20 • | ?
"E nossa história não estará pelo avesso assim, sem final feliz. Teremos coisas bonitas pra contar."
.....
- Eu posso segurar a sua mão? - Sussurro baixinho, com medo que mais alguém possa ouvir.
- Está com medo, querido? - Mamãe baixa os olhos para mim, com um meio sorriso enquanto o vento bagunça seus cabelos castanhos.
- Não, bem, talvez um pouco... ou muito.
- Por quê?
- E se eles não gostarem de mim?
- É claro que irão gostar de você, Harry.
- Não sei, a Gem disse que não é fácil no primeiro dia de escola. Eu tenho medo de não gostarem de mim e me excluírem. Quero que gostem de mim.
- Eles vão, meu bebê. - Ela interrompe o passo, para se abaixar ficando na minha altura e bagunçando meus cabelos.
- Não quero ficar abandonado.
Abandonado. Quando você se apaixona esse é o tipo de coisa que não passa pela sua cabeça. Quando você está apaixonado tudo o que passa pela sua cabeça são beijos, carícias e toda aquela porcaria romântica que te deixa cego para qualquer tipo de rejeição, até o dia em que ela vem, de modo inesperado, mas vem. Entretanto, mesmo depois de ter sido praticamente arrastado porta a fora eu alimentava uma vaga esperança de que ele pudesse voltar atrás, parte de mim acreditava que Louis era tão dependente de mim, quanto eu era dele.
Contudo já não estávamos em Londres. A placa de bem vindo à Holmes Chapel já havia ficado para trás e era tudo uma grande merda. Através dos vidros que eu tanto esmurrara horas atrás me era permitido contemplar a cidade onde eu nasci. O prédio imponente e classudo onde eu estudara por anos, o parquinho que vinha com minha irmã brincar em dias de sol, a fachada colorida do Miller Milk, repleta de adolescentes bebendo milk-shake e ouvindo soul. Mais a frente o letreiro apagado do Billy's, me fazendo lembrar dos dias em que eu descia a rua pedalando o mais rápido que podia para voltar antes do fim da missa. Aquilo parece ter sido há décadas, quando não tem nem um ano ainda.
- Estamos chegando, bebê. - Mamãe sussurra, continuando a acariciar meus cabelos, tentando me manter calmo desde que eu acordei. Sinto um soluço subindo pela garganta, mas tento evita-lo, não tenho mais forças para chorar.
Sinto um ligeiro desconforto no pé da barriga e suspiro, quase melancólico, quando passamos em frente ao espaço aberto onde todo domingo havia uma grande tela branca que nós chamávamos de drive-in.
- Hey boneca! - Zayn lança mais uma pipoca em minha direção, que acerta minha bochecha e só me faz aumentar a carranca - Assiste o filme, tá legal.
- Não quero assistir merda nenhuma. - Bufo apertando os braços com mais força contra o peito.
- Eu não entendo qual é a sua, você que insistiu pra sair comigo.
Minha carranca se desmancha para adotar uma expressão alarmada ao que eu me viro para poder encara-lo propriamente. Os cabelos negros bagunçados e aquele maldito rosto perfeito, me atrapalhando em me manter bravo. Ele precisava mesmo estar vestindo sua jaqueta de couro? Desnecessário.
- Não, eu insisti em um encontro.
- Isso é um encontro. - Ele rebate, como se realmente acreditasse nisso. Qual é o problema de Zayn? Francamente...
- Não! Nem fudendo, isso... - Indico tudo ao nosso redor, os carros amontoados que faziam o ar feder a fumaça e gasolina velha, cheio de pessoas solitárias e mal amadas que iam para o drive-in, afim de fugir da própria companhia, enquanto assistiam algum filme ultrapassado e sem graça como este. Jailhouse Rock era o cúmulo, um filme com Elvis Presley era muito difícil de engolir e ainda por cima incluir num encontro. Sem falar da pipoca murcha sem sal e do desconforto que era ficar dentro do calhambeque caindo aos pedaços de Zayn -, não é o encontro que eu queria. Podia pelo menos me levar em um restaurante.
- Com que dinheiro? - Indaga, também se virando, com muita dificuldade, diga-se de passagem. Graças ao cubículo que é o espaço do motorista.
Eu não sei o que tenho na cabeça pra me permitir entrar numa coisa dessas. Estudo no colégio mais caro da cidade e daqui há alguns meses vou ganhar o carro do ano. Eu sou bom demais para alguém como Zayn. É perda de tempo sequer olhar na direção dele, bom, eu gostaria de poder tomar alguma atitude a respeito, mas já faz um tempo que eu notei estar apaixonado pelo moreno que não fazia questão de ser visto em público comigo em hipótese alguma.
- Eu podia pagar, se falta de dinheiro é um problema. - Dou de ombros, revirando os olhos pra cena de dança ridícula no telão.
- Okay, já que não seria nada suspeito. Harry Styles, o reizinho da cidade e Zayn Malik, o pé rapado, jantando em um restaurante com você pagando a conta. Sério, é mais fácil você me chupar em frente a delegacia já que tem tanta vontade de ir preso.
- Lá vem você, com essa mesma história. Isso não tem nada a ver.
- Como não, Harry? É crime. Homens não podem ter esse tipo de relação.
Reviro os olhos e respiro fundo.
- É você tem razão, então é melhor eu dar o fora! - Destravo a porta e Zayn, praticamente salta, tratando de tranca-la novamente.
- Enlouqueceu? Não pode sair, se alguém te ver estamos fodidos...
- Eu não suporto isso.
- Desculpe, querido, mas não vai achar ninguém que te dê a mão e caminhe ao seu lado a luz do dia. Precisa parar com esse seu conto de fadas, antes que se machuque.
- Está me ameaçando?
- Claro que não, Haz. Apenas cuidando de você. - Ele tenta beijar minha bochecha e eu viro o rosto, o que naturalmente irrita Zayn, que volta para o seu lugar puxando um maço de cigarros do bolso e acendendo um, ele solta a fumaça enquanto diz: - Você tá um saco hoje, viu!
- Vai se ferrar! - Digo entredentes, sabendo que se sair pela porta da frente, as chances de alguém me reconhecer serão muito maiores, então pulo para o banco traseiro.
- Onde você vai? - Zayn indaga, dobrando o pescoço.
- Pra casa.
- Ah, Harry, não seja mimado, para com isso. - Ele também pula para o banco de trás, me pressionando contra a porta, suas mãos nervosas me tocando por toda a parte - Eu sei que não foi o encontro que você queria, mas eu ainda posso te fazer se sentir muito bem. Você está tão bonito. - Diz com a voz baixa, infiltrando a mão por debaixo do meu suéter preto, alisando meus mamilos e me deixando completamente arrepiado.
- Não sei. - Viro o rosto para a janela, encarando os carros enfileirados e o pátio, a procura de algo que eu não sei ao certo o que é. Talvez eu só queira sentir algo, algo mais profundo e significativo do que ele se esfregando em mim e beijando o meu pescoço enquanto diz coisas que não sente por mim.
Se ele ao menos me beijasse.
- Claro que sabe. - Ele segura meu queixo, trazendo meu rosto para perto do seu e mordiscando meu queixo. Eu cedo, mesmo me sentindo triste e usado por ele não ter tentado fazer desta noite especial, nem ao menos um pouquinho. Deixo que ele tire minhas roupas e se deite sobre mim, me beijando e me tocando até que eu sinta seu membro pincelando minha entrada, então agarro seus bíceps.
- Zayn, e a camisinha?
- Porra! - Bate a mão na testa, checando os bolsos da calça e da jaqueta jogadas no chão, não encontrando nada - Esqueci.
- Então não. - Recuo, empurrando seu peito, mas ele não se move.
- Oh, boneca, não seja mal. Você sabe que eu não tenho nada, que mal há em fazer sem, só uma vez? É bem mais gostoso assim, na verdade. Vamos poder nos sentir por inteiro.
- Não, não é uma boa ideia e seja como for, é perigoso. - Entorto a boca, diante da confusão visível em seu rosto - An... você sabe, pelo que aconteceu com o Mike.
O vinco permanece entre as sobrancelhas de Zayn, até que ele explode em uma gargalhada enterrando o rosto na curva do meu ombro.
- Você não é uma aberração como ele, amor. - Sinto um ligeiro desconforto ao ouvir aquilo, bem, é claro que eu não sou como o Mike. Eu acho... - Apenas pare de pensar besteiras e vamos aproveitar a noite. - Assinto, fechando os olhos e cravando as unhas em seus ombros ao que ele me penetra lentamente.
- Oh... assim. - Gemo baixinho rente ao seu ouvido, sentindo-o se mover.
- Hum... Oh, Harry, Harry, Harry....
- Harry! - Escuto uma voz longínqua me chamar e tento abrir os olhos, mas minhas pálpebras parecem ter sido coladas, tornando esta simples ação impossível.
- Querido, você pode nos ouvir?
Abro a boca para responder, mas ao invés de palavras, um grito rouco sai do fundo da minha garganta e eu não sabia que era possível sentir tanta dor assim. Alguém segura meu rosto, afastando os cabelos que eu sentia grudados em minha pele e algo frio e molhado sendo esfregado no meu peito e pescoço, consigo piscar, sentindo até os cílios gotejando em meus olhos.
Tudo parece muito remoto e nublado, mas consigo discernir as paredes azuis, cortinas brancas e a cômoda repleta de pelúcias que eu costumava colecionar na infância. Estou no meu quarto, em Holmes Chapel.
Não!
- Harry, aqui é o Nick, consegue me entender?
Não movo um músculo, tampouco o respondo.
- Harry! - Continuo ignorando, com os olhos cerrados para a janela, com a constatação de que eu não estava tendo um pesadelo. Eu realmente estou aqui, eu realmente fui abandonado - Você está doente, muito doente e eu não consigo saber o motivo. Você está com uma febre altíssima e desde que chegou, há três dias está praticamente em coma. Eu preciso que você reaja agora, entendeu? Preciso que você use todas as suas forças para se reerguer, a hora da Melly já está perto, ela vai nascer em breve, mas se continuar assim, as chances de sobreviver a cesariana são quase zero. Se você desistir agora, os dois morrem. - Grimshaw espera por uma resposta minha que não vem e então estou sendo carregado em seus braços, o observando atravessar uma porta marrom que se eu não me engano dá acesso ao banheiro, estou quase desmaiando novamente quando sinto meu corpo afundar na água morna. Estou dentro da banheira, sentindo o tecido fino da camisola, que deve ser a única coisa que me serve agora, grudando em minha pele.
Haviam algumas pétalas de lírios salpicadas sobre a água, exatamente como minha mãe fazia quando eu era pequeno.
A avisto na beirada da porcelana, com o rosto abatido e os cabelos bagunçados, me oferecendo um pequeno sorriso, soando como um singelo sinto muito.
Contudo, eu não tenho disposição para tentar retribuir e realmente não quero fazê-lo. Ela o ajudou. Todos os ajudaram a me expulsar e agora eu odeio todo mundo. Ninguém me merece, ninguém nos merece, não podemos confiar em nenhum deles, eu sei que o plano deles é nos separar e é por isso que a Melanie não pode nascer, ela não pode vir a este mundo injusto e cruel, se eu a amo de verdade tenho que protege-la. Preciso protege-la.
Não sei por quanto tempo fico naquele banho, mas o meu estado febril não parece diminuir, o que me leva novamente a um estado de quase total inconsciência, porém ainda consigo captar algumas coisas. Como o meu corpo sendo retirado da banheira, minha cabeça tombando para trás, uma brisa fresca, o calor dos meus cobertores e uma voz sussurrando em meu ouvido:
- Eu deveria denunciar você e essa coisa que está carregando. Não deveria estar na minha casa, deveria estar morto, Harry, e nos poupar de toda essa vergonha. - O timbre inconfundível de Desmond ressoa por meus ouvidos antes que eu possa estar embarcando em um novo delírio.
Gemma deu a ideia de chamar todos os nossos amigos para uma festa de Halloween em casa. No começo a ideia até que era boa, eu, Niall e Ed tínhamos ganhado muitos doces pela vizinhança e feito a tigela grandona de vidro da mamãe ficar cheinha. Todos tinham fantasias legais e podíamos escolher o disco que quiséssemos para tocar, mas a parte ruim estava na minha fantasia ser de um dálmata, que era um cachorro branco cheio de pintinhas pretas e Gemma estava vestida de bruxa malvada e dizia que precisava de uma montaria. Eu disse que estava fantasiado de cachorro, não de cavalo, só que ela não me deu ouvidos e montou nas minhas costas e exigiu que eu a carregasse pra todo lado.
Ela é muito mais pesada do que eu e bastava apenas mais uma volta pra que eu começasse a ver os passarinhos voando ao redor da minha cabeça. Então assim que ela foi ao banheiro eu me esgueirei pela porta da cozinha, saindo no jardim dos fundos, afim de me esconder e foi onde eu encontrei o papai atirando em um alvo. Já estava de noite, mas haviam muitas estrelas e uma lua cheia e brilhante nos iluminando. Caminhei com cuidado até ele, esperando que as balas acabassem e ele se preparasse para recarregar e então agarrei sua perna.
- Au au au au. - Lati em meio a alguns rosnados.
Ele abaixou o rosto, rindo da minha imitação não muito boa.
- Ora, parece que temos um cãozinho raivoso aqui. Espero que Anne o tenha levado para tomar vacina. - Mostro os dentes, tentando parecer ameaçador e me esquecendo completamente da janelinha tripla que tenho desde que meus três dentes da frente caíram semana passada - Realmente assustador, Harry. - Ele se curva apenas para poder me segurar por debaixo dos braços e me acomodar em seus braços - Está gostando da festa?
- Não muito. A Gemma é malvada. - Digo fazendo bico.
- Levada sim, malvada não.
- Não importa, não gosto dela e nunca mais vou falar com aquela cabeça de cocô
- Harry, o que eu falei sobre xingar? O padre não diz que é errado?
- Disse sim.
- E porque você está xingando?
- Porque eu sou mau? - Arqueio as sobrancelhas em duvida.
- Você não é mau, filho, só esta irritado. É normal ficar irritado com quem a gente ama de vez em quando.
- Você está irritado comigo, papai?
- Não, claro que não. - Ele me aperta em seu colo, puxando uma das minhas orelhinhas caídas.
- E você promete nunca ficar irritado comigo, mesmo que eu xingue ou faça algo que o senhor não goste? - Insisto, arregalando os olhos a espera de uma resposta. Ele aproxima seu rosto do meu até que a ponta do seu nariz toque o meu e sorri.
- Eu prometo. Você é o meu filho, eu sempre estarei aqui pra te amar e te proteger, não importa o que aconteça. - Ele promete, me dando um beijo na covinha que se forma na minha bochecha quando eu sorrio feliz. Ter as pessoas bravas comigo sempre me deixava triste, eu gosto que gostem de mim - Agora, porque não entramos e brincamos com a Gem, hein?
- Ou... podíamos roubar todos os doces!
- Grande ideia, Harry, grande ideia.
Tenho um novo despertar, mas não graças a voz de Nicholas, que nem sequer está aqui agora. Escuto seu falatório distante, porém não consigo assimilar nada além da dor excruciante abaixo do umbigo, coloco a mão sobre a barriga praticamente sentindo o pezinho de Melanie acertando minha palma e rolo na cama, só sentindo a dor aumentar quando fico de lado. É até mesmo difícil de se respirar, sinto como seu pulmão estivesse sendo comprimido, tal como todos os meus órgãos e a dor latente só aumenta. Mordo o travesseiro para abafar um grito, porque eu sei o que isso significa. Estou tendo contrações porque está chegando a hora dela nascer.
Porém ela não pode nascer, sem o Louis eles a levarão para longe. Irão tira-la de mim e me obrigar a voltar a vida de antes.
Como eu poderia voltar aquilo, fingindo que nada aconteceu? Eu não posso!
Não vai levar muito tempo, eu só preciso aguentar a dor um pouco mais e então, simplesmente será tarde demais para nós dois.
Nós vamos encontrar o Louis.
Viveremos em paz no nosso paraíso.
Aos poucos vou relaxando, sentindo um frio pela epiderme se espalhando até os meus ossos, chegando a ser doloroso. Suspiro fraco e tenho a sensação de que alguém mais está no quarto, ouço seus passos se aproximando, até sua voz se fazer presente:
- Você vai mesmo ficar deitado o dia todo. Céus, como cabe tanta preguiça em um só ser? - Abro um olho e logo ambos estão arregalados ao encontrar Louis diante dos meus olhos. O retrato fiel do Sr. Tomlinson que eu conhecera em uma tarde de agosto, em seu jardim imperial, vestindo terno, com sua franja longa e desgrenhada, a barba delineada e o sorriso sarcástico.
- Você está aqui.... Está aqui de verdade?
Ele ri, dando de ombros.
- Óbvio. Quando soube da noticia não pude me conter, precisava vir aqui para ver com meus próprios olhos. - Ele sorri ladino e eu fico confuso, sem entender até que encontro aquele brilho em seus olhos, o mesmo do meu sonho e eu sei que ele me vê. Isso não faz sentido, mas não importa. Eu preciso de um milagre e acreditarei em qualquer coisa - Morrer de amor é dramático demais, até pra você.
- Eu não estou morrendo de amor, estou doente. - Digo, o observando se agaichar e tocar meu rosto com a ponta dos dedos.
- Não, é só o uso descontrolado de remédios. Eu já estive no seu lugar, girafinha, isso não vai te matar. Você está se sentindo mal agora, mas isso vai passar em breve, porém se continuar fingindo que não tem um bebê pronto pra nascer, aí sim as coisas vão se complicar. - Fecho os olhos, me deleitando com o som de sua voz e o toque de seus dedos.
- Eu não posso ter um bebê...
- Você não quer. Nunca quis, não precisa inventar desculpas.
- No começo não, mas... Mas eu a amo e sei que sem você do meu lado eu irei perde-la. Vão tirar ela de mim, Lou. - Choramingo, quase soluçando com a súbita ausência de seu toque reconfortante.
- Acho que está contando demais com alguém com quem só teve algumas fodas casuais, está me saindo mais lunático do que a Bleta.
- Do que você está falando? Você me ama! - Me esforço para sentar na cama, tentando não reparar no quanto a minha barriga crescera neste tempo e eu nem faço idéia de quantos dias ou semanas se passaram.
- Amo mesmo? Será? E se eu te dissesse que tudo não passou de uma última aventura? Que eu te usei como bem entendia e então te descartei, como fiz com tantos outros?
- M-Mentira. - Falo num fio de voz, lutando ainda mais para ficar de pé, cambaleante - Você me ama, Louis. Eu sei. Eu sinto.
Louis puxa os lábios em um sorriso, colocando um cigarro entre os lábios e dando um trago, soprando a fumaça, posso sentir o cheiro da nicotina no ar.
- Você nunca me decepciona, girafinha. Sentirei falta de você. - Diz com pesar, dando um passo para trás.
- O quê? Não, você não pode estar pensando em me deixar novamente.
- Eu não quero, mas é preciso. Eu tenho que partir. - Louis diz, ainda recuando, enquanto eu tento me aproximar dele. Eu preciso toca-lo, beijá-lo, tê-lo em meus braços e estar nos seus e então nada, nem ninguém poderá nos separar novamente.
- Não! - Grito estridente quando ele me dá as costas e caminha para longe. Tento segui-lo, porém meus passos são muito lentos e eu não consigo alcança-lo. Resfolego sentindo o peito arder e minha dor se dissolvendo em lágrimas, o assistindo adentrar um caminho de folhas vermelhas. Ele é longo, infinito, não parece haver uma saída. Se Louis continuar a seguir por ele ficará perdido. Não poderei encontra-lo - Fica comigo. - Imploro, não sabendo como ainda não cai de joelhos.
- Você pode vir comigo. - De repente fala, olhando por cima do ombro com o cigarro no canto da boca - Venha, amor.
- Ir com você?
- Sim. - Confirma, virando-se totalmente pra mim, com um sorriso genuíno, o vento sopra contra ele, o deixando ainda mais belo se é que isso é possível. Eu o amo tanto - Apenas um passo seu e estaremos juntos por toda a eternidade.
Olho para a terra vermelha, um caminho florido se estendendo a minha frente. Meus pés permanecem no terreno oco, não me parece tão ruim ou perigoso, se eu poderei ficar com Louis vale a pena.
- Não acha que eu valho a pena, Haz? - Louis inquere, me olhando daquele jeito provocador que faz meu corpo entrar em combustão.
- Vale. Você vale tudo. Eu te amo.
- Então venha até mim. - Ele estende sua mão, em um claro convite e eu não hesito em dar o primeiro passo até ele. Já posso sentir o fervor e a euforia me tomando quando algo se agarra a mim, me prendendo na terra velha e desértica. Luto contra isso, querendo ir para Louis, me jogando em sua direção, mas isso, seja lá o que for insiste em me puxar e meu corpo mole acaba por ceder e eu tombo pra trás.
- Me solta, eu preciso ir com ele. Preciso!
- Harry, acorde! - Minha mãe grita, ainda se agarrando a mim - Você está delirando.
- Não, não estou. Eu tenho que chegar até o jardim, o Louis está esperando por mim. - Choro, tentando me arrastar até o jardim, mas a mão de Louis cai e a paisagem vai se tornando irregular, como se fosse uma miragem no deserto.
- Não, Harry, não há jardim algum, você quase se jogou da janela. Estava tentando se matar?
- Janela...? - Murmuro, horrorizado ao que o jardim desaparece e em seu lugar surge a minha janela com os vitrais escancarados e a rua de pedra parecendo distante aqui do terceiro andar. Por pouco eu não caio lá embaixo. Eu queria me matar? - Mamãe...
- Venha comigo, amor, vamos nos deitar. - Anne pede, me guiando de volta para a cama, puxando uma colcha macia sobre meu corpo e se sentando ao meu lado, deixando que eu agarre seu corpo, deitando minha cabeça em seu colo.
- Eu vou morrer, mamãe, eu vou morrer... - Torno a chorar, pressionando o rosto em seu vestido e sentindo suas mãos em meus cabelos.
- Não, claro que não.
- Vou sim. Eu vou, sem ele eu não consigo, não posso.
- Você pode, Harry. Você só não quer.
- Não! - Grito, levantando o rosto para encara-la - Você não entende! Ninguém entende! Foi ele quem me convenceu de que isso era possível, foi ele quem cuidou de mim, que me amou e me deu forças para aguentar quando todos vocês me viraram as costas. Eu consegui aguentar porque no final do dia, eu tinha o Louis comigo, dizendo alguma coisa engraçada que me faria rir ou algo profundo que me faria refletir. Ele... Ele era como o sol que brilhava sobre mim todas as manhãs e a lua que me impedia de ficar na escuridão durante a noite, ele era aquela luz flamejante que me aquecia, mas agora eu não tenho mais ele, eu não tenho.... Não tenho mais, eu me sinto perdido, apavorado. Quero gritar e implorar que ele me aceite de volta ao mesmo tempo que quero enfiar uma faca no seu coração para que ele sinta um terço da dor que estou sentindo agora.
Ela me ouve com uma expressão alarmada, suas mãos escorregam até o meu rosto banhado em lágrimas, secando algumas com os polegares.
- Você realmente ama um homem tão cheio de problemas com o dobro da sua idade?
- Eu amo o Lou. - Ela suspira, balançando a cabeça lentamente e secando algumas lágrimas discretas de seus olhos.
- O que eu posso fazer pra que você fique melhor?
- Traz o Louis pra mim, por favor, mamãe, eu preciso do Lou. - Suplico, piscando mais algumas lágrimas e repousando a cabeça em seu colo.
- Sim, amor. Tudo o que você quiser.
Xx
O sol já se despedira, dando licença a noite escura e livre de qualquer resplendor com seu céu sem estrelas ou a lua. Eram nuvens densas que denunciavam a chegada iminente de um temporal durante a madrugada, mas nem isso impedia que os grilos cantassem ao pé da minha janela. Ouvia a sua musiquinha irritante há horas, me contorcendo repetidas vezes pelas dores que iam adotando certa frequência. O doutor Grimshaw ia e vinha sempre checando isso ou aquilo e me empanturrando de perguntas que eu não tinha interesse em responder, a febre estava pouca coisa mais baixa e por mais de uma vez ouvi a palavra hospital sendo mencionada, o que significaria morte certa para nós.
Embora isto, de qualquer forma, já nos fosse definitivo.
Respiro fundo novamente, sentindo a sonolência se aproximando, mas luto contra ela quando escuto a porta sendo aberta e alguém sentando na beirada da cama. Viro o rosto, sentindo meu estômago revirar ao que encontro Bleta em meu quarto.
- O que faz aqui?
- Bom, fiquei sabendo da sua situação e achei que poderíamos conversar um pouco. - Ela diz, cruzando as pernas casualmente. Minha vontade é chuta-la, mas eu sou bom demais pra fazer algo do tipo.
- Da última vez que conversamos eu fui expulso da casa e da vida de Louis.
Bebe abaixa a cabeça ao que eu digo a última parte e meu coração erra a batida.
- Ele está morto? - Não consigo mascarar meu desespero.
- Não, ainda não. - Diz, passando a mão pelos cabelos presos - Mas isso está próximo, muito próximo. Já fazem duas semanas desde que você partiu e desde então ele tem acordado cada vez com menos frequência. Sua perna esquerda gangrenou totalmente e não levará mais do que algumas semanas para que a bactéria se espalhe para o restante de seu corpo, devido a dor, eu o mantenho a base de morfina e pela falta dos nutrientes necessários sua imunidade está quase que inexistente. Encontra-se frágil como um bebê, ele está basicamente morto, seu coração não parou e ele ainda respira, mas o homem se foi.
Fecho os olhos, puxando meu cobertor até o queixo e me encolhendo, desejando desaparecer como Louis estava fazendo.
- O estado dele é grave. Contudo o seu não, são só alguns problemas de baixa imunidade, juntamente com o uso irregular de medicamentos e os claros sinais do trabalho de parto. Harry, eu sei que isso tudo está te afetando, mas não pode desistir agora, não quando a Melanie está pronta para nascer, não pode dar as costas quando ela mais precisa de você.
Rio com escárnio, saindo da defensiva pela primeira vez.
- Engraçado você dizer isso... Onde estão Clare, Sarah, Mitch ou Liam quando eu mais preciso deles? Quando Louis mais precisa deles? Tenho certeza de que estão lá zelando por ele como se já fosse um defunto, respeitando a fodida estúpida vontade dele e se esquecendo completamente da minha existência. Talvez você tenha passado tanto tempo focada no seu adorado Louis que não se deu conta de que pessoas como eu, na minha situação são mortas. Meus pais são responsáveis por mim e por mais que a minha mãe diga que me ama, ela não vai mover um dedo quando o meu pai resolver jogar essa criança na lata do lixo. Eu não tenho poder ou autoridade alguma para me defender, eu estou abalado de todas as formas possíveis. Tudo o que eu preciso agora é do Louis comigo, mas quando você me diz que ele já está morto, bom, isso só me dá a certeza de que não há espaço nesse mundo para mim e para a minha filha. Então não ouse abrir essa porra dessa boca pra me dizer que estou dando as costas pra alguém.
- Isso é um delírio, Harry. Não está sendo racional.
- Eu discordo, acho que nunca fui tão racional em toda a minha vida. - Rosno, rangendo os dentes - Pode se retirar agora.
- Você só está deprimido... - Ela diz e tomando pela raiva lanço o abajur contra a parede.
- Sai daqui! - Berro furioso. Bebe tem o queixo caído e os movimentos mais lerdos, como se estivesse em choque, mas se levanta e caminha até a porta a abrindo, porém ela não sai.
- Não diga que nunca fiz nada por você. - Fala, e de repente Liam e Mitch estão adentrando o quarto, carregando uma maca e eu posso ver Louis deitado sobre ela, com vestes claras, os cabelos longos caindo por seu rosto pálido e apagado, eles contornam a cama, o deitando ao meu lado com extrema delicadeza, repousando sua cabeça sobre meus travesseiros e o cobrindo, para que eu não visse as faixas que cobriam toda a sua perna.
O olho admirado, pairando meus dedos em frente ao seu rosto. Ansiando por tocar sua pele, por senti-lo mais uma vez.
- O que isto significa? - Desmond entra possesso. Anne vem logo atrás, mas desta vez não fica estática ao seu lado e sim toma a frente para impedir que ele avance.
- Eles decidiram morrer, então que seja lado a lado. - É tudo o que ela diz, antes de pedir que todos se retirassem. Deixando-nos sozinhos.
Me aninho ao seu lado, aproximando o rosto de seu pescoço e encontrando seu perfume maravilhoso. Coloco a mão sobre seu coração e sentindo os batimentos tranquilos eu adormeço, até acordar com alguns grunhidos baixinhos vindo de sua boca. Me afasto, encontrando Louis virando o rosto e balbuciando palavras sem nexo.
- Louis... Hey, Louis.
- Harry? Harry? O que está fazendo aqui? - Pergunta com a voz falha e rouca.
- Eles te trouxeram pra cá, para Holmes Chapel. Você está na minha casa.
- Não, p-porquê?
- Eu pedi que... - Aperto os olhos sentindo uma nova contração e um gemido doloroso acaba por escapar entre os meus lábios. Seguida de outras duas ainda mais fortes.
- Harry, o que é isso? Você está sentindo dor? - Sinto sua mão tocando meu rosto e a agarro, talvez apertando-a com força demais quando sinto uma nova onda de dor.
- São as contrações, elas aumentaram. Está na hora da Melly nascer. - Consigo dizer, quase sem fôlego, voltando para perto dele. Querendo fundir nossos corpos em um só, porque não importa quanto eu me aproxime, nunca parece o suficiente.
Louis pisca lentamente, quase preguiçoso e seu rosto também se contorce e eu sei que ele sofre tanto quanto eu.
- Precisa chamar o Grimshaw.
- Não, eu não vou. - Volto a abraça-lo, sentindo sua respiração em meus cachos e isso me dá paz.
- Como não?
- Eu disse que se você escolhesse morrer, nós iríamos com você. - Murmuro, esfregando o nariz em sua camisa.
- Não, não pode fazer isso! É loucura! Se você fizer isso eu vou te odiar para sempre! - Ele tenta soar irritado, mas sua voz está tão mansa quanto a de um gatinho manhoso. Nada ameaçador quanto antes.
- Não importa, nada mais importa, de qualquer maneira, nós vamos acabar todos juntos. - Murmuro, fechando os olhos devagar, sentindo a calmaria embargando nossos corpos em um abraço quente.
Xx
A lua dança em seu melhor lado, iluminando o nariz afilado, os lábios rosados e as maçãs salientes cobertas pela barba curta e áspera onde meus lábios passeavam com devoção, provando daquela sensação pelo que deveria ser uma das últimas vezes. Com cuidado eu dedilhava todas as tatuagens que conseguia alcançar, inventando histórias para cada uma delas.
O jogo da velha poderia ter sido feito para simbolizar o incrível jogador que Louis e sua capacidade de ganhar em qualquer jogo. A bússola era a mesma que Lydia usou para se guiar quando o encontrou em Dunquerque e ele a surrupiou para ter uma lembrança da bela francesa que o salvara. O oops! e isto é o que é, eram só os seus frequentes bordões irônicos. O servo com grandes chifres era a sua armadura de coronel durão e ranzinza e o coração tão bem protegido, era o verdadeiro Louis, tão bondoso e amável. Por fim a adaga em seu antebraço poderia significar a sua obstinação, a personalidade decidida e irrefutável que fazia aquilo o que devia, doa a quem dor.
Eu gostaria de ter tido tempo de fazer uma tatuagem. Talvez uma rosa para dar um significado melhor a adaga. Poderia dar significados melhores a todas estas tatuagens.
Louis está adormecido, ele se moveu pouquíssimas vezes durante o sono e em uma delas a sua mão acabou parando em cima da minha barriga, como ele sempre fazia. Tocar em Melanie já era tão rotineiro pra ele.
O doutor Grimshaw estava com os cabelos ainda mais arrepiados, falando um milhão de vezes que precisava fazer aquele parto o mais rápido possível, pois a minha situação só se agravava, mas nada era capaz de me fazer reagir e se eu recebesse qualquer tipo de anestesia as chances de complicações eram ainda maiores. Louis também estava péssimo, seus rosto estava suado e os cabelos haviam sido puxados para trás, eu quase podia assistir a vida se esvaindo dele, o que me levava a abraça-lo com ainda mais fervor.
Um clarão barulhento surge no céu noturno, iluminando todo o cômodo, mas meus olhos se prendem em um pequeno urso cor de rosa, agora encardido com os dois olhos faltando, porém eu ainda me lembro do tempo em que ele era apertado contra o meu peito em noites chuvosas.
- Somewhere, over the rainbow, way up high. - Gemma está cantarolando, com os olhos miúdos lacrimejantes, enquanto a mamãe fala no telefone andando de um lado para o outro.
Era do hospital, algo aconteceu com a vovó.
- Está com medo? - Pergunto, apertando o ursinho e enfiando meu nariz em sua orelha felupuda quando um novo relâmpago se faz presente.
- Um pouco. - Dá de ombros, deslizando os dedos pela janela embaçada.
- Por isso você canta?
- A música é boa pra esquecer os problemas. Músicas bonitas costumam te trazer sentimentos bons e eu gosto dela porque é disso que ela fala, de um mundo perfeito, onde a morte não existe.
- O que é morte, Gem? - Me aproximo um pouco mais dela, sorrindo para a borboleta que ela desenhou no vidro. Acima o meu nome e o dela.
Minha irmã olha por cima do ombro, para onde a mamãe está chorando e abaixa a cabeça.
- Além do arco-íris ela não é nada.
- Eu quero ir pro arco-íris então.
Ela sorri, me estendendo a mão e eu a seguro.
- Então vamos até lá!
- There's a land that I heard of once in a lullaby, somewhere, over the rainbow, skies are blue, and the dreams that you dare to dream really
do come true... - Nem percebo que estou cantando, mal ouvindo o ruído que é a minha voz - Someday I'll wish upon a star, and wake up where the clouds are far behind me...Where troubles melt like lemon drops, away above the chimney tops, that's where you'll find me.
Respiro fundo, retomando o fôlego que se torna cada vez mais fácil de se perder.
- Somewhere, over the rainbow, bluebirds fly. Birds fly over the rainbow...Why then -- oh, why can't I? - Enrolo um fio solto na gola da camisa, pensando no tempo em que eu acreditava ser capaz de chegar a terra encantada onde a morte não era nada - If happy little bluebirds fly...Beyond the rainbow...Why, oh, why can't I? - Termino quase silencioso.
- Ora, porque você não tem asas, dã.
- Brilhante dedução, Tomlinson. - Irônizo olhando-o de canto, sorrindo quando ele solta uma risadinha.
- Girafinha abusada de uma figa.
- Você me deixou abusado.
- Você sempre foi. - Sua mão se ergue em direção ao meu rosto, dedilhando minha bochecha até conseguir firmar o aperto em meu queixo e trazer meu rosto para perto do seu - Eu não valho o sacrifício, você ainda é tão jovem, não jogue tudo isso fora.
- Não... Você é quem está jogando tudo fora.
- É você quem vai ter um bebê.
- Nós vamos ter um bebê. Você desistiu de mim e desistiu da Melanie. - Choramingo, me contorcendo com novos espasmos agonizantes.
- Não pode me culpar por isso.
- Eu não culpo, nem um pouco, mas eu só não consigo, não consigo ser forte ou corajoso o suficiente pra aguentar sem você, Lou. É demais. - Soluço, molhando seu pescoço com as minhas lágrimas.
- Eu nunca queria ter me apaixonado por você. - Louis sussurra, tocando meus lábios com os seus, tão suavemente e casto que soa como um último beijo.
- Louis... - De repente eu me dobro ao meu, agarrando a cabeceira da cama sentindo mais dor do que eu posso aguentar. Meus gritos chamam a atenção de todos e no segundo seguinte Nicholas e Bleta, acompanhados de minha mãe estão entrando às pressas.
- Harry, precisamos fazer esse parto agora. - Nick pede, já trazendo sua maleta para a cama.
- Não! Eu não vou trazer minha filha ao mundo para que vocês a matem.
- Harry, por favor, não é hora pra isso.
- Saiam. - Grunho entredentes, apertando a cabeceira até sentir os nós dos meus dedos dormentes - Vão embora, me deixem sozinho. - As dores das contrações vão me anestesiando tanto ao ponto em que eu não consigo sentir nada. Absolutamente nada.
- Girafinha... - Então eu volto a sentir quando os dedos de Louis envolvem meu pulso, num toque sem força alguma.
- Mentiroso!
- O quê?
- Você mentiu pra mim, porque prometeu algo que não podia cumprir, Louis? - Ofego, sentindo cada vez mais dificuldade em respirar. Tomlinson aperta os olhos e seus braços se movem, dando a ele o suporte para conseguir se sentar com as costas na cabeceira.
- Do que é que você está falando?
- Quando eu... quando eu desisti de você, quando eu quis ir embora e deixar tudo para trás você ficou na minha porta gritando que me amava e jurando que não iria... Que não iria...
- Isso só está piorando. - Bleta sussurra.
- Que eu não iria morrer antes que você se desse conta do homem incrível que você é. - Ele completa com a voz amena, repousando sua testa na minha.
- Eu não sou um homem incrível, eu sou um covarde. Um bebê chorão.
- Não, você... Você é tão precioso. Eu te amo tanto, eu nunca amei ninguém como eu amo você... - A típica sinceridade adornava as suas palavras, ao que ele continuava tentando se aproximar de mim, independente das limitações que sua perna imóvel lhe impunha.
- Então acredite em mim. Acredite que eu posso sanar o vazio que a ausência dessa perna vai te dar.
- Amor, eu não posso...
- Eu vejo o nosso futuro, sabia? - Digo, correndo os dedos por sua barba com todo o meu amor, toda a minha paixão. Deus, como eu o amo - Você e eu sentados no jardim, durante o verão, usando óculos de sol e formando um belíssimo par de burgueses, estaríamos dando uma festa e todos os nossos amigos estariam lá. A Melanie correria por todo aquele campo aberto, perseguindo as borboletas e quando uma delas pousasse em seu narizinho ela correria para os seus braços dizendo ao papai dela, entre risos, o que aconteceu. Você continuaria o mesmo desgraçado arrogante que a chamaria de Girafinha Jr bobalhona e ela iria achar graça, porque não importa a merda que você diga, continuará sendo o herói dela e eu assistirei tudo isso com um sorriso no rosto, acariciando a minha barriga onde haveria mais um filho nosso. E tudo estaria bem porque as grandes batalhas já teriam sido vencidas e não importa o que venha a acontecer no futuro, nós vamos superar, porque é isso o que fazemos. Nós lutamos e vencemos.
Quando termino estamos os dois aos prantos, as suas lágrimas molhando o meu rosto e vice-versa.
- No estilo Tomlinson?
- Sim. - Solto uma risada, beijando a pontinha do seu nariz empinado e os cantos de seus olhos enrugam ao que ele sorri genuíno. Seguro seu rosto com ambas as mãos, alinhando ao meu, toco suas pálpebras com cuidado, com os polegares - Olhe pra mim e não venha com essa de eu sou cego, porque eu sei que a mim você pode ver. Você sempre me viu. - Seus olhos cristalinos, quase transparentes encontram o caminho para os meus, se fixando num verde choroso e vacilante, porém coberto de um fiapo de esperança que pode se partir com extrema facilidade - Diga pra mim que não acredita nesse futuro, que é só mais uma das muitas ilusões que eu tenho tido e que essa perna é mais importante do que qualquer vida ao meu lado. Diga isso e eu te deixo livre.
Nos longos segundos que se arrastaram sem que Louis me desse uma resposta, eu pedi perdão por todos os meus pecados, fiz mais promessas do que seria capaz de cumprir e senti o meu coração subindo pela minha garganta, em agonia. Até que ele finalmente pigarreou e balançou a cabeça.
- Bleta venha até aqui e corte está maldita perna! - Louis ordena com aquele timbre imponente e arrogante restaurado.
- Você... Isso é sério?
- Claro, claro que é. Eu perdi tudo uma vez, e agora estou tendo uma segunda chance, nada nem ninguém vai me fazer abrir mão disso. Eu não quero poucos meses ao seu lado, eu quero uma vida com você, Harry. E é exatamente o que eu vou ter. Nós vamos ficar juntos, meu a...
O cortei antes que ele pudesse continuar, beijado-o com toda a vontade do mundo, como se fosse a primeira vez depois de uma eternidade. O que me pareceu depois de dias apenas sonhando com ele, sem poder toca-lo de fato. Louis passou poucos instantes sem reagir até finalmente me abraçar, apertando meu quadril e aprofundando o beijo, o que acabou não dando muito certo quando eu gritei em sua boca.
- Melhor fazer o parto primeiro. - Disse com sua extrema sabedoria e só me coube concordar.
Tudo parecia bem mais leve e divertido quando eu me deitei confortavelmente nos meus travesseiros, no começo senti frio pela ausência de cobertores, mas tudo ficou sem importância logo depois de Nick ter me dado uma dolorosa injeção na coluna e eu parei de sentir qualquer coisa da cintura pra baixo. Louis continuava deitado do meu lado, beijando minha bochecha e enrolando meus cabelos nos dedos, me ouvindo sussurrar sem parar:
- Eu acho que sou um gatinho.
- Você é.
- Não um gatinho comum, mas com poderes, muito poderes, Lewis. Acho que posso salvar o mundo.
- Você pode, claro que pode, girafinha. Qual é a porra do problema dele?
- A febre subiu novamente. - Sinto a palma gelada de Bleta na minha testa e faço careta. Porque eu detesto essa mulher e abraço o Louis, com medo que ela tente pegar ele de mim - Está delirando. Precisamos ser rápidos, Grimmy.
- Sim, estou indo o mais rápido que posso. - Ele diz do outro lado do lençol que fora colocado entre nós, não deixando que eu visse nada que acontecia com a parte inferior do meu corpo, mas eu podia sentir ocasionais puxões e alguns desconfortos.
- Hey, Hazza, porque não me conta sobre a vez que você pintou o cabelo? - A voz doce e melodiosa de Louis volta a me distrair e eu reconto alegremente a mesma história que já havia dito umas oito vezes, até que Bleta interrompa a troca dos panos úmidos na minha testa dizendo que a febre diminuiu e eu já não me sinto mais tão aéreo.
Enquanto estou tagarelando e desenhando círculos no peito do meu marido, minha fala é interrompida pelo que acabara de se tornar o meu som predileto em todo o mundo. Um choro estridente e forte. Ela está chorando tão alto que eu não sei como seus pulmões aguentam, ainda assim ela não para de berrar e tanto eu quanto Louis ficamos em estado de choque, apenas absorvendo aquele som vindo dela, de Melanie, porque ela já não é mais a bebê que ficava rolando de um lado para o outro na minha barriga e me impedindo de dormir. Melly era um ser humano, de carne e osso, ela era real e depois de meses estava aqui do lado de fora, no mundo onde eu era capaz de toca-la e vê-la. Depois de limpa, Bebe a trouxe para nós, mas eu não conseguia me mexer e ela me instruiu a ficar imóvel, então deitou o corpinho minúsculo embrulhado no cobertor branco com seu nome bordado em dourado entre nós dois.
- Louis e Harry. - A mulher diz baixinho, segurando nossas mãos e as repousando na altura do peito dela, onde o coração batia acelerado - Está é Melanie Abigail Tomlinson, ela é linda, forte e muito saudável e por esse franzir severo em suas sobrancelhas não foi provida da paciência para aguentar o drama de vocês, então é melhor pararem com essa ladainha de morro ou não morro e cuidarem dessa garota, porque agora eu farei questão de ter um filho só pra desvirginar ela.
- Sai daqui, sua bruxa! - Louis grunhe, conseguindo acertar um tapa na coxa da doutora Rexha que ri, indo ajudar Nicholas, que eu imagino estar trabalhando nos meus pontos e é uma benção não sentir isso.
Os ignoro tendo toda a minha atenção voltada para ela. Melly. Ela se desvencilha do cobertor, estendendo o bracinho rechonchudo para fora, balançando a mãozinha no ar e abrindo e fechando seus dedos que deveriam ser do tamanho de uma unha minha. Ela ainda parecia tão pequena e frágil, mesmo que dissessem o quanto ela era grande e forte. Não, ela não era grande, ela era só um bebezinho pequeninho e fofinho que tinha um bico cor de rosa que estava quase me fazendo chorar de emoção.
Se não fosse pelo corte pra lá de inconveniente de Louis, ao bater a mão na bochecha dela que se assustou e começou a chorar.
- Louis, cuidado! - O repreendo, odiando não poder me mexer o suficiente para tê-la em meus braços, então apenas faço carinho em sua cabecinha até que ela se acalme.
- Deus, ela é real, então? - Ele pergunta maravilhado.
- Sim. Ela está bem aqui. Está conosco. - Respondo, guiando sua mão até a bochecha de Melanie e ele acaricia a pele fina com a ponta dos dedos, o sorriso se ampliando.
- Melly, diga olá pro seu papai predileto.
- Não começa, Tomlinson. - Digo contrariado, embora um sorriso desabrochasse também em meus lábios.
- Nem tente me impedir, Tomlinson! - Ele devolve, se aproximando um pouco mais até poder ter o nariz a milímetros de distância dos cabelos ralos da nossa filha - A missão da minha vida vai ser fazer com que ela me ame mais do que a você.
Algumas horas mais tarde eu já posso me mover livremente e depois de ser obrigado a tomar sopa, dada na boca pela minha mãe como se eu fosse criança, contando com o banho que ela me deu e ainda por cima me vestiu e ter tido a minha temperatura checada no mínimo dez vezes eu recebo a autorização para pegar Melanie no colo que já está vermelha de tanto chorar de fome, eu recebo claras e até desconfortáveis instruções vindas de Anne antes que ela, enfim, saia do quarto, deixando apenas nós três.
Bleta informou que ligaria para o pai e faria as devidas providências para realizar a amputação ainda hoje. Louis estava evidentemente apavorado, mas fazia uma ótima imitação de quem não estava nem aí e ficava fazendo piadinhas sobre eu ser uma mamãe responsável e dar voz a Melly.
- Anda, mamãe, eu tô com fome. - Ele diz com uma vozinha infantil bizarra - Anda logo com isso!
- Quer parar de me apressar?
- Não sou eu, é a Melanie. Melanie com fome, Melanie ficando muito brava.
- Errou, idiota. Ela está quase dormindo, na verdade. - Um sorriso se espalhou pelo meu rosto, quando sua cabecinha encostou no meu peito - Nossa, Lou, ela é tão linda.
- Descreva-a pra mim. - Pede animado, apoiando o queixo no meu ombro e acariciando meu braço.
- Bom, ela tem poucos fios de cabelos, mas eles já tem alguns cachos e são bem loirinhos.
- Ela é loira? Alguma chance do Malik não ser o pai?
Reviro os olhos.
- Eu era loiro quando era criança.
- Hmm, sério, um Harry loiro me parece bem interessante. - Brinca mordendo os lábios e soprando dentro do meu ouvido, só pra me irritar.
- Calado. Voltando, ela é loira e tem um biquinho tão fofo e vermelho, a boca dela é igual a minha.
- Lábios de menina? - Luto contra o sorriso que se forma ainda mais eufórico e orgulhoso do que antes, com covinhas e tudo.
- Definitivamente. - Concordo - Os olhos dela são bem pequenininhos e ela abriu apenas uma vez, mas eu consegui ver que eles são castanhos como o do Zayn, as sobrancelhas, o nariz e todo o rosto dela é idêntico ao dele na verdade.
- Uma versão feminina e loira do Zayn então?
- Uhum. - Toco seu queixo e ela abre a boca tentando chupar meu dedo, esfomeada - Pelo menos o desgraçado é bonito. - Gargalho e Tomlinson me acompanha até Melanie fazer um barulhinho estranho parecido com um rosnado e voltarmos a fazer dela o nosso foco, tento seguir à risca as instruções que minha mãe me deu e mesmo receoso aproximo seu rosto do meu peito, que realmente parecem mini-seios - assustador! - seu queixo toca meu mamilo e ela não tarda em abrir a boca, colocando a língua primeiro antes de abocanha-lo inteiro. Dou um salto pela sensação estranha.
- O que houve? Tem algo errado? - Louis se manifesta, preocupado.
- Nada, é só estranho, um estranho bom. - Respondo com a voz trêmula, ao que ela suga tranquilamente com seu biquinho de peixinho e os cachinhos balançando - Acho que o bebê tava com fome. Você é tão linda, tão perfeita, o papai te ama tanto. Sim, o papai ama sim. Ama muito, meu neném mais fofo do mundo todo.
- Aí que papai babão! - Dou língua para Louis, tirando proveito de sua cegueira, mas com seu sexto sentido ele consegue sacar e me dá um peteleco na testa.
- Essa cena é tão meiga, mas por algum motivo eu estou ficando excitado. - Arregalo os olhos e um vinco surge entre as sobrancelhas de Louis, quando ouvimos a voz de Mitch e encontramos o próprio estatelado em nossa porta com um sorriso cínico - Belos peitinhos, Harry.
- Vai se foder, Rownland. - Louis rosna lançando um travesseiro e acertando Mitch, categoricamente, bem no meio da cara.
- Bela mira, Loulou! - Cantarola dando alguns passos adiante e revelando quase meia dúzia de olhos curiosos as suas costas e todos estão aqui para conhecer a Srta. Tomlinson que está ocupada demais almoçando e nem aí para os elogios de Clare e Charlotte.
E quando chega a hora que Louis tanto temia, ele é sedado com os dedos entrelaçados nos meus e assim permanecem até que ele acorde e chore pelas horas, semanas e meses seguintes. Mesmo nos momentos em que ele surta dizendo estar arrependido e que aquilo não é viver, mesmo quando ele grita que me odeia por tê-lo convencido daquela loucura e que a morte seria muito melhor, eu continuo segurando a sua mão, porque ele faz o mesmo por mim quando estou exausto de levantar no meio da madrugada para trocar fraldas ou amamentar, quando surto com o choro e as cólicas dela e me contorcendo pelas dores remanescentes do pós-parto. Até que as coisas ruins começam a pesar bem menos do que as boas.
As dores se tornam insignificantes ao primeiro papai, o arrependimento não existe quando ela dá os primeiros passos em direção a Louis que está lá para segura-la, o cansaço não é nada em comparação com a alegria de vê-la crescer e se tornar a criatura mais doce e bondosa que eu poderia conhecer.
E depois de comemorarmos em uma gigantesca festa de Halloween, onde formamos um trio vampiresco, alá família do Conde Drácula, por conta de Melly ter se viciado naquelas dentaduras horríveis de vampiro, onde ela vestiu um lindo vestido vermelho, com uma capa curta e um chapéu de lado o que a deixou fina e elegante e que em nada a prejudicou de poder andar de um lado para o outro com suas pernas incrivelmente longas para uma garotinha de apenas dois anos e seis meses, o que lhe rendeu o fatídico apelido de Girafa Jr, que ela fazia jus. Ao que tudo indicava Melanie seria muito alta e deixaria o tampinha do papai Lou pra trás.
Usamos smokings idênticos, o que só diferia era o interior de nossas capas, uma vermelha e a outra rosa, mas não fazia diferença durante a noite quando eu empurrei sua cadeira de rodas na direção contrária ao nosso quarto e o levei para o salão, onde o velho piano de cauda repousava. Pedi que ele tocasse aquela linda música que fez pra mim, que não soava mais tão triste e quando ela acabou eu o beijei demorada e intensamente, o puxando para cima do piano e deitando seu corpo sobre a superfície lisa e firme, não me contendo e me entregando a toda luxúria e paixão que simplesmente borbulhava em meu interim quando estava na presença do meu marido.
- Meu marido. - Sussurrei contra seus lábios, sentindo suas mãos em minha cintura me puxando para baixo, fazendo com que eu sentasse em seu pau.
- Meu marido. - Ele me imita com seu típico deboche e eu me contraio só de raiva para ouvir seu gritinho dolorido.
Nesta noite eu realizo uma das minhas maiores fantasias, que por incrível que pareça não era foder gostoso em cima daquele piano deslumbrante sob a luz das estrelas, deixando nossos gemidos ecoarem pelo espaço aberto. Okay, isso foi incrível. Mas o melhor está quando o sinto vir dentro de mim e semanas depois receber a confirmação de que sim, eu terei um filho dele.
Xx
"Eu encontrei um amor para mim."
É a primeira coisa que me vem a cabeça quando Ed senta na roda de crianças com um violão na mão, tirando os primeiros acordes desta mesma canção. Ele se mostrava um excelente professor de música para os pequenos que tentavam o mesmo em seus violões, seguindo-o.
Liam também auxiliava um grupo com atividades físicas e eu me esforcei bastante para não encarar descaradamente seus bíceps, mas foi difícil, muito difícil, ainda mais quando ele estava todo suado... É melhor eu olhar pro lado, a onde Clare fez uma feira de culinária e tem farinha e molho salpicado pra todo lado, uma bagunça enorme que a faz gargalhar por todos estarem chamando ela de chef sem parar. Sarah está no cavalo e ao seu lado muitas outras crianças estão cavalgando, até Melly se arranjou nas costas de Sun, enquanto o seu prometido Clydesdale não chegava, mesmo assim ela ouvia atentamente as instruções de Sarah e puxava a coleira do cão como se fossem as rédeas de um cavalo.
- É melhor chamar a Melly, estou com medo que ela caia. - Falo preocupado, olhando para Louis que está bem instalado com a perna direita estirada sobre a coxa, na altura em que a perna fora amputada, uma camisa florida parecida com a minha e óculos escuro enquanto sentavamos na toalha estendida no jardim com ele dizendo que seria uma boa ocasião para pegar um bronzeado.
- Pare de ser tão superprotetor, está ficando que nem seus pais. - Fecho a cara com a menção daqueles que fingiram me aceitar quando Melanie nasceu e há mais de dois anos não atendiam meus telefonemas, nem respondiam minhas cartas. O mesmo acontecia com Gemma, que não fazia tanta questão de manter contato com eles desde que ficou mais rica do que nós e só se preocupava em manter a boa forma depois dos três filhos, todos com os nomes escolhidos por Niall, graças a um acordo entre eles e Tony, Teddy e Theo eram os herdeiros das fazendas Horan. As cabecinhas loiras corriam atrás de um pipa que Niall empinava, prendendo um copo vazio de cerveja entre os dentes.
Eu nunca imaginei tal reposta quando perguntei a Melanie qual seria o tema da sua festa este ano e ela me disse que fosse escolhinha, onde todos as crianças do St. Lydia e do orfanato em que Ed era voluntário pudessem vir até nossa casa e aprender várias coisas diferentes enquanto brincavam. Segundo ela, vê-las felizes era o melhor presente do mundo. Então não teve como recusar, embora estivesse me sentindo bem inútil por não ter nenhuma habilidade especial, além do pouco conhecimento adquirido nos meus primeiros semestres na faculdade de medicina, de onde eu estava temporariamente afastado, o que me tornava o menos interessante.
Pela fala envolvente de Louis e toda a euforia por ele só ter uma perna que nem um tal de saci-pererê que era popular entre as crianças, toda hora uma roda se formava ao seu redor repleta de admiradores.
- Não é você que vai ter que ficar mais de uma hora a mimando pra esquecer do galo. Você sabe como a Melly é chorona. - Digo levando mais um bombom para a boca e mastigando de cenho franzido.
- Nem imagino a quem ela tenha puxado. - Diz nada discreto, mexendo em sua franja - Hey, amor, que tal brincarmos de conjugar os verbos.
- Hein? - Inclino a cabeça para o lado confuso e Louis estende uma mão tentando pegar da minha caixa de bombons e eu praticamente rosno, enfiando mais meia dúzia na boca só pra garantir que ele não terá chance.
- É simples, tu comes, então engordas, deixas de ser gostoso, peço o divórcio, nos separamos e eu encontro alguém dez anos mais novo. Entendeu o recado?
- Primeiramente, você não conjugou merda nenhuma. Segundamente, você realmente está cogitando se separar de mim só por causa de uns quilinhos a mais? Como você pode ser tão superficial? - Indago arrasado com a voz chorosa sentindo as poças d'água se formarem em meus olhos, sem deixar de comer, é claro.
- Querido, não foram só alguns quilinhos, foram vinte e cinco. Vinte e cinco. Eu durmo com medo que você role no meio da noite e me esmague.
- É por isso que você está dormindo no sofá? - Ele assente pesaroso e eu estou realmente chorando como se tivesse recebido uma notícia terrível. Como se já não bastasse todas as drásticas mudanças na minha aparência, comigo ficando bem mais alto e com o corpo mais forte e menos miúdo, meu rosto deixou de ser infantil e se tornou mais adulto, com trações fortes e bem definidos e o meu trágico adeus aos cachinhos angelicais para entrar numa aposta idiota com Mitch onde quem não cortasse o cabelo por um ano inteiro poderia ter o que quisesse do outro. Mitch, como o idiota ingênuo que é quis que eu lhe desse uma onça pintada que ele batizaria com meu antigo sobrenome, Styles. E eu, esperto como sempre, quis que ele bancasse a babá durante todos os finais de semana até que Melanie completasse dez anos.
Se não fosse as variações de humor que me faziam de vez em quando meter a tesoura aqui ou ali meu cabelo estaria bem maior, mas pelo menos está no tamanho ideal para que eu faça um desfile infinito de bandanas de todo o tipo. Às vezes eu as amarro na boca do Louis quando estamos transando porque eu aproveito pra cochilar e todo o silêncio é muito bem vindo.
- Você precisa maneirar, Haz.
- Porque você está fazendo isso comigo? Eu pensei que você me amasse... - Soluço, quase me esquendo dos meus dedos sujos de chocolate e limpo os olhos com as costas da mão.
- Eu amo...
- Não, não ama. Você está querendo me humilhar e fazer com que eu me sinta mal, não é minha culpa ter engordado, são dois bebês, Louis. Dois! Eu tenho que comer por três! Você não sabe como é difícil...
- Imagino a tortura que é. - Resmunga coçando o queixo e eu parto pra cima dele.
- Não ouse zombar de mim, seu cego cretino! - Tento arranhar seu rosto, mas ele agarra meus pulsos.
- Sai de cima sua girafa balofa, não quero morrer em um desabamento.
- Eu vou entrar naquela casa e pegar uma das suas preciosas pistolas só pra ter o prazer de atirar na sua cara feia!
- Quer enganar quem? Eu sou lindo. Muito mais bonito que você, barrigudo!
- Perneta!
- Barrigudo!
- Tá brigando porquê? - Paramos com a nossa encenação quando a voz controlada e quase monótona de Melly soa próxima de nós. Ela tira as sapatilhas antes de pisar na toalha, puxando a barra do vestido antes de se sentar com as pernas cruzadas e uma caixinha no colo.
- Deixa eu adivinhar, ela se sentou toda daminha? - Tomlinson sussurra no meu ouvido.
- Nossa filha é uma lady. - Devolvo, me voltando para ela - Como está o Peter está manhã, Melly?
- Bem, ele comeu a ração direitinho e até cantou pra mim. - Informa com um sorriso no rosto, alisando o pelo amarelado do pequeno passarinho que ela encontrara há alguns dias no quintal com a asa quebrada - Pode ouvir o coraçãozinho dele de novo?
- Filha, eu já fiz isso mais de três vezes hoje...
- É rapidinho, eu tô preocupada. Pofavorzinho, papai querido, é meu aniversário. - Ela insiste abrindo seu sorriso mais doce e meigo que é acompanhado de dois furinhos discretos em suas bochechas e aquelas marinha chiquinhas com laços de pompom não me ajudam a negar nada a ela.
- Okay, mas é a última vez. - Melly concorda me entregando a caixa e eu pego o estetoscópio que eu precisava levar para todo o lado, graças a obsessão da minha filha em saber o estado do coração de tudo e todos, de vez em quando até daquilo que não tinha um coração, como árvores ou as mesas. Me concentro para achar o coração minúsculo do passarinho.
- Que aconteceu? Tudo bem? Parou de bater? Porque tá com cara estranha? - Diz tudo de uma vez com a boca praticamente grudada no meu ouvido o que atrapalha bastante, empurro delicadamente seu corpo para trás, tendo um pouco de silêncio para poder ouvir com clareza os batimentos estáveis da ave.
- Tudo certo. - Lhe garanto, já percebendo que ele move muito bem a asa quebrada, desenrolo as faixas que ela trocava religiosamente duas vezes ao dia e ele está louco para sair voando - Está na hora do Pitt partir.
- Mesmo? Que bom! Ele vai ver a família dele! Whoopi! - Comemora batendo palminhas e saltitando o que anima as demais crianças que imitam seus movimentos. Com suas mãos pequenas e gentis ela o segura e leva o bico dele até próximo dos nossos narizes, dando um beijinho ou bicada, sei lá - Agradeça ao papai Harry por sempre ouvir o seu coraçãozinho e me ensinar a cuidar da sua asinha e ao papai Louis por ter me dito que era bem mais fácil te dar ração do que ficar por aí caçando minhocas pra você. Nós somos os Tomlinson e esperamos que tenha tido uma boa estadia conosco. Oh, e lembre-se de não pegar comida dos outros ninhos, nem ficar piando de manhã que é falta de educação, coma três vezes ao dia e preste atenção quando estiver voando e... Que mais?
- Não cobices a passarinha ou passarinho do próximo. - Louis acrescenta e Melly acata imediatamente.
- Você ouviu o papai. Seja bonzinho e gentil com todos, eu vou sentir sua falta e vou pedir para que papai do céu cuide sempre de você. Eu te amo, Pitt. - Ela dá um beijinho no topo de sua cabeça com os olhos brilhando antes de correr em direção as crianças que dizem várias coisas para o pássaro até que Melanie levanta suas mãos e ele alça vôo.
Assisto a cena admirado quando Louis me puxa pelo braço fazendo com que eu deite as costas em seu peito, esquecendo completamente da nossa briga anterior.
- Ela é tão maternal. - Observo, a vendo secar as lágrimas.
- Demais. Certeza que ela terá uns quinze filhos.
- Céus, eu não quero pensar no meu bebê fazendo bebês!
- Hey, você está imaginando a Melanie fazendo sexo? Que tipo de doente é você?
- Eu não estava....
- Estava sim. Nojento, Harold, nojento.
- Aff. - Bufo, sentindo um chute forte acima do umbigo - Você acordou a Scarlett.
- Certeza que é ela? - Checa, abraçando minha barriga, que já está imensa as vésperas dos seis meses, esfregando o nariz em meus cabelos. Um novo chute só aumenta a minha certeza.
- Sim. O Billie é bem mais gentil do que ela.
- Eu odeio esse nome. Billie é terrível.
- Nem vem, eu deixei você escolher o nome da Scar.
- Isso é tão injusto! Eles estavam em mim primeiro.
- Foda-se. - Sibilo virando o rosto para ele e gemendo dolorido ao que ele morde meu lábio inferior - Aí machucou.
- Papai, não seja malvado. - Então Melanie está de volta, com Sun se achegando a nós e deitando na toalha sem cerimônias, ela ainda está triste pela partida de seu amiguinho, mas feliz em ver que todos estão aproveitando e então decide descansar se sentando no meu colo e cantando para os irmãozinhos com a cabeça repousada na minha barriga.
Louis, apaixonado por estragar os momentos perfeitos, puxa sua maria chiquinha, ela começa a choramingar. Eu brigo com ele e nós discutimos por quase meia hora, até que o sol começa a se pôr e eu escondo meu rosto em seu pescoço, aspirando seu cheiro.
- Lembra daquela noite do show? - Passo a ponta do nariz em sua pele, sorrindo satisfeito ao ver a mesma se arrepiar.
- Obviamente.
- Você disse que não podia acreditar que estava tocando naquilo que eu tinha de melhor. Bom, agora você está. - Cubro suas mãos com as minhas, uma faz carinho nas costas de Melanie que adormecera em cima de mim e a outra repousa na minha barriga, sentindo os chutes de Scarlett e os ocasionais movimentos de Billie.
- Que coincidência, porque também é o que eu tenho de melhor, com o acréscimo de um babaca de cabelos cacheados e cheio de birra.
- Uau, Louis, você é tão romântico. - Digo irônico, entortando os lábios.
- Fazer o quê, eu sou um romântico incurável. - Sorri daquele jeito adorável, nos abraçando com mais força e me enchendo de beijos.
- Não, você não é, e é justamente por isso que eu te amo tanto.
- Nada novo na terra da rainha, girafinha.
.....
" E até lá vamos viver, temos muito ainda por fazer.
Não olhe pra trás, apenas começamos. O mundo começa agora, apenas começamos. "
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