6 • | dont know what I'm feelin'
A ópera Russa ecoando no toca-discos não servia para ofuscar o som dos gritos de Louis e sua irmã mais nova, Charlotte. A discussão deles durava horas e parecia que quanto mais discutiam mais estimulados se sentiam a prosseguir. Ambos eram teimosos e não estavam dispostos a dar o braço a torcer. Tudo começara naquela manhã nebulosa, quando Louis expôs seus planos de viajar para Paris ainda hoje. No entanto, Charlotte se via no direito de proibi-lo e se colocou contra a decisão do irmão, quando ele a ouviu dizer um alto e claro não como se ele tivesse lhe pedido permissão o embate teve início.
Charlotte só estava preocupada e Louis, bem, Louis não era lá de muita confiança. Em diversos momentos ao longo do dia, o Sr. Tomlinson convocou Liam e eu para que fizéssemos suas malas e providenciássemos os arranjos para sua viagem. Lottie vinha logo atrás ameaçando cortar nossas cabeças se déssemos ouvidos aquele insano, segundo suas palavras. A história se arrastou por tanto tempo que Payne achou melhor telefonar para a doutora Rexha, que em menos de uma hora junto aos dois colocou fim à discussão.
Lottie encontrou Liam e eu jogando xadrez na sala de estar. Assim que a vimos ficamos de pé.
— Senhor Payne, por favor, providencie as passagens e hospedagem para vocês. — Liam assentiu, saindo prontamente para cumprir com suas obrigações — Harry, por favor, faça uma mala para Louis. Deve ser pequena, ele me disse que volta ainda hoje de Paris. Pegue as roupas em seu segundo quarto no terceiro andar e o ajude a se vestir. — Assinto, caminhando em direção às escadas. Charlotte pigarreia e eu interrompo o passo — Eu peço que por favor, fique de olho nele.
— Sim, senhorita.
— Obrigada, querido.
Encaro seus olhos azuis, repletos de bondade e preocupação, pobre Charlotte, tão inocente, sem conhecer as pessoas que a cercam. Eu sou um criminoso que estou ajudando seu irmão tão amado a acabar com a própria vida.
Engolindo qualquer impulso desenfreado de dizer ou agir de modo impensado, subo as escadas em direção ao terceiro andar. Duas horas depois Liam me informa que tudo está certo e que o voo está marcado para daqui à meia hora. Ele diz que irá esperar no quarto e pede que eu chame o Sr. Tomlinson. Desta forma, aqui me encontro batendo pela quarta vez na porta de seu quarto sem receber uma resposta.
Estou quase, quase preocupado quando ela é aberta e para a minha surpresa uma senhorita Rexha abotoando os botões de sua camisa é quem me recepciona.
— Oh, é você, querido! Achei que fosse aquela mal amada da Sarah. Entre, por favor, já estou de saída. — Bebe vai para o lado, me dando passagem e meio hesitante eu me coloco para dentro do quarto, varrendo o lugar com os olhos e não encontrando o Sr. Tomlinson. Embora estivesse mais preocupado em analisar friamente cada centímetro cúbico do cômodo, eu só estive no quarto de Louis uma única vez, ainda em meu primeiro dia. Ele costumava acordar mais cedo do que eu, Lottie ou Sarah o auxiliavam nas primeiras tarefas do dia e costumávamos nos encontrar apenas no café da manhã, por isso fiquei tão absorto no quão belo aquele lugar era. Digno da realeza. O piso era mais escuro do que o do restante da casa, haviam cortinas pesadas nas janelas, poltronas, sofá e incontáveis almofadas, todas em carmesim com as bordas douradas, também presente em seus móveis com um brilho genuíno como se fossem feitos inteiramente de ouro. Sua cama era imensa, grande demais para um homem sozinho, com suas cortinas amarradas no dossel, a colcha vermelha-escura com suas franjas douradas estava puxada para o fim da cama, os travesseiros e fronhas amassados e a camisa que eu jurava ter visto Louis usando pela manhã jogada no chão. Voltei para Bebe, o rosto corado e os cabelos desgrenhados enquanto terminava de calçar seus sapatos e apanhar a maleta em cima da cômoda.
— O Sr. Tomlinson está aqui? — Pergunto, caminhando até a peça de roupa e a recolhendo.
— Sim, sim, está no banheiro. Bom, preciso ir, tenham uma boa viagem. — Ela se despede, mas eu não faço questão de retribuir. Ouço seus saltos ecoando no assoalho e volto os olhos para o tecido em minhas mãos, tão fino e macio e ultimamente devo estar sendo movido pelos irracionais hormônios da gravidez, pois somente isso poderia explicar que eu estivesse fechando os olhos e inalando o perfume de Louis. Tão forte e caro que me faz prender a respiração apenas para que eu possa apreciar por mais tempo. A porta do banheiro é arrastada e eu enfio a camisa no bolso interno do meu sobretudo.
Louis está de bom humor, cantarolando alegremente, enquanto ajeita a gravata vinho. Ele está incrível. Usando um de seus ternos feito sob medida que só ressaltam as formas magníficas de seu corpo, o tecido escuro se contrapõe a gola e o punho da camisa branca que são as únicas partes expostas, um único botão do blazer está preso, o que só o deixa ainda mais acinturado. Seus cabelos foram arrumados em um topete desleixado por ainda estar muito grande, mas isso o deixa com um aspecto tão rústico e selvagem como se ele tivesse acabado de transar o que é bem provável visto o estado de Bebe, da cama e o chupão no alto do pescoço.
— Sr. Tomlinson, o carro já está pronto. — Digo, profissionalmente. Esta é a última viagem de Louis e eu não quero aborrecê-lo, acredito já ter feito demais para alguém que trabalha com ele há apenas alguns dias.
— Bleta já foi? — Louis continua a mexer na gravata.
— Já sim, senhor.
— Ah. — Coloco os braços atrás das costas e me balanço de um lado para o outro, esperando obedientemente que ele diga que podemos ir. Mas ao invés disso ele continua a mexer na gravata parecendo incomodado.
— Algum problema?
— Está gravata, acho que Bebe a prendeu com muita força e eu não consigo desfazer o nó. Estou sufocando. Desse jeito vou morrer mais cedo do que pretendo. — Ele riu com seu humor negro e eu dei um sorrisinho amarelo, me aproximando e afastando seus dedos para desfazer o nó firme da gravata. Estava concentrado, mas minha mente não deixava de imaginar a cena que há poucos minutos acontecera neste quarto, Louis e Bebe nus e enroscados naquela cama, seus gemidos altos e o seus corpos cobertos de suor. Provavelmente teriam tomado banho de banheira e tido algumas rapidinhas até que ela o vestisse, com certeza foi um processo demorado repleto de mãos bobas e beijos roubados — Agora você está me enforcando. — A mão de Louis agarrou a minha e eu rapidamente me atentei ao fato de ter me perdido no meu subconsciente.
— Desculpe. Eu me distraí. — Falo, continuando minha tarefa.
— Percebi. — Murmura, com os olhos vagando para algum lugar acima do meu ombro até que seu nariz se franze — Que cheiro é esse?
— Que cheiro?
— Esse.
Olho ao redor, inalando profundamente incapaz de detectar qualquer cheiro diferente.
— Não, senhor.
— Deus, Harry. Seus sentidos são um grande porcaria, ele é fraquinho, mas é tão... — Louis dá um passo à frente, tentando capturar o tal perfume, mas de repente seu rosto está se enterrando em meus cabelos e eu fico em choque —, gostoso. — Completa. O couro de sua luva raspa pelo tecido do meu casaco ao agarrar minha cintura, num aperto firme que me puxa de encontro ao seu corpo. Eu me atrapalho com as mãos, as espalmando em seu peito.
— O-o que você...?
— Que colônia é esta? — O pequeno nariz de Louis se esfrega nos cachos próximos a minha orelha e começa a deslizar para baixo, pela minha bochecha, até a curva do meu maxilar e eu não faço a menor ideia do que está acontecendo.
E é quando eu me arrependo de não ter feito nenhuma pergunta ou entender de sintomas gestacionais para discernir se o tremor em minhas mãos e o aumento da minha pulsação fazem parte dela ou eu estou apenas sendo hipersensível com a proximidade de um homem bonito que no caso é um puta carrasco.
Há o silêncio, com apenas nossas respirações pairando. Eu não me movo, apenas registro meus dígitos sendo pressionados contra o tecido macio de seu terno, a mão em minha cintura, me prendendo a si com tanta propriedade que é dificultoso não deixar minha mente vagar por lugares sombrios repleto de nudez e gemidos nada controlados. Os olhos do Sr. Tomlinson estão fechados quando ele se aproxima mais um pouco e sinto sua bochecha se colando a minha, a barba arranhando minha pele.
Oh. Meu. Deus.
Eu vou ter um orgasmo só com isso.
— Eu não passei nenhum ainda. — Consigo encontrar as palavras depois do que pareceu uma eternidade.
— É o seu cheiro natural? — Sua voz dia baixa e rouca, diretamente no meu ouvido e eu suspiro baixinho.
— Sim...
— Incrível. — Murmura, afrouxando o aperto em minha cintura até afastar por completo a mão — É tão fresco, suave e doce. Você cheira a juventude, inocência, luxúria e... Uma pitada de covardia. — Dou um passo para trás, ofendido e Louis solta uma risada escandalosa que me assusta num primeiro instante.
