Capítulo 1
******Gael******
Eu já havia lutado em inúmeras batalhas contra seres das trevas e estava presente na rebelião de Lúcifer.
Eu presenciei a morte do Filho amado do meu Senhor. Assisti todo o seu sofrimento em silêncio, mesmo sem entender aquilo.
Eu entendia que os humanos eram superiores a mim, eles podiam chamar o meu Senhor de Pai. Eu nunca pude fazê-lo e mesmo assim nunca me revoltei como Lúcifer fez.
Séculos se passaram desde minha última missão e quando meu Senhor me chamou, pensei que lutaria novamente numa batalha. Mas estava enganado.
- Gael, seu dever é proteger, como bem sabe. Eu preciso que você vá à Terra e cuide de uma garota que é muito especial. Eu tenho grandes planos para ela, mas a tristeza que ela sente a impede de perceber.
- O que eu preciso fazer meu Senhor? - indaguei um pouco confuso.
- Quero que você a ajude a entender que ela é uma boa menina. Ela precisa de uma dose de autoestima e precisa que alguém mostre isso a ela. Ela poderia conseguir sozinha, mas sofreria muito mais e eu não quero isso para ela. Aceita essa missão Gael?
- Com prazer, meu Senhor.
- Ótimo. Procure por Rafael, ele vai te dar as instruções necessárias. Você vai se sair bem, confio em você Gael.
- Eu agradeço meu Senhor. Até breve.
Disse e me retirei, não sem antes ouvir Emanuel começar uma pequena discussão.
- Pai, qual a necessidade disso? Eu realmente não entendo.
- Filho, em breve você entenderá.
E não ouvi mais nada.
******
- Você já esteve na Terra, como uma pessoa normal não é, Rafael?
- Sim. Eu ajudei Tobias com o pai e outras coisas que não convém conversármos agora.
- Certo. O que eu preciso saber?
- Os humanos são complicados. As mulheres então, nem se fala. - ele disse sorrindo enquanto mexia em alguns arquivos - Você descerá na forma humana, mas ainda terá seus poderes essenciais. Poderá lutar contra os demônios que assombrarem ela, mas não poderá, em hipótese alguma contar para ela o que você é. Ou estará condenado.
- Condenado? - perguntei assustado.
- Sim, condenado. E meu irmão querido - ele disse suave me segurando pelos ombros - você estará sujeito às emoções humanas. Cuidado para não cair em tentação.
- Eu terei cuidado, não se preocupe Rafael. Eu voltarei.
O abracei apertado e segui em direção a saída. Alguns dos meus irmãos se despediram e outros preferiram apenas sair de perto.
No momento em que abri minhas asas para descer, Miguel me interrompeu.
- Você não vai descer voando. Faça teletransporte, é mais seguro. - disse me alertando, provavelmente com medo de algum humano me ver.
- Tudo bem, Miguel. Até logo.
- Até logo, Gael.
*********
A sensação do teletransporte era sempre aterrorizante. Um frio horrível na barriga, uma pressão indescritível na cabeça e o vento em volta bagunçando meus cabelos, normalmente tão bem penteados.
Parei dentro de uma igreja e segui para o primeiro banco que encontrei.
Me sentei e comecei a pensar no que ia fazer.
Olhei em volta e observei a arquitetura da igreja, com suas colunas adornadas com imagens de anjos, um altar de mármore com candelabros de ouro o enfeitando. Pessoas entravam e saíam a todo instante e ninguém se preocupava realmente com o outro.
Foi quando eu a vi. Allysson. Eu não a conhecia, mas eu senti sua presença. Era uma bela garota. Baixinha e com cabelos dourados, um jeito aparentemente doce. Ela não havia me notado ali e eu me lembrei que estava invisível.
Anos sem vir a Terra me deixaram meio lerdo.
Ela era realmente perfeita. Ela olhou ao redor e se aproximou da entrada da pequena capela de adoração.
Ela não entrou. E eu ousei ouvir sua oração.
- Deus, eu não sou digna de pedir nada, mas quero te pedir que me ajude a entender os motivos pelos quais eu tenho sofrido tanto. Eu não mereço isso...
Parei de escutar quando vi lágrimas em seus olhos. Todos passavam por ela e ninguém sequer a cumprimentava.
Me aproximei e a vi se abraçar. O frio. Ela chorou mais, e então uma moça se aproximou.
- Minha pequena, vai ficar tudo bem. Há um anjo com você.
Fiquei intrigado com aquilo. Ninguém podia me ver. Mas àquela mulher podia. Quem era ela? Eu não sabia. Mas teria de descobrir.
Alguns instantes depois, Allysson saiu da igreja e eu a segui. Quando me aproximei novamente, vi que uma escuridão a envolvia.
Eu conseguia ouvir os sussurros daquela sombra, ela dizia que Allysson devia ir para outro lugar e não ir para o seu destino, no caso, a escola.
Ainda era cedo, ela passou pela escola. Olhou diversas vezes para o portão, como se pensasse no que fazer. E ela seguiu adiante. Bateu num portão e um rapaz alto e forte o abriu.
- Oi meu amor, pensei que não viria. - ele disse a olhando dos pés a cabeça.
- Eu também, mas oi Will. - disse se colocando na ponta dos pés e depositando um beijo apaixonado nos lábios do rapaz, que descobri se chamar Will.
Ela não parecia feliz. Ela não estava ali porque queria. Eu sentia seu sofrimento. E eu sabia que precisava fazer alguma coisa.
- Ally, eu vou te levar para o colégio, não tô me sentindo bem..
- O que você tem meu amor? Eu posso ajudar?
- Não, tudo bem.. eu vou te levar.
- Eu posso ir sozinha, não é tão longe daqui.
- Tudo bem.. me avise quando chegar lá. - disse e abriu novamente o portão para que ela saísse.
A sombra se pôs entre nós.
- Você se acha muito esperto não é mesmo Gael? Deixe ela, ela é minha.
- O meu Senhor precisa dela, eu vou protegê-la de tudo e de todos.
- O seu Senhor não é mais meu Senhor, já disse para deixá-la sozinha, ela é minha sua aberração.
- O que você é? Quem te mandou? - Perguntei com autoridade, engolindo o princípio de raiva que estava começando a sentir.
- Não importa, deixe a garota. - disse enquanto desaparecia lentamente.
Acompanhei o dia de Allysson na escola, e notei que ela era muito solitária, mesmo com tantos amigos ao seu redor.
Ao final de sua aula, ela se despediu dos amigos, seguindo para sua casa. A acompanhei durante todo o caminho e a ouvi cantando. Tinha uma voz tão doce e delicada, os mortais a chamariam de voz angelical, mas isso não faria sentido, já que nossas vozes são absolutamente normais. Aquela voz tinha uma divindade, tinha amor. Era única, entre tantas.
Quando chegamos em sua casa, ela abriu a porta, jogou a mochila no sofá da sala e começou a tirar a roupa. Eu fiquei chocado, nunca havia visto um corpo humano nu.
Ela retirou o sutiã como se ele a incomodasse, da mesma forma que um preso se incomoda com algemas.
Foi pra frente do espelho e começou a murmurar:
- Você é horrível, por isso não é feliz.
Ela estava vazia. Tão vazia que chegou ao ponto de pensar que a beleza lhe traria alguma alegria.
Enquanto ela tomava banho, eu pesquisei sobre ela na internet, levaria um tempo até eu me acostumar com aquele aparelho estranho, mas eu ia conseguir.
Encontrei seu perfil em várias redes sociais e criei um para mim também.
Seu aplicativo favorito era alguma coisa pad, fiz um perfil e entrei em um projeto onde ela havia acabado de entrar, talvez assim eu conseguisse conversar com ela, sem assustá-la.
Fui embora dali, deixando ela cantando no banho, eu precisava me estabelecer de alguma maneira, o corpo humano que eu possuía agora, precisava de comida e um bom lugar para ficar.
********
Já era noite quando ela apareceu no grupo, deu as boas vindas à mim e à uma outra jovem. Eu a respondi prontamente.
Simpática como eu havia previsto, ela logo puxou assunto e entramos numa animada conversa sobre personagens.
Mandei um áudio aleatório no grupo em que estávamos apenas para sentir sua reação ao ouvir minha voz.
E mesmo sabendo que era estupidamente errado, eu fiquei feliz quando ela disse que minha voz era sexy...
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro