Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

• CAPÍTULO I •


Música: Lucky - Jason Mraz

O DIA DE AZAR DE UM, É O DE SORTE DO OUTRO

24 DE SETEMBRO

Meus olhos estão fechados enquanto me delicio com a sensação do seu toque quente em minha boca e do gosto amargo em minha língua. O aroma que, em conjunto com os demais elementos, me causa um alívio quase de imediato. Deixo meus ombros caírem, como se tivessem um pouco mais relaxados. Café.

Trabalho no setor de cobrança da empresa e, após ter sido ofendida algumas centenas de vezes e engolido a minha própria voz para não ofendê-los de volta, posso me permitir relaxar um pouco. É um trabalho cansativo, sim, mas é o que tenho. Não fiz faculdade e nem pós-graduação para acabar aqui, porém é como pago as minhas contas e me mantenho aqui em Pisa. Também é como adquiro a estabilidade da minha vida. 

— Isto é a melhor coisa do mundo! — exclamo, referindo-me à tranquilidade de beber o café.

Ao abrir os olhos, vejo a caneca vermelha que seguro com ambas as mãos. Diante de mim está a minha melhor amiga. A única, para ser sincera. 

— Ouvi dizer que isso vicia... — comenta Diana enquanto come um pedaço de torta de maçã com chantilly como quem não quer nada.

— E eu já ouvi dizer que açúcar vicia... — respondo provocativa.

— É um bom ponto. Somos duas viciadas! — ela responde rindo. Cúmplice de um crime que não existe.

Diana é uma mulher muito bonita. No momento, seus cabelos estão curtos, mas ela costuma demorar a cortá-lo, então não é de se preocupar tanto. Acredito que pessoas bonitas tenham plena consciência de que até mal arrumadas são bonitas. Por isso não se preocupam. Ela possui olhos claros, e apesar de serem azuis, agora estão parecidos com o tom verde de folhas secas, e logo abaixo, leves marcas de expressão que entregam a infância recheada de caretas de menina matreira.

Agora eu já não tenho muito que dizer sobre mim. Tenho os cabelos cacheados, em um tom castanho claro, simples olhos, também castanhos, um pouco grandes e uma pele... Bom, tenho uma pele, e ela não está cheia de espinhas. Isso é uma vitória!

Escuto o sino da porta da cafeteria e noto as garotas do setor de vendas entrando no local. O que não é surpresa, já que é a preferida de todo o pessoal da empresa. Alguns rapazes se viram para olhá-las, admirando-as e as comendo com os olhos. Como sempre, naquelas curtas roupas e, desnecessariamente justas, mas sempre bem vestidas — apesar do número menor com ar de fetiche — e arrumadas como se tivessem acabado de sair do salão.  Com seus cabelos lisos esvoaçantes e tudo mais.

Se as invejo? Na verdade, não. Pelo contrário. Nós nos odiamos desde o princípio. Elas são alguns anos mais jovens, em torno dos vinte e um anos, e acreditam que por atraírem tantos olhares, têm o mundo na palma das mãos. Possuem uma maldade na mente que jamais tive. Isso sem contar que dormiram com um e outro para alcançarem as suas metas. Nunca por mérito. E o motivo é bastante óbvio: elas não fazem direito o seu trabalho. 

Passam pela nossa mesa como se não existíssemos, com seus narizes arrebitados e perfumes importados. Procuram algum lugar para se sentarem, mas não longe o suficiente para que não consigamos ouvir a sua conversa.

— Eu voltarei naquele bar hoje. O Black Jack. É incrível! Só têm homens lindos lá. Música ao vivo, uma boa bebida e uma boa companhia! E que companhia. Não sei vocês, mas sem dúvidas, eu vou! — diz uma delas com toda sua desenvoltura. O que não deixa dúvidas do seu sucesso ou da sua popularidade.

— Mas é claro que todas nós vamos! — fala a única morena entre elas. 

Então todas riem animadas, deixando-me curiosa. E talvez elas tenham reparado nisso. 

— É um lugar para jovens. Velhas que fiquem em casa mofando!