— O carro já está pronto. Não fique me cheirando, parece um cão. — Resmungo, oferecendo meu braço com extrema má vontade para ele. Ainda gargalhando o segura e permite que eu guie para fora do quarto.
— Primeiramente não deveria se sentir aborrecido. Ser covarde não é necessariamente uma coisa ruim, Harry, é sabedoria, colocar a sua segurança como prioridade. Os corajosos morrem cedo ou perdem coisas insubstituíveis. — Engulo em seco, quando chegamos as escadas Louis segura no corrimão com a outra mão, ele não confia muito na minha habilidade de me manter em pé desde o dia em que eu tropecei e quase levei nós dois ao chão — Segundo, eu não sou um cachorro, seu malcriado. — Louis para, um sorrisinho perverso surgindo em seus lábios rosados — Você nem imagina de onde vem todo o meu dinheiro?
— Bem, herança de família não parece ser o caso. Muita gente foi à falência com a guerra. — Digo, realmente percebendo que não faço ideia de como Louis Tomlinson pode ter ficado tão rico. Seu pai era boticário, farmacêuticos não costumam ter dinheiro e ele é cego, não poderia fazer fortuna por si só, Lottie também não parecia dotada de nenhum talento que a levasse ao topo, sendo assim não imagino como tudo isso se deu.
— Já ouviu falar de Addolorata?
— Claro. É uma marca bem famosa, a minha mãe tem um perfume caríssimo deles. — Comento, ainda confuso sobre aonde ele quer chegar.
— Sim, às vezes Charlotte valoriza demais a mercadoria, mas todos continuam comprando, então não vejo mal nenhum nisso. — Louis volta a andar.
— Está me dizendo que aquela loja luxuosa com maçanetas de diamantes que te oferecem champanhe é sua?
— Sim, bem, 75% é minha. Eu fabrico os perfumes e Lottie é quem desenha as jóias.
— Você faz perfumes? — Meu queixo cai, quando ele assente orgulhoso de si mesmo.
— Faço, e são os melhores de toda a Europa. — Ele garante — É claro que não o produzo, apenas crio a fórmula, a essência entende. Costumava vir do nada, mas às vezes eu consigo inspiração, como foi o caso do meu primeiro perfume, ainda quando nem imaginávamos que poderia haver uma segunda guerra. Eu era criança quando recriei o perfume natural da minha irmã, quando a guerra acabou e não havia dinheiro para pagar as despesas do hospital, Charlotte teve a ideia de vender o perfume, por um preço absurdo. Eu lhe dei a fórmula e ela começou a fazê-lo, e acabou nos enriquecendo. Clare leu em alguma revista esses dias que Felicité é o perfume mais vendido do mundo.
— Isso é impressionante. — Murmuro, abrindo a porta. Liam caminha até nós e ajuda Louis a descer a escadaria. Entro no carro e Louis, logo se senta ao meu lado no banco traseiro — Quem sabe um dia faça um perfume pra mim.
— Quem sabe. — Louis murmura e eu sei que não acontecerá.
Xx
Não demora muito até que eu perceba que os planos de Deus não são tão misteriosos como o padre costumava dizer durante as missas. Na verdade seu plano é bem claro e óbvio, em 24 de dezembro de 1925, Louis William Tomlinson nasceu em Doncaster, aos doze anos se mudou para Paris onde viveu com a família até entrar para o exército, e enquanto ele estava se casando com uma jovem francesa bem longe dali, Anne Styles dava à luz ao seu único filho, Harry Edward Styles, no caso eu, nascido em 01 de fevereiro de 1942, na cidade de Holmes Chapel, levando uma vida segura e pacata. Veja bem, houve uma diferença de anos, não de um ou dois mas de dezesseis. Dezesseis anos! Nossas vidas não tinham nada em comum, nem ao menos éramos vizinhos ou tínhamos um conhecido em comum. É óbvio que Deus não queria que nós cruzássemos o caminho um do outro nunca. Estava escrito em algum livro sagrado que Louis Tomlinson jamais iria se encontrar com Harry Styles, sabe o porquê disso? Porque seria o início do Armagedom.
Mas como não respeitamos este mandamento divino, o fim teve início, bem aqui. Em um grande e suntuoso ateliê de um alfaiate consagrado em toda Paris, localizado em um bairro boêmio chamado Montmartre. Depois de uma viagem de uma hora e meia de avião onde Louis fez birra pra sentar na janela — o que eu achei muito errado, já que eu nunca viajei e queria sentar na janela. Fala sério, ele é cego! — dormiu e babou no meu ombro todo, e Liam teve a infelicidade de perguntar sobre aquela mancha no meu casaco o que levou Louis a acreditar que estava na companhia de um maltrapilho e que em suas sábias palavras não iria ficar andando com um mendigo por aí, pois não era dado a caridade, acabamos neste lugar.
Mas é preciso ressaltar os principais pontos que nos levaram à situação de nervos exaltados.
1 — Louis decidiu esta viagem de uma hora pra outra.
2 — Ele não perguntou se eu queria ou não ir.
3 — Desde que chegamos ele disse para todas as pessoas que eu sou um boneco inflável falante que ele encomendou da Normandia e todos riem como se fosse hilário.
4 — Ainda não sei aonde vamos.
5 — E ele está escolhendo o meu terno.
Louis anda de um lado para o outro, esvaziando uma garrafa de conhaque sozinho e mandando que o Monsieur Leblanc, como é o nome do alfaiate cheio de pompa "Pegue aquele terno com estampas disso ou daquilo". Ele sai chutando, mas infelizmente, o homem tem tudo o que ele diz e me dá pra vestir.
Liam é poupado de todo o estorvo podendo fumar um charuto na companhia de um outro cavalheiro que espera por ajustes em seu paletó. Ele não concorda com o que Louis faz, mas não é como se pudesse intervir.
— Oh, pardon, mas acho que não terei um número maior que este. — Leblanc diz ao tentar subir o cós da calça que mesmo com os botões abertos parece em tempo de estourar, elas se agarram demais em áreas que é melhor não ter tão em evidência.
— Mesmo? — Louis bate sua bengala no chão, chegando até nós. Apenas quando vai a lugares desconhecidos ele a usa — Não imaginava que sua bunda fosse tão grande, girafinha. — E ele a acerta diretamente na minha bunda. Dou um salto irritado e a seguro — Hey.
— Chega disso, Tomlinson. — Resmungo.
— Solta. — Louis puxa a outra extremidade, juntando as sobrancelhas e franzindo o nariz no que eu acredito ser a sua cara ameaçadora, mas ele fica mais parecido com um gatinho bravo.
— Não. — Reluto, ainda segurando sua bengala em uma espécie de cabo de guerra — Eu quero ir embora daqui. Eu quero conhecer Paris, ver a torre Eiffel.
— É só um metal gigante e pontudo, não tem nada de especial. E além disso eu não sou seu pai, isso aqui não é um passeio em família. Eu vim pra me divertir.
— Sua diversão é muito chata. — Digo, com a voz manhosa e Louis se aproveita do meu momento garoto mimado para dar um puxão forte o bastante para recuperar sua bengala.
— Ainda não começou, idiota. Que saco! Leblanc, arranje algumas cortinas pra fazer um par de calças que sirva nessa baleia. — Tomlinson se vira e meus olhos se estreitam no seu ponto fraco.
— Falou o cara com as melancias dentro da calça. — Automaticamente o clima do ambiente muda, Liam e o homem param de tagarelar, o alfaiate deixa o queixo cair e Louis se vira, lenta e perigosamente — Isso mesmo, estou falando da sua bunda.
— Ah não! — Payne geme.
— Mon Dieu! — Leblanc exclama, dramaticamente colocando a mão em frente a boca.
— Como você se atreve a abrir essa boca suja pra falar da minha bunda?
— Oh, desculpe? É necessário o uso de algum título, como Lady Bunda, ou Mademoiselle Bunda, algo assim?
— Liam, pegue a minha pistola. — Louis grita com a sua voz aguda.
— Bem, foi o Styles quem arrumou a sua mala, acredito que ele não tenha colocado ela.
— Tudo bem. Eu posso fazer isso com as minhas próprias mãos.
Louis marcha até mim e provamos que nossa idade mental está na margem dos 3 aos 5 anos de idade quando eu começo a andar tentando despista-lo e Louis acerta a maldita bengala na cara de todo mundo tentando me achar. Até que ele se cansa e promete mandar pôr fogo na minha casa em Holmes Chapel. Em um dado momento, como era de se esperar, a minha calça minúscula — que era de forma pequena e não que eu tenha engordado tão rapidamente — fez um rasgo enorme na coxa e resolvemos por um ponto final na discussão. Eu terminava de dar o nó em minha gravata em frente ao espelho quando Louis parou ao meu lado.
— Já esteve no Moulin Rouge?
Olho de canto para ele. Louis tem os olhos baixos e desfocados como de costume.
— Não, eu nunca estive em Paris antes.
— Eu gosto do Moulin Rouge. — Ele diz com um pequeno sorriso se formando — Estive lá há anos, quando vivia em Paris. Não que eu queira "ver" algo, só gostaria de colocar meus pés lá uma última vez. — O sorriso cresce até que eu possa vê—lo, pela primeira vez chegar aos seus olhos que se apertam e pequenas ruguinhas surgem por seu sorriso sincero e verdadeiro — Aspirar o perfume do bordel, das mulheres. Foi lá que eu tive a minha primeira vez, com uma francesa de curvas voluptuosas que gemia "Je t'aime, Loueh". Como era bom ter quinze anos, contemplar a paz, ver as coisas. A vida era boa e eu não sabia.
Me sinto mal por não conseguir assimilar tudo isso. Eu tenho dezesseis anos, nunca perdi ninguém ou estive em uma guerra, mas eu não consigo estar feliz ou satisfeito com a minha vida. Na grande parte do dia eu me sinto mal, me sinto um ingrato e egoísta por não estar dando piruetas de alegria por ter havido homens como Louis que se sacrificaram para manter a paz que temos hoje. Por isso prefiro desconversar.
— Incrível como falar de prostitutas te deixa reflexivo. — Falo com a voz esnobe o fazendo bufar exasperado.
— Cortesãs, Harry. Prostituta não, respeite as senhoras.
— Senhores, estão magnique! — Lablanc bate palminhas atrás de nós e eu encaro nossos reflexos, Louis não pode ver, mas eu faço questão de sussurrar que ele está divino.
Quando Liam estaciona em frente ao cabaré tradicional na 82 Boulevard de Clichy, eu sei que adentrei um novo mundo, até então desconhecido para mim. São pessoas indo e vindo de toda parte, homens com trajes elegantes e mulheres com vestidos longos e brilhantes que se arrastam pelo tapete vermelho na entrada. Há grandes letreiros brilhando o nome Moulin Rouge em vermelho e azul, com direito a um moinho de vento e é tudo tão brilhante e elegante. Eu me sinto em algum filme dos anos vintes. Liam abre a porta e Louis é o primeiro a sair, quando eu desço do carro sua mão já se agarra ao meu braço. Ele tem um pouco de implicância com seus olhos perdidos e por isso decide usar óculos escuros, quando Liam volta ao carro com a informação de que irá ficar à nossa espera o Sr. Tomlinson e eu damos o primeiro passo em direção ao cabaré mundialmente conhecido e as luzes burlescas caem sob sua pele, iluminando seu rosto de bronze e os cabelos que brilham feito ouro. Estou me perdendo em sua beleza quando uma garotinha de expressivos olhos castanhos me entrega uma camélia, ela segue saltitante fazendo o mesmo com os outros ali presentes. Talvez seja cortesia do bordel.
Estou quase a colocando no bolso quando percebo que já há uma. Porém, vejo que o de Louis está vazio, quebro parte de seu cabo e o enterro no bolso do terno de Louis que percebe a movimentação e vira—se para mim, quando puxo a mão de volta sinto uma leve ardência no dedo e algumas gotículas de sangue pingam do corte que fora feito por um espinho.
— Ai. — Grunho com a dorzinha incômoda.
— O que houve? — Louis indaga, tateando o próprio bolso e sentindo a flor ali — Oh, cortou o dedo, não foi? Que girafinha atrapalhada!
— Não me chame de girafinha. — Resmungo, olhando para os lados, tem gente demais aqui. Eles nos olham com curiosidade e estou quase tentando bancar o machão quando sou surpreendido por um toque ligeiro em meu pulso e a ponta do meu dedo está desaparecendo entre os lábios de Louis — Você enlouqueceu? — Recolho a mão com brutalidade e uma ruga surge entre suas sobrancelhas.
— Que foi? Eu só estava estancado o sangramento.
— Não importa, você estava chupando o meu dedo na frente de um monte de gente.
— E daí? Isso importa?
— É claro que importa, Tomlinson, se eles suspeitarem.... — Mordo os lábios quase em pânico por estar entre tantas pessoas que podem estar desconfiando de mim. Se eles soubessem eu estaria condenado.
— Eu quero que eles se fodam. Não deveria ficar com medo de tudo e todos aonde for. As pessoas vão pensar o que elas quiserem pensar, você não tem controle sobre isso. Agora para de ser esse bebê chorão de terno engomadinho.
Reviro os olhos, ainda com medo que alguém pense que somos um casal quando deixo que sua mão se firme em meu antebraço.
— Ah, e não podemos esquecer da gravata borboleta. — Louis ri sozinho, balançando a cabeça — Tão ridículo.
— Não, eu não sou ridículo.
— Ridículo é deixar de fazer o que quer com medo da opinião dos outros. E além do mais é melhor ser ridículo do que ser cego.
— Você coloca a sua cegueira em qualquer conversa.
— Fazer o que?! Esse é o meu lance, quando fiquei cego, me tornei o cara cego.
— Você é mais do que isso. — Falo, chegando à porta de entrada.
— Costumava ser. Há treze anos atrás.
