Capítulo 5
******Gael******
Eu definitivamente preferia estar lutando contra um grupo de demônios, estando totalmente desarmado. Seria infinitamente mais fácil enfrentar dezenas de demônios do que lutar contra mim mesmo.
O que eu estava sentindo não tinha explicação. Sentimentos que eu nunca havia experimentado, agora me atingiam em cheio.
Aquele beijo. Meu Senhor! Aquele pequeno gesto de afeto foi suficiente para me fazer sorrir e ir embora sem dizer nada, como um completo idiota.
E agora estou aqui, com o celular na mão, sem saber como iniciar mais uma conversa com ela.
Nossas conversas sempre tão leves, agora pareciam distantes da minha realidade.
Meu desespero era tão grande, que cheguei ao ponto de cogitar a possibilidade de desistir. Para ser sincero, eu nunca havia pensado que fosse sentir tanto medo de uma missão fracassar.
Eu preciso fazer com que ela se sinta bem, mas também preciso sobreviver a isso.
- Você tem duas opções, Gael. Ou se entrega ao desejo de possuí-la ou desiste. - Levei um susto ao ouvir a voz de Akvan em meu apartamento.
- Você precisa aprender a bater na porta ou pelo menos precisa anunciar sua chegada. - disse, sem o menor sinal de paciência.
- Não tente mudar de assunto. Seu mestre te mandou nessa missão sabendo que você iria fracassar.
- É claro que não, o meu Senhor nunca faria isso. - respondi começando a me irritar.
- Não só faria, como fez. Me escute Gael, se você cair irá decepcioná-lo. Se você desistir, idem.
- Mas eu posso concluir minha missão sem cair. - o respondi exitante. Eu mesmo não acreditava mais nisso.
- Não, você não pode e sabe disso. Para sua missão ser concluída você precisa fazê-la sentir que é a mulher mais linda do mundo. Ela precisa se sentir desejada. E se você fizer isso, irá cair.
- Como você sabe de tudo isso? - curiosidade sempre foi algo que me incomodou, mas já era parte de mim, então.
- Eu sou o demônio da sensualidade e da sexualidade, queria que eu soubesse o quê? Como queimar papel sem fazer fumaça?
- Haha, engraçadinho. - disse revirando os olhos, o que já estava se tornando um hábito.
- Você precisa se decidir Gael. Há inúmeras legiões no inferno e a única que se interessa por você é a minha.
- E porquê tanto interesse? - arqueei as sobrancelhas esperando sua resposta.
- Você é um guerreiro poderoso e leal, seria útil num campo de batalha. Um anjo caído faz mais estrago que um demônio nascido. - respondeu minha indagação com a naturalidade de um humano que explica para uma criança o porquê de ela não poder olhar fixamente para o sol por muito tempo.
- Entendi. Olha, - respirei fundo e continuei. - eu preciso de um tempo para pensar. - eu não iria ceder a um demônio, só queria me livrar dele de uma vez.
- Te dou um mês terrestre para analisar minha proposta. Você irá aceitar, de um jeito ou de outro. - dito isso, desapareceu, deixando para trás o odor pútrido do inferno.
Só de pensar que teria que fazer uma faxina para tirar aquela inhaca do apartamento, meu corpo reclamava, pedindo descanso.
******
Duas semanas.
Já fazem duas semanas, que não falo com Ally e já fazem duas semanas que estou tentando voltar para o céu e simplesmente não consigo.
Fecho os olhos mais uma vez, na vã tentativa de abri-los e estar em casa, porém nada acontece.
Eu ainda ficava invisível, conseguia fazer teletransporte, conseguia voar e ainda possuía forças angélicas, eu apenas não conseguia voltar ao céu e nem ao menos sabia o motivo para isso estar acontecendo.
Numa prece silenciosa, num pedido desesperado e mudo de socorro, chamei por Rafael. Ele era meu irmão, precisava vir.