Vacas! Após uma leve ofensa, diária e mental, pego o meu celular de dentro da bolsa e faço uma rápida pesquisa sobre o bar. Realmente é conhecido pelos homens bonitos e shows ao vivo. Até os funcionários também parecem ser bem bonitos. Vejo o meu reflexo no celular e não estou lá muito atraente, realmente, mas também não tenho ninguém me esperando em casa. Por que não ir a esse bar e apreciar um bom vinho ou uma boa música? Mesmo que nenhum cara se aproxime, não será uma viagem perdida.

Diana me olha, astuta como uma raposa, e me conhecendo muito bem, finge demência não comentando nada. Quando terminamos de comer e vamos pagar o que consumimos, viro para Diana. 

— O que acha de irmos ao bar? — pergunto como quem não quer nada, enquanto caminhamos para fora da cafeteria.

— Que bar? Aquele que as vag... — começa, mas se corrige, sorrindo maldosamente. — As pessoas distintas diziam? Não acha que é algum plano delas? — responde quando já estamos passando pela porta.

— Eu pesquisei, o bar existe realmente. Só têm bons comentários e não temos nada melhor para fazer, temos? — digo, tentando convencê-la, pois seria bem irresponsável da minha parte ir a um bar, sozinha e a noite. — Além disso... Além de roubar as funções na empresa, o que mais podem fazer? Me chamarem de velha e feia?

— Você tem vinte e nove anos, Nina. Isso não é ser velha. Não importa os padrões do mundo que você vê. Você não é velha — pondera, cansada de sempre me dizer a mesma coisa. — Olha, não vou. Tenho coisas para fazer em casa. Minha geladeira está vazia, e se eu for com você ao bar, amanhã nem café terei. Vou ficar de ressaca e sem café? Não, obrigada. 

Sinto-me desanimar porque ela não irá comigo. Já na rua, olho para o chão de paralelepípedo e reflito por um instante quando foi a última vez que fiz algo irresponsável. Simplesmente não consigo lembrar... Quer saber? Acompanhada ou não, irei a esse bar!

Vamos para casa conversando normalmente. Diana é minha vizinha. A traidora só se troca e vai ao mercado sem olhar para trás, enquanto eu tomo banho e me arrumo com esmero. Defino meus cachos, mas tento tirar um pouco do seu volume e coloco uma roupa leve. Apenas um vestido básico e um salto de cinco centímetros e está ótimo! 

É noite e o tempo está bom. Na rua está tudo tranquilo e ainda bem que não está vazia. Graças a Deus! Há alguns jovens acompanhados, outros não, em seus próprios mundos ou aproveitando a paisagem e o momento. Até alguns turistas com as suas esquisitices. Gente, por que tirar tanta foto? Quando tenho bons momentos sempre me esqueço do celular, ou lembro ocasionalmente apenas para ter a recordação. Noto até alguns casais de meia-idade aproveitando o frescor da noite para uma caminhada. Se estou nervosa em ir sozinha ao bar e por isso reparo tudo? Não, imagina. Com certeza! 

Chego ao bar rústico com blocos vermelhos, bem iluminado e bonito. Entro nele e vejo que é um lugar grande e agradável. Aconchegante até. Mesas de madeira, assim como as cadeiras, com um estofado vermelho e luminárias que vêm do teto dando um ar aconchegante. O balcão é bem iluminado, como se me convidasse a ir até ele. Noto um bonito barman, usando um rabo de cavalo baixo, secando um copo tranquilamente. Garçons equilibrando as suas bandejas, também lindos de morrer. Alguns com barba, outros não, de cabelos grandes e outros curtos, com expressões naturais de serem mais travessos ou mais comportados. Enfim, de fato lindos homens e para todos os gostos. Sejam clientes ou funcionários. Posso ver até mesmo alguns estrangeiros. 

Para acabar com a bela visão, mais adiante vejo as garotas do setor de vendas. Elas que estão ocupadas demais em prestar atenção no rapaz que toca violão e no garçom à direita. Suspeito que se uma delas conseguisse algo e as outras não, provavelmente sairiam no tapa. Se eu torço para isso? Não, não sou assim tão má. Tá. Talvez um pouco. OK, sim, de coração! Eu vou para o inferno e sei disso!

Sento-me no banco do bar achando engraçado que este é o primeiro que vejo tão bem organizado e limpo, mesmo com tantos clientes. Encerrando meus pensamentos, o barman se aproxima com um lindo sorriso. Ele tem olhos castanhos claros, atraentes e convidativos. 