Moulin Rouge é imenso, não do tipo que cabem multidões ou milhares, mas do tipo grande como um teatro, com um extenso palco com piso negro, mesas pequenas com toalhas brancas e abajures vermelhos. Há camarotes mais acima e o teto é revestido pelo que parece ser lona de circo, a luz é escassa e baixa, em tons de vermelho. Louis reservou uma mesa bem próxima ao palco, desta forma ele pode soltar a fumaça de seu charuto cubano diretamente na boca de algumas dançarinas que magicamente se jogam para ele. Interessante que as mesas ao nosso redor estão ocupadas, mas para elas só existe Louis Tomlinson, o que faz com que eu e o meu suco de morango fiquemos sobrando.
— Cici Fontaine. — Louis dita o nome que quer que eu anote no guardanapo que ele me deu mais cedo, ainda não sei quais são seus planos pra isso — E aquela, ahh, Sasha, isso! Ela também.
— A garota sem seios?
— Essa mesmo. Eu a conheci quando ainda era Sebastian. — Oh, okay, então. Anoto os nomes e o garçom se aproxima com uma bandeja repleta de diferentes drinques — Harry, o que vai querer?
— Oh, bem. Suco.
— Suco? A noite inteira? — Louis reclama, fechando a cara e provavelmente achando que estou sendo entediante. Desde que pegamos o voo para Paris, Louis não tem parado de beber, então é de se esperar que ele esteja bêbado e esquecido de algumas informações importantes.
— Vou ficar com o vinho. — Digo rapidamente, ganhando um sorriso de aprovação de sua parte e pego outra taça pra ele.
Um novo show está prestes a começar. Moças altas e usando fantasias que consistem em calcinhas e sutiãs prateados com penas saindo pra todo lado, principalmente das grandes coroas em suas cabeças. Uma ruiva bagunça meus cabelos ao passar por mim e outra esconde o rosto no pescoço de Louis, não sei ao certo o que ela faz, mas é o bastante para fazê-lo gemer, lamber os lábios e mandar que eu anote seu nome.
— Parece que você terá uma noite bem agitada.
— É a última, eu só quero me divertir um pouco. — Ele responde. Com o relógio marcando dez e meia eu despejo algumas gotas da sua Potion de Miséricorde em seu copo e ele o vira alegremente, falta apenas uma última dose para amanhã cedo — Aposto que antes do pequeno aí você se divertia bastante.
Minhas bochechas coram e eu me remexo desconfortável em meu assento. Acho que eu acabei me divertindo além da conta. O Sr. Tomlinson percebe meu desconforto e passa o braço por meu ombro, num meio abraço camarada.
— Desculpe, criança, mas eu tenho menos de um dia de vida. Não há tempo para todos os trâmites das relações sociais. Vou falar na lata mesmo. — Sob o efeito de álcool o sotaque de Doncaster vem com tudo, misturado com a fala bêbada é quase incompreensível.
— Você disse isso tão rápido.
— Eu não disse rápido, você é quem fala devagar, pensa devagar, se move devagar, acho que você é uma nova espécie de lesma. — Seu rosto está próximo ao meu e posso sentir seu hálito batendo contra minha bochecha.
— Ainda falta um dia pra você morrer?! — Choramingo, fingindo estar desapontado.
— Você vai ter que me engolir. — Louis cantarola, me pedindo um novo charuto quando o show de cancan começa.
Xx
— Voulez-vous couché avec moi, ce soir ? — Louis repetia com uma mistura de francês e aquela língua desconhecida que falam em Doncaster. Seus cabelos estavam apontando para todo lado, os óculos caindo pela ponte do nariz, o rosto vermelho e brilhante.
Em algum momento da noite ele havia tirado o paletó e a gravata, as mangas de sua camisa estavam arregaçadas e um lado dos suspensórios solto. Quando estavam prestes a dar início a mais um show, Louis declarou estar entediado e me chamou para o bar. Nos sentamos nas cadeiras estofadas e ele insistiu para que eu bebesse mais uma taça de vinho, seguida de outra e mais outra, até que eu me encontrasse ligeiramente bêbado com a gravata pendendo em meu pescoço e sorrindo bobo tentando imitá-lo.
— Vulevuvuco...
— Não, bebê, você tá falando errado! — Ele grunhe batendo o copo no balcão e me puxando pela gravata — Repete comigo, voulez...
— Vouvou — Imito seu biquinho, errando mais uma vez apenas para que ele repita. Estamos tão inclinados nos bancos que mais cedo ou mais tarde vamos cair ou nos beijar, mas não é como se nos importássemos.
— Fala direito. — Ele pede como se estivesse prestes a chorar.
— Eu não consigo. — Devolvo também choroso e o barman nos olha com as sobrancelhas arqueadas nos achado as criaturas mais ridículas da face da terra — Além disso eu não pretendo dormir com ninguém hoje.
— Porque não? O mal já foi feito. — Louis brinca, dando um tapinha na minha barriga.