Alguns minutos se passaram e eu estava quase desistindo quando ele apareceu.
- Rafael! - corri a seu encontro e o abracei chorando, não sabendo quando a primeira lágrima havia invadido minha face.
- Gael, eu te avisei tantas vezes, por que você tem que ser tão teimoso?
Disse retribuindo meu abraço e fazendo um carinho protetor em meus cabelos.
- Eu nem sei o que aconteceu.. eu quero voltar para casa. Eu desisto, eu desisto... - disse por entre soluços.
- Você a desejou. Você a quer para si, meu irmão.
- Eu não.. - não havia como negar àquilo. Eu a queria mais que tudo, meu corpo clamava pelo dela todos os dias, mas eu já estava disposto a desistir, eu já devia poder voltar para casa.
- Gael, você sabe que não é tão simples assim. Ao primeiro sinal, você deveria ter recuado.
- Mas eu a desejei apenas uma vez, de verdade! Foi apenas uma vez, eu juro que foi apenas uma vez, eu juro, eu juro... - eu não conseguia mais ser coerente. Durante essas duas semanas, eu tentei me manter firme, porém a presença de Rafael abalou qualquer força que eu ainda possuía.
- Basta um tropeço ao lado de um precipício para se entregar a morte.
- Eu não quero ir para o inferno. - disse me soltando de seu abraço tão acolhedor, mesmo que quisesse continuar ali por toda a eternidade.
- Você não vai. Eu não vou deixar isso acontecer a você meu querido irmão.
- E como eu vou me livrar dessa condenação? Akvan me disse que não há maneira de cumprir minha missão sem cair e decepcionar o nosso Senhor.
- Akvan? - perguntou confuso.
- Sim, aquele demônio tem me atormentado sempre que pode.
- O que ele disse a você Gael? - perguntou me segurando firme pelos ombros e me olhando com olhar inquisidor.
- Que eu iria cair e que quando isso acontecesse, eu devia.. - com medo de sua reação, não consegui terminar a frase.
- Que você devia o quê, Gael? - sua voz estava começando a se alterar e eu me encolhi.
- Que eu devia me aliar a sua legião no inferno.
Ele me largou de repente e começou a caminhar em círculos em volta do sofá.
Ele passou quase uma hora em um silêncio agoniante e eu não conseguia fazer nada, a não ser observar.
Seus olhos estavam fechados, uma pequena ruga se formou em sua testa, sua boca se contraía conforme seu pé direito tocava o chão.
- Gael, qual foi a sua resposta? - perguntou abrindo os olhos de repente. Eu nunca havia visto aquele olhar nos olhos de meu irmão. Era um misto de ódio e indignação. Derrota e culpa.
- Eu disse que pensaria.
- E você pensou?
- Não, eu disse isso apenas para me livrar dele sem ser grosseiro.
- Já está ficando familiarizado com os costumes humanos, pelo que vejo.
Quando olhei para ele, completamente confuso, ele explicou:
- Os humanos têm essa mania idiota de usar a mentira como desculpa para tudo. Se não está afim de conversar, mente que está ocupado. Se não querem sair com alguém, inventam que já têm um compromisso. Usam desculpas esfarrapadas para tudo e isso é extremamente irritante.
Em meio ao desespero de ser condenado, eu me permiti rir daquilo. Ally me ensinou bastante coisas sobre os humanos.
Ally.
- Rafael, se eu fracassar nessa missão e for lançado no inferno, como a Ally vai ficar?
- Da mesma forma que está. O Senhor não mandará outro de nós. - respondeu simples, como se fosse óbvio.
- Ela vai continuar sofrendo então? - perguntei, sentindo algo estranho tomar conta do meu coração.
- Sim. Não se preocupe. O destino dela já estava traçado e não será você quem irá mudar isso.
- Então, anjo ou demônio, eu fracassaria da mesma forma? - perguntei, sentindo meus olhos arderem e meus punhos se fecharem com tanta força, que eu podia sentir minhas unhas perfurando minha pele.