— Olá. Seja bem-vinda! É nova por aqui, não é? Me chamo Santiago — diz com a voz macia.

— Hum... Sim. Sou a Nina — respondo um pouco acanhada. A forma tão natural que fala comigo dá a impressão de que nós nos conhecemos há anos. Deve ser o costume de lidar com o público. Não que eu também não lide com o público, mas o meu tipo é um pouco mais... Raivoso.

— Me diga o que quer beber para que veja seu lindo sorriso — fala ele com certa animação, o que me faz sorrir de verdade, influenciada pelo seu humor.

— Vinho? — questiono indecisa. Será que isso me torna chata? Apesar de que não tenho o costume de beber. Ressaca de vinho é a pior, mas passar vergonha aqui está fora de cogitação. Melhor o vinho mesmo.

— Vinho... — diz ele pensativo. Talvez tenha pensado o mesmo que eu. — OK. Já sei o que te oferecer! — Ele rapidamente pega uma garrafa de vinho fechada dentro do armário que tem atrás dele, separado de onde ficam as demais garrafas, abre na minha frente, dando-me a rolha para sentir o seu aroma. 

Assim que faço, o cheiro chega ao meu nariz, doce e suave. Minha expressão de contentamento faz o barman sorrir com satisfação e me servir a bebida em seguida. Sem demora, pego a taça, e ao começar a beber, sinto um gosto tão suave e leve que beberia facilmente toda a garrafa.

A música ao fundo me deixa totalmente relaxada, perdendo todo o temor de estar aqui sozinha. Olho ao redor, e as pessoas são somente isso, pessoas. O andar para um lado e outro, seus sorrisos e suas vozes misturadas são agradáveis. Algumas dançam mais adiante, e mesmo para mim, que apenas observo, divirto-me, ainda que não estivesse entre eles.

Um homem alto e loiro de cabelos bem cortados, penteados para trás e barba um pouco maior do que é considerado "por fazer", senta-se ao meu lado e me sinto nervosa e ansiosa. Parece bobagem, mas caraca! Tem um cara lindo bem do meu lado! 

Observo-o de canto de olho, tentando me controlar para não ficar o encarando. Percebo que ele não chegou a me notar de fato. O homem parece mais jovem que eu, e não é franzino, na realidade é o oposto. Parece-me alguém que pratica esporte, com uma boa postura para afirmar meu pensamento. Se não estivesse com uma expressão tão desiludida, poderia presumir que a vida sempre lhe sorriu. Mas, no momento, está me fazendo pensar que o seu dia está pior do que o esperado. 

Com um sorriso de compreensão e empatia, deixo para lá todos os meus pensamentos bobos de adolescente e tomo a posição de uma mulher adulta que sou. Chamo o barman e digo que pagarei o que o rapaz pedir. Bem, gastar um pouco não me fará mal. Além de uma única amiga e gastos corriqueiros, eu não gasto com muito mais coisas, sobrando uma boa quantia na poupança. Ajudar um cara que está num mau momento não parece algo ruim.

O rapaz me olha surpreso, escutando quando falo com o homem, mas aceita a bebida após reclamar.

— Estou mesmo no fundo do poço. Uma moça me pagando a bebida, e não o contrário. Obrigado por isso — diz após pedir uma cerveja. — Como foi o seu dia?

Não imaginei que ele puxaria conversa comigo. Na verdade, suspeitei que com tamanho desânimo sequer me ouviria para dizer o "obrigado". Isso me surpreende. 

— Bom, só o estresse do trabalho. Normal. Me diga... E o seu? Parece que foi bem difícil, digo... Pela expressão que chegou aqui. Sem querer ser abusada em perguntar assim diretamente. Desculpe se for um assunto delicado.

— Não, tudo bem. Sinceridade é tudo. Na verdade, é a melhor coisa. E é tudo o que preciso — fala, rindo amargo após beber mais um gole da sua cerveja. Olhando para o copo, continua: — Fui despedido hoje. Após socar o meu chefe. Ainda perdi a minha namorada que já estava comigo há algum tempo.

— Bem, então outra bebida para você, porque realmente precisa. — Chamo novamente Santiago para lhe entregar outro copo. — É assim mesmo. Quando o azar vem, é sequencial. A vida pode ser cruel, mas dá tudo certo no final.  