— Ouch, não bate no bebê.
— Eu bato em quem eu quiser. — Louis engrossa a voz, me dando um peteleco na testa. Arregalo os olhos, horrorizado.
— Não no meu bebê! — Abraço a barriga e ele dá outro tapinha, atingindo abaixo do meu umbigo — Cretino! — Levanto, beliscando seu braço. Surpreso ele grita e também se levanta devolvendo o beliscão — Para.
— Não, para você.
— Não enquanto não pedir perdão pro bebê.
— Eu não vou pedir perdão pra Girafa Jr.
— Será que vocês vão querer um quarto? — O barman se apoia no balcão cruzando os braços.
— Claro que não! — Digo, ofendido. O homem dá de ombros indo atender outros clientes. Continuamos nos atracando até que ele consiga me prender entre seu corpo e o balcão, suas mãos beliscando meus quadris e eu o estapeando.
— Viu ele pensou que você queria transar comigo.
— Eu jamais transaria com você. — Faço bico, me remexendo ao tentar escapar.
— Esqueci que você está acostumado com os caipiras de Holmes. — Não perde a oportunidade de destilar seu veneno básico — Harry, só entre nós, quantos foram?
— Eu não vou te dizer isso.
— Amanhã eu estarei morto, seu segredo está seguro comigo. — Seus dedos se arrastam pela minha camisa, acariciando minha cintura — Se você me disser eu te digo o meu.
— Já esteve com homens? — Pergunto baixinho, sentindo minha respiração engatar com seu rosto cada vez mais próximo do meu e seus dedos puxando meus cabelos para trás.
— Oh, sim. Já houveram alguns.
Sinto meus dedos formigarem para tocá-lo. Estou tão bêbado pelo seu perfume, pela sua presença, sua voz que nem me dou conta de que estamos em público.
— Louis... — Murmuro com medo.
— Esse lugar é livre da legislação ignorante do nosso país. Aqui nós somos livres pra ser quem somos. — Sussurra ele, esfregando o nariz no meu, quando seus lábios se rompem para liberar uma lufada de ar seu lábio inferior toca o meu e eu o quero tanto — O número.
Fecho meus olhos, me deixando levar pelo som da voz da cantora francesa que entoa uma música lenta com uma melodia sensual que me faz mover meus quadris ainda tendo as mãos de Louis neles. Minhas mãos sobem por seu tronco, sentindo os músculos firmes e agarrando os suspensórios o puxando para mim.
— Harry. — Seu aperto fica mais forte e eu ofego. Meu corpo em combustão, o tesão alcançando o ponto mais profundo dentro de mim e eu quero, preciso de alguém e Louis parece a pessoa perfeita — Quantos foram?
— Seis. — Gemo quando sua língua lambe meu lábio — Zayn, o pai do bebê, foi o único com quem eu não usei proteção.
— Burro!
— Apaixonado, eu sou apaixonado por ele. — Confesso, admitindo aquilo pela primeira vez e no pior momento possível. As mãos de Louis ainda não se afastaram, mas elas não mais se movem, então ouvimos uma voz alegre com um forte sotaque australiano.
— Lou, querido! — Um homem alto e loiro se joga ao nosso lado. Roupas escuras e agarradas, um chapéu no topo de sua cabeça e ele ostenta um largo sorriso de covinhas.
Ele não parece constrangido ou afetado pela posição, digamos íntima na qual Louis e eu nos encontramos, prensados com as mãos um no outro.
— Ash! — Louis abre um sorriso tão grande quanto o do outro, me soltando para cair nos braços do desconhecido que o aperta com força — Que saudades, meu amor! Você sumiu de Londres.
— Pois é, estou em Paris por enquanto. Também senti muita, muita, muita saudades.
— Não minta pra mim.
— Pra você eu nunca minto. — Seus dedos puxam o suspensório de Louis.
— Sei. — Ele dá de ombros e Ashton logo está o alisando. Reviro os olhos furiosamente com a ceninha desnecessária que se desenrola na minha frente. Não demora até que Louis entregue uma chave de um quarto reservado na área privada do bordel e diga que ele e as garotas da lista irão se divertir um pouco — Vê se transa com alguém, girafinha. — É o seu último conselho antes de sumir sendo carregado pelos outros quatro.
Eu tento seguir seu "conselho" um garoto, outro bailarino como Ashton se aproxima de mim e é fascinante como ninguém te xinga ou chama a polícia ao ver dois garotos sendo próximos. Tristan, é um americano com um sorriso bonito e cabelos louros e revoltos, bebemos juntos e tagarelamos coisas sem sentido até que eu quisesse ir para o quarto. Cambaleei caçando as chaves dentro do bolso, Tristan estava atrás de mim beijando meu pescoço e apertando minha bunda.
Diferente dos garotos de Holmes Chapel ele quis me beijar, mas eu não quis. Era o meu primeiro beijo, gostaria que tivesse algum sentido.
— Deus, você é tão lindo. — Suspira com sua voz grave batendo contra meu pescoço quando caímos na cama, tiro o seu chapéu o colocando na minha cabeça e sorrindo torto.
— Eu sou? — Pergunto sabendo que meus cachos esparramados no colchão e as luzes vermelhas refletindo no meu rosto colaboram bastante para que a resposta seja positiva.
— Muito. Tão gostoso. — Tristan desce pelo meu corpo levantando minha camisa e beijando minha barriga. Prendo a respiração, incomodado por ter alguém tocando. Empurro seus ombros e ele entende como se eu quisesse que ele descesse mais. Enquanto eu encaro as luzes piscando no teto, ele se livra das minhas calças e cueca e me puxa até que meu corpo esteja do quadril pra cima na cama e as pernas dobradas em seus ombros. Ele se ajoelha na beirada da cama, beijando minhas coxas — Oh, Harry... — Pode ser fruto da minha imaginação, mas eu escuto a voz de Louis, dizendo meu nome como fizera mais cedo quando estávamos no bar.
Louis.
Não, esqueça—o. Eu estou excitado. A gravidez deve ter aumentado minha libido, não tem nada haver com Louis. Eu só preciso de um cara gostoso como Tristan me fodendo bem forte, é disso que eu preciso ou talvez eu precise de...
A língua do garoto está tocando meu períneo quando eu minto estar enjoado por toda a bebida e a menção de alguém podendo vomitar no mesmo recinto que ele o faz educadamente se retirar. Em menos de um minuto estou andando na ponta dos pés até o quarto no fim do corredor, onde sei que Louis está. Eu só preciso me certificar de que ele está bem.
Abro a porta dando de cara com três corpos nus entrelaçados na cama de casal. Todos avermelhados e suados, evito prestar atenção neles, procurando por Louis e eu o encontro. O som do chuveiro me leva até o banheiro, a porta está aberta e o box ensopado, entre alguns flashes de luz eu consigo enxergá-los.
Louis está nu, em toda a sua glória, com seu corpo deliciosamente molhado a boca aberta gemendo abertamente e seus quadris se movendo frenéticos, o que estraga a cena é que o tal Ashton está na frente dele, as costas grudadas ao seu peito, o corpo grande e pálido se impulsionando para trás, soltando gemidos chatos e irritantes, a cabeça deitada no ombro de Louis e bem, eles estão fudendo no chuveiro e o meu castigo por mentir vem de imediato. Eu corro de volta para o meu quarto despejando todo o álcool que não deveria ter ingerido na privada. Horas mais tarde eu ainda estou acordado, cheirando a sabonete de morango usando apenas minha camiseta.
Sem pensar muito, pego o telefone na cabeceira e me deito na cama, discando o número e ouvindo chamar.
— Alô. — Zayn diz do outro lado da linha.
— Estou com saudade! — Soluço, sentindo as lágrimas molhando meu rosto.
Zayn conta que Niall disse que eu havia conseguido uma bolsa em Eton e que não tive tempo de me despedir. Ele também sentia minha falta e eu queria contar a ele que estava esperando um filho, o nosso filho. Queria perguntar se ele me amava, se ficaria comigo, se o que eu estava fazendo com Louis era certo ou errado. Eu só precisava ter alguém comigo, alguém que me dissesse o que fazer, eu não consigo, não funciono sozinho.
— Eu não queria estar longe de você. — Sussurro apertando o telefone contra a orelha.
— Mas é uma coisa boa, não? É um ótimo colégio, estou tão orgulhoso de você, boneca.
Eu não consigo sentir mágoa pela Perrie, eu só sinto carência.
— Zayn...
— Sim, baby?
— Canta pra mim.
Ouço seu suspiro e uma certa movimentação, imagino ele agarrando o telefone e fugindo com ele para debaixo da escada, onde seus pais não poderiam ouvi-lo caso passassem pela sala.
— Se lembra daquele filme do Elvis que assistimos no Drive-in mês passado? — Oh, claro. Acho que eu descobri em que momento este bebê foi concebido. Foi uma ótima transa, a propósito.
— Sim, eu lembro.
— Posso cantar a música do final pra você? — Sorrio ao me lembrar dela e concordo — Okay. — Zayn limpa a garganta, deixando que o silêncio paire entre nós. Eu prendo a respiração como uma forma de perpetuá-lo até que a mais bela e deliciosa voz invada os meus ouvidos e Young And Beautiful se torna uma obra de arte saindo por entre seus lábios.
— Then you'll be forever young and beautiful...
Minhas lágrimas molham o meu sorriso quando eu o acompanho no último verso.
— To me.
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