- Sim, pensei que já soubesse disso. - disse com indiferença.
- Não, eu não sabia. - disse irônico.
- Bem, agora sabe. Felizmente você ainda não está condenado. Eu posso dar um jeito de você continuar na Terra.
- Mesmo assim eu não vou poder voltar para o céu então? - perguntei, mesmo sabendo a resposta.
- Obviamente não, mas isso pode ser temporário, se eu conseguir fazer o que estou pensando.
- E o que é? - perguntei, sentindo uma fagulha de esperança surgir em meu coração.
- Você pode ser um anjo caído sem precisar passar pelo inferno, mas vai ter que conviver com uma maldição.
- E que maldição é essa? - a esperança deu lugar ao medo e eu senti algo ruim no estômago.
- As pessoas vão te amar, vão te admirar, mas você não vai conseguir se amar. Vai apenas se sentir uma mera sombra ruim no mundo. Seu destino será permanecer sozinho.
- Talvez eu possa conviver com isso.
- Talvez sim.. eu vou providenciar as coisas necessárias para essa transição.
Eu estava tão assustado, que a única coisa que eu consegui dizer foi:
- Minha cabeça está doendo. Me deixe sozinho.
Fechei os olhos e quando os abri, Rafael já havia ido embora. Eu estava completamente envolvido pela solidão.
Sentei no chão, encostado na fria parede, que se comparava a meu atual estado de espírito.
Havia uma única pessoa a qual eu poderia recorrer e eu sequer sabia como ela estava.
*****Ally*****
- Ally, eu te avisei, você não pode confiar em qualquer um. Você o conheceu pela internet, qual a chance de isso dar certo? - Melissa falava sem parar enquanto eu me entupia de chocolates e chorava ouvindo músicas românticas.
- Eu me apaixonei, o que eu posso fazer? Arrancar isso do meu coração? Me ensina como fazer, que eu faço. - disse colocando a língua para fora, num óbvio sinal de maturidade.
- Não seja ridícula, Ally. Vocês se beijaram uma vez. Um selinho. E não se falaram mais depois disso. - ela respirou fundo e continuou - o ruim é que não dá pra chamar ele de canalha, porque ele sumiu depois de um beijo inocente, não de uma foda inconsequente.
- Mel, já chega. - pedi ficando com as bochechas vermelhas, imaginando o que ela diria se soubesse dos sonhos eróticos que eu andei tendo.
- Não chega, não Allyson! Você está sofrendo por achar que ama ele. E o Will? Onde fica nessa história?
- Eu não quero mais saber dele. Ele foi horrível comigo e também não me procurou.
- Você disse a ele para não te procurar.
- Mas ele não precisava me obedecer. - rebati rapidamente.
Dessa vez, ela colocou a língua para fora e enquanto eu fazia cara de ofendida, ela roubou um dos meus chocolates.
- Para de pegar minha comida, Melissa.
Antes que eu pudesse ter uma reação, ela veio para cima de mim e tomou minha caixa de chocolate inteira.
- Vagabunda. - em meio a risadas e uma bagunça de chocolates e travesseiros, meu celular tocou. O estúpido toque personalizado especialmente para o Gael.
Definitivamente era ele.
Peguei rapidamente o celular e li sua mensagem.
"Eu preciso te ver."
Apenas isso e meu coração quase saiu pela minha boca.
Melissa me olhava com curiosidade.
- É ele. Ele quer me ver. - de curiosidade à reprovação, ela balançou a cabeça.
E mesmo assim, mesmo sabendo que muito provavelmente eu quebraria a cara, ela me ajudou a me arrumar e a inventar uma desculpa para não precisar voltar para casa. Para todos os efeitos, eu iria para a casa dela. E se esse encontro com Gael não desse certo, eu sabia que Melissa me acolheria, fosse a hora que fosse.
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