Capítulo cinco
2820 palavras
Assim que as três colocaram os pés dentro do apartamento com cheiro de bom ar, seus estômagos roncaram em um timing perfeito. O dia foi cansativo e levou embora todas as energias das meninas. Paty avisou que ia tomar um banho e Fê instruiu ela a usar lencinhos umedecidos para tirar o glitter. Dani subiu em cima da bancada da cozinha, procurando algum panfleto para pedir comida local, já que os três celulares descarregaram. Encontrou apenas pizzarias.
— Alô? Eu queria pedir uma pizza extra grande, essa promoção do panfleto de vocês ainda vale? — Perguntou a morena, pendurada no telefone fixo. Fê passou correndo para o quarto e voltou segundos depois com o notebook. — Sim, a que vem com refri, pode ser coca mesmo. Tem como fazer metade calabresa, metade muzzarella? — Fê segurou a risada, que sempre surgia quando Dani pronunciava muçarela e a morena a encarou brava. — Okay, isso mesmo. No dinheiro. — A garota passou o endereço para o atendente. — Quarenta minutos, okay, obrigada.
— Eu to destruída, sinceramente… — Fê anunciou. A menina pegou os remédios no bolso, suspirando e tomou uma pílula.
— Não é só você… — Dani se jogou no sofá, aproveitando para colocar o celular no carregador e avisar aos pais que tinham voltado para o apartamento.
— A TV é smart, da pra entrar na netflix por ela, vamo assistir alguma coisa… — Sugeriu Fê, entrando na conta de Paty. A senha estava num post-it colado no teclado.
— A gente não ia começar a ver sex education? Era pra ter visto em fevereiro, mas ficamos procrastinando e nem deu. Aproveita pra gente terminar tudo de uma vez. — Dani disse, apontando para a tela do computador. A morena fungou.
Paty saiu do banho e tanto Dani quando Fê tomaram os seus logo depois, vestindo pijamas confortáveis. Nenhuma delas se importou em descer para pegar o pedido de pijama mesmo, juntas, só porque podiam. Com a pizza aberta na mesa de centro e a coca servida em copos achados no armário, as três se jogaram no sofá e procuraram a série. Antes que o primeiro episódio começasse, Paty anunciou:
— Só um aviso. — Fez um sinal com o dedo, apontando para as amigas. — Se alguém começar a falar no meio do episódio, vai me pagar um notebook novo, porque eu vou quebrar o meu na cabeça da pessoa!
As três só perceberam as horas passando, quando terminaram a primeira temporada. Eram 03:43 da manhã, quando o último episódio acabou e as meninas olharam para a caixa vazia de pizza, para a garrafa de coca no fim, sorrindo sozinhas.
— Ai… Meu coração tá doendo agora. — Dani sussurrou baixinho, jogando a caixa no lixo, praticamente fazendo um origami de papelão para que coubesse na sacola.
— O meu ainda tá pesado pela parte do aborto… — Fê comentou, encarando as próprias unhas, pintadas de um tom de rosa claro.
As meninas pararam em volta dos banquinhos da cozinha, sem se sentar. Dani se adiantou para ferver água e fazer café na cafeteira. O som alto do fogão elétrico ligando ecoou pela cozinha. As duas outras tinham as mentes ocupadas demais em digerir tudo para conversarem, então apenas se encararam, em silêncio.
— Eu vi você chorando um pouquinho… — Disse Paty. A crespa tinha segurado a mão da loira quando viu que Fê fungava, tentando segurar as lágrimas, escorrendo sem parar. A imagem não era explícita, mas ainda assim parecia… Profunda. — Gente, sabe no episódio cinco? Quando o Ótis… Deixa o Éric lá no ponto e depois… Rola tudo aquilo do soco e tals…
Paty tinha deixado uma das mãos sobre a mesa. Dani e Fê repararam que os dedos da crespa pareciam trêmulos e a loira, cara a cara com Paty, viu o lábio inferior da melhor amiga tremer perceptivelmente.
— Ai meu Deus Patrícia… — Dani abraçou a garota, passando os braços pelo seu tronco e enfiando o nariz em suas costas. Fê segurou as duas mãos de Paty, sentindo que ela não conseguiria deixa-las paradas sozinha. — Você pensou naquilo durante todos os outros três episódios, não foi?
Paty concordou com a cabeça devagar.
— Patrícia, aquilo foi horrível. Deu pra sentir você estremecer quando o Éric levou aquele soco… — Fê deixou a frase em aberto, esperando. Mas a reação de Paty foi diferente da que esperavam e apesar de ter apertado as duas mãos de Fê também, ela parecia estar entrando em colapso. Paty começara a chorar, lágrimas grossas e salgadas escorrendo pela bochecha, deixando um rastro do rímel preto.
— Parecia… Parecia que era eu ali…
Paty fungava, tentando conter o choro, mas soluçava inconscientemente. Fê praticamente içou ela, apoiando seu corpo em pé, sabendo que a crespa não conseguiria se manter firme sozinha. Os braços de Fê ficaram em volta dos ombros de Paty, enquanto Dani abraçou a cintura dela mais forte, cada uma com o rosto enterrado na outra.
Mais como irmãs do que como amigas.
— Você sempre esteve de boa com tua sexualidade, com ser lésbica Patrícia. Seus pais sempre estiveram de boa com isso, assim como a gente. — Dani murmurou perto do ouvido dela, na ponta dos pés, passando os dedos pelo ombro da amiga e tentando acalmar o coração de Paty, que batia forte. — Foi aquele cara, não foi?
A crespa concordou, tão levemente que era difícil saber se realmente se moveu.
— Eu fiquei com medo. Com medo daquele cara, sei lá… Me obrigar a alguma coisa. Primeiro eu fiquei com raiva, mas depois foi só… Só medo. — Paty encarava o ombro de Fê com tristeza. Então disse a frase seguinte com uma lufada forte de ar. — É como se o que aconteceu com o Éric pudesse ter acontecido comigo e tudo por causa de uma merda de homofobia escrota e de uma merda de machismo filha da puta! Porque parece que ter respeito só por ter é difícil, as pessoas que você nunca viu precisam provar alguma coisa pra ter teu respeito ao invés de você só… Respeitar!
— Nada vai acontecer Patrícia, sabe disso. — Foi a vez de Fê sussurrar baixinho, perto dos ouvidos da amiga. Pegou o rosto molhado e de maxilar marcado de Paty entre as mãos rechonchudas. — Não porque qualquer uma de nós vai te proteger de tudo e todos, mas porque você, Patrícia Monteiro, tem força pra se proteger sozinha. E apesar de que eu, a Dani, seus pais, os nossos pais e até mesmo o Thiago, vamos te apoiar e querer o teu bem, você é forte Patrícia. Nobre, igual teu nome. A gente sempre vai estar aqui pra te levantar se você cair, mas você consegue fazer isso sozinha, nega, tu já passou pelo pior a dois anos e o pior nem foi tão ruim assim… — Dessa vez, Paty concordou veementemente com a cabeça, os cabelos crespos balançando. Com um sorriso rápido brotando no rosto, Paty lembrou da surpresa de seus pais quando se assumiu, exatamente na mesma idade que seu irmão dissera ser bissexual, anos antes. Ela ainda lembrava das palavras do pai, um sorriso torto, mas brincalhão no rosto. Os dois? Acho que eu vou jogar na mega sena, qual a probabilidade disso acontecer? Na época, ela se perguntou se aquele era um jeito educado de ficar bravo. Mas depois percebeu que era apenas o jeito do seu pai descontrair a tensão que sabia pesar nos ombros dela. Eles nunca perguntaram se ela tinha certeza, o que de certa forma foi um alívio. Não por quê tinha qualquer dúvida, mas porque… Parecia que com aquilo, estavam querendo que não fosse verdade. — Nada daquilo vai acontecer com você e se chegar perto de acontecer, tenho certeza que você vai dar o primeiro soco e sair ilesa.
As três se afastaram, Dani e Fê encarando o rosto com olhos grandes e vermelhos de Paty, sem que mais lágrimas escorressem. O som da água do café borbulhando, fez com que Dani se virasse para terminar o café. Paty encostou na bancada, as mãos apoiadas perto da pia, armou os cabelos e sorriu.
— Vocês adoram me chamar de Patrícia quando eu to triste… É irritante sabiam!
As três riram, uma gargalhada gostosa, baixa e única. Dani colocou uma xícara de café na frente das amigas. Afinal, tudo ficava infinitamente melhor com cheiro de café.
Dani sentia as pálpebras pesadas de sono, os cílios alongados pelo rímel batendo nas bochechas. A morena acabou se arrastando até a cama antes de todas as outras, caindo de cara na almofada branca e fofinha. Dani tinha certeza que aquela era a melhor sensação do mundo, acompanhada pela lembrança do sorriso aliviado no rosto da amiga e deixou o corpo relaxar até adormecer completamente.
O Sol entrava pelas cortinas brancas, esvoaçando devagar. Dani puxou a colcha até o pescoço, sabendo que a janela estava aberta e deixava entrar a brisa gelada. Não fazia a menor ideia de que horas eram, mas estavam de férias, isso não importava. Uma revoada de pássaros voou de cima das árvores, tornando aquele o soninho mais gostoso de todos. Paty, ao contrário, já estava acordada a alguns minutos, encarando o teto branco com o olhar perdido. Ela reparou que a casa tinha um cheiro de flores permanente, enquanto segurava a colcha contra o peito.
Na ponta dos pés, a crespa levantou devagar da cama, fazendo o mínimo de barulho possível. Paty acordou Dani, tampando a boca da amiga com uma das mãos e fazendo sinal de silêncio com a outra, ao ver que a morena, com os cabelos presos em uma trança descabelada, arregalou os olhos de medo. Olhou para Fê, deitada e mostrou o celular. Eram apenas 8:24 da manhã, do aniversário de 15 anos da loira.
Dani catou de dentro da fronha da almofada, uma caneta bic preta, dando um salto silencioso e se apoiando na cama de Fê. A loira roncava, enquanto Dani juntava suas sobrancelhas e produzia uma sombra de barba no queixo de Fê. A expressão no rosto de Paty era de pura desaprovação, a mão no rosto. Aquela cena era tão infantil que dava a volta e continuava engraçada.
As duas fecharam a porta do quarto devagarinho, tentando não acordar a loira e correram em direção a cozinha. Paty colocou uma faixa grossa no cabelo crespo, penteando com os dedos, apenas para que não caíssem em seus olhos. Dani refez a trança rapidamente, jogando o cabelo liso e escuro por cima do ombro e se espreguiçou, jogando os braços magros para o alto.
Os donos do apartamento tinham deixado uma cesta básica de mantimentos no armário, Dani percebeu isso ontem, ao procurar pó de café. A morena pegou farinha, leite comum e leite condensado. Paty encontrou ovos e achocolatado na geladeira. Com tudo enfileirado na bancada, uma lâmpada se iluminou em suas mentes.
O que melhor para comemorar um aniversário, do que fazer um bolo?
Claro, que não seria um bolo cheio de confeitos e decorações lindas, mas seria um bolo. E seria um presente. Os ingredientes não tinham açúcar reduzido na embalagem e as duas torceram para que não fizesse mal para Fê.
— Vamos fazer brigadeiro de panela e depois a gente joga por cima do bolo! Deixa que eu faço a massa. — Dani disse, já pegando a farinha e uma grande vasilha. — Você acha que tem fermento em algum lugar?
— Eu achei um potinho embaixo do armário, do lado das panelas, pega lá. — Paty apontou com uma colher de pau para o armário, logo em seguida colocando-a dentro de uma panela com manteiga no fundo, mexendo.
A morena agachou, abrindo o armário e sendo golpeada pelo cheiro de mofo, resultado de tantos meses fechado e encontrou o fermento, cheio pela metade. Torceu que aquilo não estivesse estragado, já que o cheiro não denunciava nada… Com um sorriso colado no rosto, jogou o fermento na vasilha e mexeu.
— Ei… Paty… — Dani chamou, a voz fina como a de uma criança. A morena acordou com pensamentos incrivelmente infantis e usando a colher de pau, pegou um pouco da massa, passando nos dedos. Quando Paty se aproximou para ver o que estava acontecendo, a morena pintou a ponta do nariz dela e como um ninja, fez dois traços irregulares na testa da crespa. Paty ficou boquiaberta.
— Masoque…?! — Paty demorou meio segundo para entender o que tinha acontecido. No momento em que percebeu a situação, abriu um sorriso sádico. Pegou um punhado de farinha e esfregou o pó branco no cabelo de Dani.
— Isso é baixaria! — Reclamou a morena, passando a mão pela trança suja.
— Vale tudo no amor e na guerra. — Paty riu, as duas mãos na cintura.
— Então quer dizer que a senhorita quer guerra? — Dani mordeu o lábio inferior, pensamentos borbulhando na mente. A morena pegou a caixa de leite e imediatamente, Paty saltou, caindo quatro passos para trás e escapando do jato de leite que Dani atirou nela.
A crespa soltou um grito agudo e um momento depois, tampou a boca com a mão, sabendo que tinha feito merda.
— Paty…? Dani…? — A voz de Fê surgiu pelo corredor, coçando os olhos, os pés arrastando no chinelo. O queixo redondo caiu no momento em que viu a mancha de leite no chão branco, o cabelo sujo de Dani e a cara de Paty parecendo um surfista com marcas de protetor solar. — Caralho, o que tá acontecendo aqui?!
Dani e Paty se entreolharam. As duas meninas começaram a gargalhar alto. Fê sempre achou a risada das amigas contagiante e acompanhou o riso espontâneo, mesmo sem saber ao certo o por quê.
— FELIZ ANIVERSÁRIO! — Gritaram as duas.
Fê colocou as mãos no rosto, onde um sorriso de dentes brancos, denunciavam a surpresa e a felicidade. A loira praticamente correu, os passos batendo forte no chão pela afobação e passou o braço pelos pescoços das amigas, sem se preocupar se estavam sujas.
— Puta que pariu, vocês são foda! Achei que nem iam me dar parabéns! — Tossiu uma risada, apertando os corpinhos das duas e recebendo um abraço tão cheio de sentimento, que ouviu os três corações batendo no mesmo compasso.
— A gente nunca esqueceria do seu aniversário! Como deu um pouco ruim aqui… Acho legal tu ir se arrumar pra gente ir tomar café da manhã. — Paty limpou o canto dos olhos da loira, onde uma sombra de remelas se acumulava. — Vai lá e a gente arruma tudo por aqui, coisa linda!
— Só pra constar, agora que eu sou a mais velha vocês devem obedecer a tia Fêfê, tá bom?
Paty encostou na bancada, fazendo uma careta com braços cruzados. Dani mordeu o lábio inferior, ignorando completamente a amiga e desamarrando o cabelo para bater a farinha dentro da pia com as mãos. Fê deixou seus remédios no cantinho da pia do banheiro e som do click clack era familiar, mas o que não parecia comum foi o que viu no espelho. Fê coçou os olhos, jogando para longe todo o sono que ainda dava dor de cabeça na loira e semicerrou os olhos para a luz da janela. Aquilo não podia ser verdade… Era infantil demais para ser verdade!
— QUEM. DEMÔNIOS. FEZ. ISSO. NA. MINHA. CARA?! — Praticamente gritou de raiva, caminhando com os chinelos batendo no assoalho, a cara vermelha e bufando. Dani tentava esconder uma risadinha descontrolada, mordendo a camiseta do pijama.
— Quem mandou você ser a aniversariante de hoje? É a regra da vida! E eu nem desenhei nada demais, fique feliz! — Dani respondeu, colocando as duas mãos na cintura, as sobrancelhas arqueadas. A loira encarou os olhos cor de safira de Dani, em uma cena muito parecida com a de um filme de velho oeste.
— Ah, mas você não me escapa quando for teu aniversário Daniela… — Fê abriu um sorriso tão sádico, que arrepiou as costas de Paty. A crespa ainda balançava a cabeça com indignação.
— Isso, fiquem aí nessa pseudotreta, enquanto eu vou colocar um biquíni. — Sorriu ao passar pelas amigas no corredor. — O dia tá bom demais pra gente perder uma praia!
Nossa, eu transitei entre muitos lugares com esse capítulo. Ele foi de triste e brincalhão pra caramba em menos de duas mil palavras, to impressionada. Não sei se vocês já viram sex education, mas é muito bom, recomendo demais essa série para quem quiser ver!!! Pra quem já viu, sabe do que eu to falando. Não sei se vocês choraram na parte da Paty lembrando de ter se assumido pros pais, mas olha... Eu chorei litros escrevendo aquilo, muito pelo fato de que me identifico tanto com ela, quando com o momento em que o menino levou um soco na série. Nossa, se vocês vissem a minha cara olhando aquela cena, eu tava chorando tanto que não dava pra me reconhecer... Mas, lágrimas a parte, amei escrever esse capítulo, de todo o meu coração.
Dessa vez, deem só uma voadora mesmo na estrelinha, por que vocês devem estar cansados de chorar, mas não esqueçam do comentário, por que ele é muito importante também!!
Beijinhos e até a próxima milhos pra pipoca!!!
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