— Não faz ideia! E talvez esteja certa — fala, abrindo bem os olhos e suspirando em seguida. Não parece que tem confiança no que ele disse.

Tomando uma súbita coragem, parece decidir mudar seu humor. Se ajeita no banco enquanto se vira para mim. O peso dos seus olhos azuis sobre mim me deixa um pouco tímida, mas não devo mudar minha postura. Decidi ajudar o rapaz no dia ruim, não é?

— Mas você certamente veio aqui pelos homens bonitos, boa música, porém, acabou falando com o cara azarado. 

— Bem, mais ou menos... Escutei algumas garotas falando do lugar e fiquei curiosa. Então vim. Insensato? Sim. Eu sei! — Dou de ombros, abrindo bem os olhos. Bebo o restante do vinho da minha taça e peço outra para Santiago. — Mas depois de realmente ver tantos homens bonitos reunidos me pergunto...

— Se não são gays? — O bonito rapaz desconhecido ri, enquanto o barman faz uma careta engraçada, porém sorri em seguida, levando o assunto com humor. — Deve até ter mesmo, mas o que os boatos não dizem é... Suspense... Que ninguém que vem aqui se dá bem!

O desconhecido ri mais uma vez, e o homem atrás do balcão o acompanha. Olho para eles um tanto assustada, sem entender o que ele quis dizer com isso.

— Ficarei azarada também? — pergunto, espantada com o rumo que minha linha de raciocínio seguiu.

— Isso eu já não sei. Nunca ouvi falar que era transmissível — responde ele, rindo. Provavelmente acha um absurdo o que lhe perguntei, e isso me deixa levemente ruborizada. — Eles podem até ser "bonitos", mas os funcionários, e alguns outros, são casados. Amigos dos funcionários e dono. Inclusive o próprio Santiago bonitinho aí! 

Olho para o homem atrás do balcão e reparo a sua mão sem aliança. Estreito os olhos, encarando-o acusadora.

— Luke, você está estragando os esquemas, cara! — fala o homem, numa falsa raiva, enquanto puxa uma corrente de seu pescoço em que está pendurada uma aliança dourada. — Mas nunca traí minha mulher. É algo para atrair clientes — justifica.

— Mas as outras possibilidades ainda estão de pé— comento, olhando os homens ao redor. — Pois insisto, têm muitos homens bonitos num só lugar.

— Sim. E gays. Verdade — afirma ele. — Muitos são vaidosos, assim como as mulheres. Homens héteros têm o costume de achar que se arrumar muito é ruim. Entendo seu ponto. 

— Você também vem aqui... — Olho-o de canto, brincalhona, levando a mão à boca.

—É, contudo, eles não fazem o meu tipo — diz ele num tom afeminado e bem-humorado, olhando para Santiago. — Mas eu pegaria... — Piscando em seguida para o homem, que o olha parecendo empalidecer com medo de que não seja uma piada. Mas o desconhecido solta uma sonora gargalhada em seguida. Acabo acompanhando-o devido à expressão de susto do coitado do homem.

— Que brincadeira viu, cara. Xô para lá! Sai fora dessas ideias! — Santiago, depois dessa, até se afasta para atender os outros clientes. O que causa mais uma explosão de risadas.

Conversamos e rimos por mais algumas horas. A conversa fluiu assim como as nossas ideias. Vi o rosto carregado e cansado tornando-se leve e relaxado, deixando o desconhecido mais bonito ainda. Sua personalidade bem humorada, agradável e cativante me leva no seu embalo tranquilamente. Nada mais importa... Quantas bebidas tomamos, se alguém nos olha, porque fiz um novo amigo. Um cara azarado, mas o mais divertido, incrível e engraçado que já conheci.

Já é tarde e decidimos ir embora, pois ele terá uma entrevista de emprego no dia seguinte, mesmo sendo sábado. Estranho, mas como estamos um tanto alterados, não me importo. Quem sabe a sorte não volte para ele? Mesmo que eu tenha oferecido pagar tudo, o desconhecido simplesmente diz que não, pois como um homem não poderia fazer alguém gastar tanto com ele, principalmente quando o fez tão bem.

Ao sairmos do bar, a sorte não está conosco. Uma chuva começa a cair sem que soubéssemos quando começou. Olhamos um para o outro, como se perguntássemos silenciosamente “e aí? Está com guarda-chuva?". Ele sorri, mostrando-me um pequeno em suas mãos.

— Trouxe. Vai que né! — Ri da própria desgraça, dando de ombros. — Com a sorte que estou! 

— É sorte! — digo, pensando em seguida um bom “só que não". Ele me olha, atento e pensativo, entregando-me o guarda-chuva.

Sorri de um jeito sereno, tira a sua jaqueta e a coloca sobre a sua cabeça.

— Quando nos encontrarmos de novo você me devolve — fala, piscando em seguida, e sai no meio da chuva, correndo com a sua jaqueta como única proteção. 

Ele me deixa ali, com um sorriso estampado no rosto, olhando-o partir. Pensando que talvez ele seja um perfeito príncipe azarado, mas hoje fui eu que tive sorte em conhecê-lo. O meu caminho para casa foi tranquilo. Chegando, eu apenas retirei os sapatos no caminho para o quarto e me joguei na cama, sentindo-me exausta.

• • •

O despertador liga na rádio e a música Say You Won't Let Go de James Arthur chega aos meus ouvidos de forma gradativa, fazendo-me acordar. A música é gostosa e agradável e me deixa com bom humor, mas não o suficiente para me fazer levantar. Apenas olho o relógio que mostra um grande 8:30. Como é sábado, apenas desligo o despertador.

A luz do sol, vinda da janela que eu me esqueci de fechar na noite anterior, me cobre. É quente, confortável e aconchegante, como quando ainda era uma criança, dormindo protegida no calor dos braços da minha mãe. Sensação essa que não quero abrir mão. Vou dormir o dia todo hoje. Que se dane o resto!

Um barulho chato de algo sendo batido chega aos meus ouvidos juntamente com o som de vassoura varrendo, seguido de uma coceira que incomoda o meu nariz, fazendo-me espirrar. Irritada com o fato de estarem me obrigando a levantar, jogo as cobertas para longe e vou cambaleante até a janela. Apoio uma mão no batente, e com a outra coço os olhos que doem com a luz.

— Que diabo está acontecendo aqui a essa hora da manhã? Em pleno sábado ainda! — exclamo irritada. 

Meu quarto, que fica no segundo andar, está na mesma altura da casa das minhas vizinhas. Então, quando reclamo em voz alta, algumas pessoas que passam pela rua levantam as suas cabeças para me olhar e não demora muito para elas tentarem conter seus risos. Já as minhas vizinhas? Riem na minha cara mesmo, parando de limpar as suas casas para olhar pela janela. Não sei por que olham para mim e riem. Por que elas estão rindo?

Olho para o meu corpo e vejo a roupa que voltei do bar ontem. Está toda torta, amassada, fora o fato de ser a roupa de ontem. Não é como se estivesse parecendo uma louca descabelada na janela de casa. 

— Ai meu Deus! — digo, colocando a mão nos meus cabelos, tentando tardiamente conter os meus cachos armados. Isso porque não quero imaginar a minha cara! 

Viro-me rapidamente tentando me afastar da janela. E é neste momento que vejo o meu reflexo no espelho na parede. Meu rosto está todo amassado, meus olhos inchados de tanto dormir e tem uma grande marca de baba seca grudada em minha face, sem contar os cabelos que estão grudados na baba!  Meu Deus. Misericórdia.

Ao longe, posso escutar a risada da Diana e volto para a janela, vendo-a em sua sacada batendo o tapete, ou tentando, entre uma risada.

— E você rindo... — Olho para ela completamente acusadora enquanto estreito os olhos.

— Eu o quê? Você que sai na janela toda doida, gritando, quase nove horas da manhã. — Ela se defende, colocando a mão no quadril. — Você espera que eu não ria? Essa é a certeza da sua loucura! 

— OK. Ponto para você! — Levanto minha mão como se aceitasse a derrota. Ela está certa. E se fosse o contrário, eu também riria muito.

— E aí? Como foi ontem? — pergunta ela, apoiando-se na grade de ferro de sua sacada. Curiosa e astuta, Diana me olha com seus olhos azuis que se destacam com a luz do dia.

— Foi legal... — digo, esfregando o meu rosto disfarçadamente não conseguindo evitar um sorriso bobo. Ainda carrego a gostosa sensação de satisfação e felicidade. 

Não sei vocês, mas quando conheço alguém novo que me identifico e me dou bem, fico assim... Bobamente feliz.

— E conheceu um cara... — diz ela, com um sorriso matreiro e olhar felino. Então lhe conto como foi toda a noite desde que cheguei ao bar. Inclusive quando ele me emprestou o guarda-chuva para que devolva quando encontrá-lo novamente. Coisa que provavelmente não acontecerá. 

Com uma risadinha travessa, levando a mão aos lábios, Diana diz em um tom malicioso.

— Hum... Penso que tem mais que uma amizade aí. Ele gostou de você e você nem pediu o telefone! Que boba! 

— Larga de ser boba você, Diana — respondo rindo, enquanto minha face arde de vergonha devido à sua risadinha significativa. — O que um homem daquele iria querer com uma mulher mais velha? Boba? Rum. No máximo consegui um amigo ocasional. O que por si só já é bom. Não fiquei sozinha a noite toda.

— Nina... Às vezes você é ridícula. Fala como se já tivesse sessenta anos e fosse um caso perdido. Lembre-se que tem vinte e nove anos. Aliás, acabou de completar — comenta ela. — Mas e se reencontrá-lo?

— Vou devolver o guarda-chuva. Isso se encontrá-lo de novo... — falo como ela tivesse feito a pergunta mais absurda. Além disso, o que eu faria? Pularia no homem e arrancaria sua roupa no dente? 

— Cha-ta. Vou começar a fazer comida, sua nova/velha chata. — Ela me olha com a maior cara de desiludida, vira-se e entra na sua casa, balançando a cabeça em negativa, completamente desenganada.

Neste momento, minha barriga ronca e faço o mesmo, indo em direção à cozinha. Porém, ao abrir os armários, não encontro um cereal sequer. No máximo pó de café e açúcar. Vou à geladeira e a abro, sendo recebida pela lufada de ar gelado, mas também não tem nada lá dentro. Minha fome aperta, então tomo banho e me visto confortavelmente para ir o mais rápido que posso para o mercado. Matarei dois coelhos com uma cajadada só, aproveitando para fazer as compras da semana.

 Chego ao mercado e pego o carrinho. Noto algumas meninas sussurrando e cochichando, dando algumas risadinhas. Olho para elas e percebo que estão tão focadas no que conversam que sequer notam a minha presença. Dando de ombros, vou logo ao primeiro corredor, que é o de limpeza. Sorrio ao ver o meu tão amado sabão em pó preferido, que me deixa parecendo que usei perfume sem de fato usar. Tem apenas uma única caixa. Meu coração dá um salto. Que sorte! 

Olho para os dois lados e não vejo ninguém. Caminho até ele sem precisar correr, já que não tem nenhuma pessoa com quem disputá-lo. Ao chegar nele, percebo um grande inconveniente... Está alto demais para mim. Estico-me e fico nas pontas dos pés, tentando pegar o sabão em pó. Mas nada. Droga!

Até que uma mão grande o pega.

— Oh! Muito obri... — digo, virando-me, esperando o sabão com as mãos esticadas, mas vejo somente as costas do homem. What that fuck? Como assim? Vou atrás dele e seguro o seu braço. — Hey, você! Isso é meu!

O homem que vejo diante dos meus olhos não poderia ser outro se não o bonitão do bar. Isso não é possível! Ele me olha e se surpreende, tirando os seus fones de ouvidos e abrindo o mais lindo dos sorrisos.

— Oh! A moça de ontem! Olá. Como vai? — fala com seu natural bom humor. Tão natural que quase me esqueço do sabão em pó. Eu disse quase.

— Estou bem e você? Mas o que quero falar é que... — começo, mas ele me interrompe.

— Estou bem também. Não sabia que morávamos perto! — Seu sorriso se amplia, podendo ver seus dentes perfeitos. Aquele típico de quem cuida bem ou faz visitas frequentes ao dentista.

 — Olha. Não mude de assunto — digo, tentando continuar a frase que ele me interrompeu.

— Quem diria que moraríamos perto. Moro descendo a rua e você? — pergunta, mantendo o maior sorriso do mundo. Somente agora que entendo... Ele está me provocando!

— Você! Pegou o sabão em pó de safadeza! — exclamo desacreditada, como se tivesse feito uma grande descoberta. — O sabão em pó é meu! Pode ir me dando, rapaz. — Aponto para o carrinho, mostrando onde é para colocá-lo, mas ao olhar me surpreendo vendo que já está lá. 

Oi? Que bruxaria é essa?

— Oi? — Ele me olha com seus lindos olhos azuis cristalinos, brilhantes e divertidos. 

— Ora, seu... — Levanto o dedo, apontando para ele querendo brigar, mas não resisto e acabo sorrindo. — Seu... Seu sem-vergonha!

Quando penso que não, sou presenteada com sua sonora gargalhada, assumindo finalmente a sua travessura.

— OK. Desculpa, baixinha. Não resisti. 

— Olha, eu só te perdoo porque é um cara bonitão — digo, fazendo um certo charme, mas logo em seguida sorrio. Não sou charmosa nem sendo charmosa. Um pouco mais adiante, vou pegar um pacote de papel higiênico e ele pega do mesmo. Um olha para cara do outro e ergue a sobrancelha. — Cara, isso é perseguição — reclamo, mas rio, colocando a mão no quadril.

Ele solta o papel também dando risada e pega do mesmo, mas outro pacote. Acabamos fazendo nossas compras juntos, rindo e conversando. Não diz muito sobre ele ou seu passado, e eu também não. Contudo, assunto não parece faltar para nós. Só descubro a sua idade, que confirma meus pensamentos. Ele é três anos mais novo que eu. Fazemos as compras, e eventualmente, um dá dicas para o outro do que comprar.

Pagamos tudo no caixa e mandamos entregar uma parte dela. Antes de me despedir, pergunto quando irá voltar ao bar para que possa lhe devolver o guarda-chuva, e ele responde que não irá ao bar porque está sem trabalho. Estranho, pois neste momento está com uma camisa social, calça e até com um sapato perfeitamente polido.

— Então, o que acha de passar em casa? — pergunto inocentemente, mas pelo seu olhar, percebo que falei besteira. 

— Hum... Está me convidando para ir à sua casa? — questiona de um jeito pretensioso e sugestivo.

— É, seu bobo! Mas para devolver o guarda-chuva!— respondo, dando uma risada levemente tímida. — Mas, se não quiser, me fale onde você mora e eu levo.

— Sem problemas... Estava brincando, garota séria. Vamos? — diz, saindo do mercado com algumas sacolas e eu o sigo. 

Percebo que ele caminha diretamente para uma bicicleta cor de rosa. Com um riso engasgado na minha garganta, olho-o significantemente, levantando uma das sobrancelhas.

— Não ria — diz, estreitando o olhar para mim.

— Juro solenemente não rir! — falo, mordendo os meus próprios lábios para não gargalhar.

 — Você quer rir... Já está rindo! — afirma, acusando-me.

— Calúnia! Eu não estou rindo. — Mas não resisto e acabo deixando o riso escapar. — Desculpa. É uma bicicleta interessante — digo enquanto reparo que além de rosa, ela tem algumas florzinhas que parecem ter sido pintadas a mão. Também há uma cesta de palha, e nos aros algumas hastes de plástico para que faça barulho. 

— Fica quieta e suba logo na garupa — diz, falsamente chateado com as minhas risadas. — Esta bicicleta é a que eu dei para a minha ex. Ela se foi e levou tudo, até a minha bicicleta radical e legal. Infelizmente, como deboche do presente que dei para ela, deixou esta aqui para trás.

A revelação dele me faz parar de rir de imediato. Quando alguém não fala muito sobre si e costuma ter um bom humor, a verdade é chocante. Ele tem realmente passado por maus bocados, não é verdade? Muita coisa para um dia. Num murmúrio baixo, respondo sem graça.

— Desculpa.

Sento-me na garupa, e no caminho, encontramos dificuldades para nos equilibrarmos. Ainda mais que carregamos sacolas. Como resultado, o momento desconfortável ficou para trás em meio a risadas e exclamações como "cuidado, maluco!", “ah! Vamos cair!”, ”Deus! Vamos morrer!".

Ele me deixa na porta de casa, e corro para dentro para pegar o guarda-chuva para devolvê-lo. O rapaz agradece e volta a pegar o seu rumo para a própria casa. Encostada na porta, desejo boa sorte e digo para que tenha cuidado ao voltar. Ele ri e me olha estranho, indagando um “boa sorte?" silencioso. Contudo, quando está para atravessar a rua, ele vai de encontro a um carro, que na virada, acerta o coitado em cheio.

