assustada. Ele tentou me afastar, ainda atento a Madame Min, alheio ao que acontecia ao nosso redor. A luz do ambiente também mudou, como que acompanhando a mudança da atmosfera. Eu podia sentir dentro da minha alma que estávamos em perigo de alguma forma.
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nota da autora: escrever fantasia tem suas dificuldades, por isso demora mais do que o normal. Espero que gostem.
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