Capítulo 9
Os detetives do Décimo Segundo Distrito chegaram a Rua King, 38.
Era uma viela cheia de árvores e de vida. As pessoas na Rua King pareciam ter sido tiradas de um filme. Do outro lado da rua, um homem jogava beisebol com o filho. Na calçada, algumas vendedoras de biscoitos disputavam para ver quem se livraria de empurrar o carrinho.
Harris e Reagan subiram as escadas do prédio e bateram à porta. Tudo estava no mais perfeito silêncio.
Menos de um minuto depois, Eleanor Lynn apareceu. Ela estava um pouco diferente do que Monica costumava se lembrar. O corte na testa agora havia se transformado em uma cicatriz, que, mesmo com a franja, ainda era parcialmente visível. O cabelo, que um dia fora comprido, agora estava pela altura dos ombros, com alguns fios grisalhos.
— Eleanor Lynn? — perguntou.
— Sim. Posso ajudar em alguma coisa? — falou, olhando para as duas pessoas diante dela. Franziu o cenho.
— Eu sou a detetive Reagan. Esse é meu parceiro, Ryan Harris.
Ryan balançou a cabeça, a cumprimentando.
— Podemos conversar?
— Claro — disse ela, e Monica percebeu que não estava se sentindo muito confortável. — Entrem, por favor.
Reagan e Harris a seguiram. O apartamento era pequeno, mas bem-arrumado. Tinha as paredes pintadas de alguma cor berrante que Monica não conseguiu identificar. Era pouco decorado, apenas com algumas plantas murchas, quadros e porta-retratos com fotos da dona da casa e do filho. Quanto ao resto, parecia um tanto... impessoal.
Eles se sentaram em duas poltronas verdes, de frente para a senhorita Lynn. Ela balançava as pernas, inquieta.
— Eu fiz alguma coisa? — falou, de súbito.
— Ah, não! — disse Harris. — Só queremos saber qual era a sua relação com Dalila Littlejohn.
Ela deu um suspiro, sentindo como se um peso saísse de si.
— Eu estava negociando a venda de alguns exemplares de Agatha Christie com ela. Meu pai faleceu, estamos tentando decidir o que fazer com as coisas dele. Era um fã incondicional dos livros da autora — deu um suspiro. A frase "meu pai faleceu" ainda soava estranha para ela.— Aconteceu alguma coisa?
— Dalila Littlejohn está morta. Foi assassinada — disse Monica, estudando as expressões faciais de Eleanor Lynn.
Ela viu os olhos da mulher sentada a sua frente ficarem arregalados. Havia sido tomada pela surpresa.
— Meu Deus, pobre Dalila! — disse, levando as mãos a boca, em sinal de espanto.
— Você chegou a se encontrar com ela no dia marcado? Vimos o compromisso na agenda — indagou Harris. Monica permanecia em silêncio, se questionando se Eleanor se recordava dela.
— Sim, a gente se encontrou em uma cafeteria próxima a livraria. Ela falava um pouco demais, mas tirando isso, não vi nada estranho.
— Ela parecia nervosa ou preocupada com alguma coisa?
— Não, pelo contrário! Estava feliz de que as coisas estavam indo tão bem. Nunca achou que gostaria tanto de trabalhar em uma livraria. Ela me disse que antes era assistente de um consultório médico.
— Hum. Entendo. E ela não recebeu nenhum telefonema estranho, ou coisa assim?
Eleanor franziu o cenho. Tentava rememorar o dia que havia encontrado a senhora Littlejohn. Fazia pouco mais de três semanas, mas a memória humana era traiçoeira, e mesmo acontecimentos recentes poderiam se perder em meio a uma multidão de lembranças.
— Na verdade, a gente estava comentando sobre os livros da Agatha Christie, quer dizer, um livro, chamado "Elefantes Não Esquecem". Dalila disse que era como elefantes, nunca esquecia um rosto. Tinha visto uma mulher entrar na livraria e tinha certeza de já tê-la visto em algum lugar. Mas não sei se isso é relevante ...
Os detetives se entreolharam.
— Ela deu alguma descrição da aparência da mulher?
— Disse que ela tinha cabelo vermelho, e ela podia jurar que usava peruca. Mas tirando isso, não mencionou mais nada.
— Vocês ficaram na cafeteria até que horas?
— Até as 16:30. Ela disse que precisava resolver algumas coisas e que o marido chegaria de viagem mais tarde. Ele era entregador, ou alguma coisa assim.
Harris terminou de fazer suas anotações.
— Bom, senhorita Lynn, acho que você nos ajudou mais do que pode imaginar, obrigado! — disse Harris, se levantando e indo em direção a porta.
— Ryan, você pode me esperar no carro, eu vou ter que usar o banheiro — falou, de súbito, a detetive Reagan.
Ele fez uma cara de dúvida, se despediu de Eleanor e saiu.
— O banheiro fica na segunda porta a direita — falou a dona da casa.
— Ok.
Monica foi até o banheiro. Não queria usar o vaso. Só queria que o nervosismo passasse. Lavou o rosto e encarou a si mesma no espelho.
Se sentia uma farsa.
Não.
Era uma farsa.
Deu a descarga e saiu. Na parede próxima ao corredor ela viu uma foto. Eleanor e o filho. Os dois sorriam um para o outro.
— Obrigada.. Eleanor — falou. A outra mulher a encarava. Não tinha expressão alguma. — Como você tem passado?
— Bem. E você?
— Bem também.
Era uma conversa comum, e ao mesmo tempo, parecia carregada de segredos de ambos os lados.
Quando a detetive Reagan se despediu, Eleanor desabou no sofá, tentando digerir o que estava acontecendo. Se Dalila Littlejohn estava morta, então as engrenagens haviam mesmo começado a girar.
Tomou um susto ao ter sua atenção desviada pelo telefone que tocava sem parar.
— Alô?
— Oi, Ellie, eu estou esperando — disse Betty, do outro lado da linha, parecendo mais ansiosa do que o normal. — Vê se não se atrasa, hein?
───────•••───────
Catherine Dawson olhou para o homem a sua frente. Ele devia ter em torno de 43 anos, ela não se lembrava ao certo. Usava um casaco azul-marinho, calças pretas e sapatos impecavelmente lustrosos. Olhava para ela também.
— O caso de John vai se reaberto — falou. As sobrancelhas do homem ficaram levemente arqueadas. Ele se inclinou para a frente. O violinista havia chegado ao refrão e parecera ter se empolgado.
— E como você está se sentindo? — perguntou. Fumava um charuto cubano. A fumaça emanava de sua boca como névoa.
— Eu não sei, pra falar a verdade. Depois de 4 anos você fica meio sem expectativas, sabe? Thomas, quando eu recebi aquela notícia... o meu mundo acabou. Eu tive esperança de que o caso seria resolvido, que tudo voltaria a ser como era, mas... eu me perdi no meio do caminho. Agora, estou tentando me reencontrar. Estou até escrevendo outra vez! — ela disse, e Thomas Spillman não sabia dizer se era a meia luz das velas, mas ela parecia a perfeita descrição de Afrodite. — Tudo bem que é um romance clichê sobre amor entre vizinhos, mas já é alguma coisa, entende? Me dá calafrios só de pensar em voltar para aquele buraco escuro onde eu estava...
Thomas assentiu, e passou os dedos levemente pela mão dela. Viu sua bochecha corar.
— E por que vai ser reaberto? Alguma nova evidência surgiu? — o homem perguntou. Seus olhos estavam fixos em Catherine, mas ela não o encarou de volta. Nesse momento, ele pensou na saudade que sentia do toque dos lábios dela nos seus.
— A corredora que o encontrou foi achada morta. Eles acham que tem alguma conexão entre os casos. Sinceramente, não sei o que esperar.
— Eu sinto falta dele — disse Thomas Spillman. — Penso nele quase todos os dias. Fico imaginando as coisas que ele faria, suas ideias mirabolantes. Ficaria maluco se soubesse que conseguimos uma fatia do mercado asiático!
— Ficaria mesmo! — falou Catherine.
— Ele amava você, Kate. Eu sei que soa quase piegas dizer isso, mas ele te amava do fundo do coração. Se arrependia de muitas coisas, mas jamais se arrependeu de ter ido naquela sessão de autógrafos. Disse que foi o dia mais lindo da vida dele. Era um romântico incurável! — falou Thomas. Por alguma razão, se sentiu desconfortável ao dizer aquelas coisas. Não porque eram mentira. Mas por que ele próprio também havia se apaixonado por Catherine Dawson.
Havia sido há muito tempo.
Logo depois que John falecera, a empresa estava em um impasse. Catherine, pela ordem natural dos fatos, seria a herdeira de John na empresa, mas ela não tinha interesse nisso e tampouco conhecimento.
Era para ser apenas jantares de negócios, decisões sobre o rumo da empresa, mas Thomas Spillman se apaixonou por ela. Ele se sentia um idiota. Seu melhor amigo havia sido assassinado, e aquela era a viúva dele, mas não pode evitar. Conseguiu ver todas as coisas que John lhe falara. Os olhos atentos, a expressão que ela fazia quando estava com uma ideia. Mesmo em meio a dor profunda que era tão visível em seus olhos, ainda era linda.
Thomas Spillman lutou contra seus sentimentos. Lutou contra o frio na barriga que ele sentia toda vez que estava com ela. Lutou com todas as forças, mas sentia que a paixão lhe consumia dia após dia. Se sentia um tolo. Um idiota. Um apaixonado.
Depois de algumas doses de uísque, não pode resistir a tentação de beijá-la. Pensou que ela o rejeitaria, que sentiria nojo, mas sentiu dentro de si a êxtase do beijo correspondido. O corpo de Catherine próximo ao seu, o cheiro do perfume cítrico, o toque da pele macia.
Mas então, ela o afastou.
Disse que aquilo era errado, que a memória de John precisava ser preservada, e que ela não se sentia pronta para outro relacionamento.
Desde então, Thomas Spillman havia decidido tirar Catherine Dawson de sua mente. Ela tinha razão. Era uma loucura. Uma insanidade total. E era disso que ele estava tentando lembrar a si mesmo naquele momento.
— Eu também o amava. John foi o único homem que amei, Thomas... — ela falou, e as palavras foram para ele como fel. — Acho melhor eu ir.
— Você não quer ir para outro lugar? — perguntou, e ela sentiu um arrepio percorrer a espinha.
— Eu sinto muito, Thomas. Preciso ir. Amanhã tenho uma reunião cedo na editora — falou, pegou a bolsa e se levantou. Ele a agarrou pelo braço.
— Eu também sinto sua falta, Catherine.
Ela balançou a cabeça e se desvencilhou dele.
— A gente se fala.
Thomas a encarou. Queria que ela dissesse que também sentia a falta dele. Queria, precisava, que ela dissesse que eles poderiam tentar.
Mas ela não fez nada além de desaparecer na multidão.
───────•••───────
Eleanor entrou no pequeno restaurante. Era um lugarzinho aconchegante, com mesas de madeira e toalhas floridas, perdido em uma viela cheia de outros restaurantes italianos iguaizinhos a ele. Seus olhos percorreram as mesas até achar sua irmã. Caminhou até ela, a cumprimentou com um beijo e se sentou.
— Me desculpa pelo atraso, você não vai acreditar no que aconteceu — falou, colocando a bolsa sobre a mesa. — Lembra da mulher dos livros? Foi assassinada!
— Meu Deus! E porquê?
— A polícia ainda não sabe. O meu nome estava na agenda dela e vieram até a minha casa para saber se eu tinha alguma informação.
— E o que você disse? — perguntou Betty, os olhos verdes arregalados, enquanto bebia uma pink lemonade.
— A verdade. O que mais eu diria? — sorriu Eleanor, um sorriso mais nervoso do que sincero. — Como você está?
Betty suspirou. Aquela era uma pergunta difícil. O pai delas havia morrido há pouco mais de dois meses e os sentimentos ainda estavam confusos.
— Bem, na medida do possível. Não sei exatamente como me sentir. Sinto que deveria ter dado mais atenção a ele, mas era o nosso pai, você sabe como ele era. Nunca falava nada além do que era necessário. Hoje eu me pergunto se não deveria ter me esforçado mais.
Eleanor deu de ombros.
— Se você está arrependida, imagina eu...
Betty assentiu.
— E como está a mamãe? Ainda segue sendo a valentia em pessoa?
— Pra falar a verdade, eu acho que a ficha dela ainda não caiu. Fica falando sozinha pelos cantos. Esses dias eu a flagrei perguntando para o papai se ele achava que a comida estava sem sal. Nick e eu estamos pensando em levá-la no psiquiatra. E acho que ela ficaria feliz se você fosse visitá-la.
Eleanor suspirou. Nesse momento, a garçonete anotou os pedidos. Um prato de rondellis e um prato e fettuccine ao molho pesto.
— É complicado... — disse, por fim.
— Eu sei que é complicado pra você, Ellie, mas ela é a sua mãe. Você não pode guardar rancor pra sempre. Vai ficar com uma úlcera.
Eleanor riu. Nunca soube definir seu relacionamento com Betty. Elas tinham apenas 3 anos de diferença, mas as vezes Eleanor achava que era quase trinta. Betty era alegre, decidida, tinha dentro de si uma felicidade que não se compra em lugar algum. Eleanor era apenas... Eleanor.
— Se eu ficar com uma úlcera, prometo que você vai ser a primeira a saber. Mas falando nisso, como está o Nick? Ainda não enlouqueceu com a vida de casado?
— Engraçadinha. Não, ele não enlouqueceu. Mandou lembranças, disse que está com saudades do seu humor ácido. Mas me conta uma coisa, e aquele gato que foi com você no casamento? Rolou alguma coisa? Algum beijinho? Algum pedido de casamento inesperado?
Eleanor rolou os olhos. Betty havia se casado 7 meses antes. Não queria a tia Nancy chamando Eleanor de encalhada, de modo que implorou para a irmã ir acompanhada, caso contrário, arranjaria um dos amigos de Nick para ser o par dela.
Eleanor convidou Mike.
Dos males o menor.
E agora, ainda estava tendo que lidar com as importunações de Betty sobre Mike ser seu par romântico.
— Aquele "gatinho" — disse ela, fazendo sinal de aspas com os dedos — não quer nem saber que eu existo, Betty. Somos só amigos. Amigos. Nada mais do que isso.
— Ellie, você acha que eu nasci ontem? Todo mundo viu o clima que rolou entre vocês... pareciam dois pombinhos —provocou, fazendo sinal de coração com as mãos.
— Betty, todo pombo que apareceu na minha vida foi só pra fazer cocô na minha cabeça. Acho que Mike não me vê como... mulher. Eu gosto do que a gente tem agora, não quero estragar com sentimentalismo — ela falou, colocando os cotovelos sobre a mesa. — Acho que só me cansei, sabe? Cansei de criar expectativas e só me ferrar.
Betty balançou a cabeça.
—Você está certa. Acho que é a hora de focar em você, na sua vida. E claro, no seu sobrinho que está por vir...
Eleanor afastou o prato. Olhou para a irmã.
— Não me diz que...
— Aham! — respondeu, em um sorriso largo.
— Ah Meu Deus... Betty! Meu Deus, você vai ser mãe! — falou, e se levantou para abraçá-la. — Eu vou ser titia!
— Sim, Ellie! Eu estou tão ansiosa, você não faz ideia! Nick está subindo pelas paredes de tanta alegria. Eu vou ser mãe, Ellie...
— Eu sei. E estou tão feliz por você!
Era verdade. Ainda assim, ela se questionou por que derramou algumas lágrimas enquanto voltava para casa.
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