Vejo tudo passar em câmera lenta. O seu sorriso enquanto ri do meu desejo de boa sorte, as frutas e sacolas voando, ele batendo contra o carro e então caindo no chão. Tudo passa diante dos meus olhos como uma cena de horror. Com meu sangue parecendo congelar nas veias, corro em sua direção para ver se está bem. Olho-o de cima a baixo tentando ajudá-lo, mas ele se recusa. Apesar disso, parece estar bem e sem feridas graves. Ele, diante dos meus olhos preocupados, levanta e senta na calçada. Mexe os braços, as pernas e os dedos para me provar que está tudo bem. O homem do carro não parou, apenas deu ré na melhor posição que encontrou e foi embora. Pego as compras do homem azarado do chão e as coloco de volta na sacola. Quando vou me aproximar para lhe entregar, ele levanta a mão como se para impedir, numa expressão forçada de sorriso.

— Fique exatamente onde está! Depois do seu “boa sorte", a sorte me caçambou — diz num meio sorriso, mas de alguma maneira me sinto culpada.

Meu coração se aperta. Mordendo o lábio inferior, coloco as sacolas na calçada de um jeito que ele possa pegar em segurança e me viro para voltar para casa. 

— Vai que o azar é mesmo transmissível? — ele fala baixo, mas ainda consigo escutá-lo.

Meio cabisbaixa, ando de volta para casa olhando para o chão. Será que eu trouxe mais azar para ele? Poxa... Ele disse que talvez possa ser transmissível, mas sinto a culpa em minhas costas.

Ainda olhando para baixo, ao chegar à porta de casa, vejo uma carteira no chão e olho para trás, mas ele já não está mais lá. Procuro por alguma informação e encontro um papel com seu endereço e telefone. Pego o meu celular e ligo para ele, que não demora muito para atender.

Alô? — Sua voz é um pouco mais forte no celular, mas é mesmo ele.

— Olá. Sou eu... A moça da sorte. Você deixou sua carteira cair em frente a minha casa — digo um pouco tímida.

Você é uma batedora de carteira! — diz ele de forma acusadora, mas pelo seu tom, sei que está brincando. — Quando foi que você a roubou? É vingança pelo sabão em pó?

— Olha aqui, meu rapaz. Eu não roubei! Estava na porta da minha casa, caída no chão. Rum! — respondo como se estivesse levando a ofensa a sério.

Sei... Só não olhe a identidade — murmura ele.

— Hum... Identidade? — pergunto em um tom maldoso. Abro a carteira e vejo sua foto. Ele está bem mais novo, com algumas espinhas vermelhas, cabelos bagunçados e com carinha de bebê. Não resisto e dou uma sonora risada.

Eu falei para não ver! Você olhou! — reclama ele, parecendo estar correndo. — Não acredito. Não dá para confiar em você. Inacreditável!

Um trovão ecoa, e em seguida, a chuva parece resolver cair. Pelo telefone, escuto apenas suas reclamações enquanto corre. Não consigo deixar de rir ainda mais. Ao chegar a minha casa todo molhado, ele entra logo para não se molhar mais e já vai até a sala. Só aí o olho bem. Sua camisa social branca está transparente, sua calça está superficialmente molhada e os cabelos caídos lhe dão um ar mais infantil. Enquanto o admiro, sinto meu rosto esquentar e o sorriso dele crescendo ao me olhar.

Como se eu não tivesse sorte na vida, Diana, minha melhor amiga, abre a janela da minha sala. Fizemos uma ligação entre nossas casas para que possamos ir uma para casa da outra com facilidade. Ao ver o rapaz belo e molhado na minha sala, e eu ficando perigosamente vermelha, nos observa atenta, abrindo um largo sorriso malicioso.

— Nina! Que bom que conseguiu um amigo... Quem sabe assim você perca a sua virgindade! — diz. O olhar dele, que tinha sido atraído para ela pela súbita aparição, volta-se para mim com as sobrancelhas erguidas. 

Porra, Diana!

• • •

Obrigada por ler!
Comentem as suas opiniões!
Diana e a sua habilidade de chegar roubando a cena. 🤣🤣😈❤️

*24 de Setembro é o dia do meu aniversário e
Também o dia do primeiro rascunho do livro. ❤️

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro