Capítulo 10
O detetive Ryan Harris fazia movimentos de quem estava batendo em alguma coisa.
— O primeiro golpe foi o mais leve. Dalila conseguiu escapar, mas já estava ferida. A trilha de sangue vai até o segundo andar e para. Ela foi alcançada. Deve estar tonta, tenta se segurar em alguma coisa. Segura os livros, mas eles não oferecem sustentação e são derrubados. O assassino a encontra e desfere o golpe fatal. Bam! Ela cai no chão e ele foge — disse Monica, fazendo uma reconstituição mental da cena.
— Você não quer voltar do começo? Eu acho que preciso de um café antes de continuar.
— Vai lá, eu fico esperando você — falou ela, olhando para o quadro de evidências diante de si. Em primeiro plano, uma fotografia de Dalila Littlejohn.
Encostou-se na mesa, os braços cruzados. O que Dalila sabia? Lembrou-se da menção que tanto o marido quanto Eleanor fizeram de uma mulher. Seria a desconhecida a culpada? A morte de Dalila teria mesmo algo a ver com John Traynor e com o que ela viu?
Se recordou do livro mencionado, "Elefantes Não Esquecem". Dalila era um elefante.
— Tá, vamos continuar — disse Harris, enquanto assoprava a xícara de café. — As 17:30 Dalila é assassinada. O marido a encontra as 8. A porta da frente está entreaberta. Ele mexe o corpo, está desesperado e tenta reanimá-la, mas percebe que não há nada que possa ser feito. A polícia recebe a chamada as 8:12.
— O exame toxicológico indicou alguma coisa?
— Nada. Estava limpa como uma beata.
— Eu fiquei pensando na mulher. Combina com os fios sintéticos encontrados na cena.
— Alguma chance de essa ter sido a mulher que ela viu no dia do assassinato de John? Elas podem ter se encontrado por acaso e a mulher ficou com medo de que ela abrisse a boca.
— Eu acho que nós temos que nos concentrar na personalidade de Dalila Littlejohn — falou Monica. — O que nós sabemos sobre ela? Uma mulher falante, que troca as mãos pelos pés. Tem uma livraria, o que lhe dá a chance de conversar com muitas pessoas distintas. Mais do que isso, foi a primeira a encontrar um homem morto. Não duvido que não tivesse uma placa dizendo isso em algum lugar.
— Ela pode ter falado mais do que deveria para algum cliente?
— É uma possibilidade. A livraria tinha algum registro do nome do comprador?
— Só para vendas on-line. Na loja, a etiqueta do livro era registrada no sistema e o pagamento era efetuado, nada mais além disso.
— Tinha algum funcionário?
— Não. A livraria era pequena e Dalila gostava de ter o controle sobre tudo o que acontecia.
A detetive Reagan olhou mais uma vez para a foto da agenda de Dalila Littlejohn. O nome de Eleanor Lynn.
— E ainda temos esse encontro... — disse ela, pensativa.
— Você acha que a moça escondia alguma coisa? O relato me pareceu autêntico. E o marido de Dalila reportou que encontrou mesmo alguns exemplares de livros novos.
— Eu sei. Mas ainda assim tem algo ali que não me cheira bem. — Monica fez uma pausa. — Você viu os porta-retratos na casa dela?
— Acho que me lembro de ter visto alguma coisa. Se não me engano era a foto de um garoto, certo? Mas não vi sinais de que uma criança more na casa.
— É o filho dela. Morreu há 6 anos, em um atropelamento com fuga. Eu cuidei do caso.
Harris olhava pra ela, esperando pelo grand finale.
— Sabe quem foi o principal suspeito do atropelamento? John Traynor.
Os olhos dele se arregalaram. Parecia ter visto um fantasma.
— Agora entendo por que você está tão encucada. Eu nunca tinha ouvido falar nesse assunto. Quem fim deu o caso?
Monica estremeceu. Pensou rapidamente, escolhendo cuidadosamente quais partes omitiria.
— O carro dele havia sido roubado dois dias antes. Nunca encontramos o sujeito. Ela até tentou lutar por justiça, mas acho que só se cansou. No começo, vinha quase que diariamente a delegacia. Acho que levantou um dia e simplesmente desistiu. O caso não foi para a mídia, especialmente porque John foi logo descartado como suspeito. Se isso tivesse se espalhado, me pergunto se ele teria se destacado tanto... — falou, como se ela própria não tivesse ajudado a consumir com as provas. — Nunca mais tinha ouvido falar nela até ver o nome na agenda de Dalila Littlejohn. Fiquei imaginando se havia alguma ligação.
— Você não acha que...?
Dessa vez, foi Monica quem se surpreendeu. Nunca havia imaginado qualquer conexão com Eleanor Lynn, mas agora, parecia quase saltar aos seus olhos.
— Que ela matou John?
— Quer dizer, ela tem, pelo menos, um motivo plausível. E se ela não acreditou na história que a polícia contou? E se achou que John Traynor foi sim o verdadeiro culpado pela morte do filho? A gente nunca entende a mente humana, Monica. Foi você mesma que me ensinou isso. Tá aí o Berkowitz pra mostrar que nenhuma motivação é absurda demais — falou ele, se referindo a David Berkowitz, famoso serial killer dos anos 70, que alegava ser ordenado por um demônio, que assumia a forma do cachorro dos vizinhos. — Você acha que ela pode ter sido a mulher que foi até a livraria?
— Eu não sei.
Seria Eleanor Lynn capaz de assassinar a sangue frio Dalila Littlejohn?
— Acho que deveríamos deixá-la em uma lista de interesse —concluiu Monica. Pensava no que o marido de Dalila dissera. São os pequenos contratempos...
— Imagina só. Eu sou Eleanor Lynn. O meu filho é atropelado e o principal suspeito é um empresário rico e bem sucedido que evidentemente não quer se queimar. A polícia me diz que o carro foi roubado e teve a placa adulterada. Mas será mesmo? Eu imagino que John Traynor deveria ter os recursos para silenciar quem quer que fosse. Então, chego a conclusão de que a justiça não virá por meio da polícia. Decido então obtê-la com as minhas próprias mãos. Dois tiros nele, e bum! Problema resolvido.
— A história é ótima, Sherlock. Mas tenho algumas dúvidas — completou Monica. Harris agora estava andando de um lado para o outro, visivelmente tomado pela emoção. Ele parecia o próprio Hercule Poirot, encantado com as "células cinzentas".
— Diga, minha cara Watson.
— Qual a conexão com Dalila Littlejohn?
— Dalila pode tê-la visto na estrada. Lembre-se que ela tinha certeza de que uma mulher estava falando com ele. Quem garante que as coisas não saíram do controle? — ele fez uma pausa, como que para recuperar o fôlego e prosseguiu. — Dalila pode ter completado a volta antes de que Eleanor pudesse sair do local. De modo que, algum jeito, ela teve que dar. Pode ter se infiltrado na multidão. Não é incomum que um assassino se camufle na esperança de se passar como um transeunte.
— Sabe, Harris, você me fez pensar... coloque o casaco, nós vamos dar uma voltinha.
Ele a olhou pensativo.
— Eu já disse que tenho medo quando você faz essa cara?
— Já disse, muitas vezes — ela falou, sorrindo.
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— Muito bem, você é Dalila Littlejohn. Vá ao começo da estrada e aguarde o sinal — disse Monica para Harris. — Quando eu sinalizar, comece a correr. Eu vou contar o tempo.
— É você quem deveria estar aqui, sabia? — falou ele, o cabelo sendo desgrenhado pelo vento.
— Sinto muito, eu estou usando salto alto!
Eles estavam outra vez na cena do assassinato de John Traynor. A estrada estava calma, com apenas algumas pessoas caminhando e um casal de idosos passeando com o cachorro. O sol da primavera era agradável, e o florescer tornava a paisagem ainda mais bonita. Bonita demais para uma cena de crime.
Monica deu 5 passos, chegando ao ponto onde ele havia sido encontrado. Ela jamais esqueceria aquele lugar. Lembrava-se do choque, daquele nome ressurgindo em sua vida como um fantasma. Olhou para o chão. Podia jurar que ainda haviam ali alguns resquícios de sangue. Pegou o comunicador.
— Ok, pode vir. Mas lembre-se, você é uma garota que odeia exercícios, então não precisa vir tão rápido. E tente prestar atenção em mim.
— Ok — respondeu ele.
Monica se afastou. De onde estava, não conseguia vê-lo. Estendeu as mãos para a frente, simulando um tiro.
Olhou ao redor. Os idosos a observavam assustados. Ela balançou a cabeça e mostrou o distintivo. Eles seguiram o caminho. Quando desapareceram na curva, ela pode ver a imagem de Harris. Estava esbaforido.
Ele chegou até ela, e colocou as mãos nos joelhos. Ela conseguia ver o brilho de suor na testa dele. Parou o cronômetro. Dois minutos e cinquenta e seis segundos.
— Me lembre de fazer mais exercícios, ok? — falou ele, tentando pegar mais ar.
Monica sorriu. Gostava do seu bom humor.
— Você conseguia me ver?
— Em alguns momentos, sim. Tem uma árvore no meio do caminho que bloqueia a imagem de maneira quase estratégica. Eu nem duvidaria se o próprio assassino a tivesse plantado aqui — falou, e riu da própria piada. — O tiro foi a queima roupa, não foi?
— Sim.
— Dalila só conseguiria ver uma imagem recortada de John e da mulher, mas não conseguiria ver a arma. Quando chegasse aqui, só encontraria ele, sem sinais de outra pessoa. Ela estava com fones de ouvido, não estava?
— Se não me engano, sim.
— A música ajudaria a mascarar o tiro. Sem falar que pode ter sido usado um silenciador.
Monica olhou para a roupa dele. Usava calça jeans, jaqueta preta com a insígnia da polícia e um boné. Claramente não estava preparado para correr.
— Qual é a melhor maneira de se misturar em meio a multidão? — perguntou ela, os olhos comprimidos por causa da luz do sol.
Ele a encarou. De repente, uma luz se acendeu em seu cérebro.
— Ah meu Deus! É claro! A pessoa só poderia estar usando roupa de corrida! — exclamou empolgado, pegando a charada no ar. — Claro, assim todo mundo acharia que era só mais um corredor. No meio do burburinho que se formou, ninguém estaria prestando atenção, mesmo que fosse um total desconhecido. Achariam que era só mais um e assim a pessoa nunca seria identificada.
— Só que essa pessoa cometeu um erro. Falou com John. — disse Monica, orgulhosa de sua dedução.
— E Dalila Littlejohn estava lá para ver tudo...
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De volta ao prédio do Décimo Segundo Distrito, Monica e Harris analisavam o quadro de evidências. Circulado com caneta vermelha, o nome de Eleanor Lynn, acompanhado de um ponto de interrogação.
— Fico me questionando até que ponto a conversa de Eleanor com Dalila foi real — falou Harris, com as mãos cruzadas atrás da cabeça. — Será que os livros não foram só uma cortina de fumaça para sondar o que ela sabia?
— É possível. O assassinato de Dalila não foi premeditado. Pareceu mais o ato de alguém desesperado, que precisa resolver um problema de última hora.
— Não seria difícil Eleanor segui-la até em casa depois do encontro. Para confrontá-la, talvez?
A detetive Reagan tamborilava os dedos na mesa.
— O que pode ter apavorado Eleanor? A menção da brilhante memória de Dalila? O medo de ser reconhecida como a assassina de John?
— Imagina que você cometeu o crime perfeito. Nada aponta para você. Seu plano de vingança ocorreu como deveria ter ocorrido. Então, do nada, você entra em uma livraria. Você reconhece a atendente, lembra dela como sendo a primeira a encontrar o homem que você matou. Mas você não se importa. Já faz tempo, ninguém mais se lembra do assunto. Mas ela se lembra...E pior ainda, lembra do seu rosto, O que mais ela lembra?
— Só que aí entramos em um impasse. A mulher que foi reconhecida por Dalila Littlejohn era ruiva, e você viu que Eleanor Lynn tem cabelos escuros.
— Uma peruca não é algo tão difícil assim de se obter. Você pode encomendar pelo E-Bay hoje e amanhã mesmo já estará com ela.
— Mas para isso, ela precisava saber a ocasião correta para colocar a peruca. Se fosse aleatório, então provavelmente estaria com a aparência normal.
— Você tem um ponto — ele deu um suspiro. — Eu amo o que faço, mas as vezes me questiono porque não me tornei médico como o meu pai. Essas perguntas sem resposta me deixam louco!
— Calma, gafanhoto. Se você soubesse como progredimos, estaria levantando as mãos para o céu. Na verdade, você me guiou para uma direção totalmente nova, Harris. Obrigada.
Ele assentiu, encarando-a. Os olhos dela pareciam olhar para o nada.
— Mas você não parece tão feliz assim, Monica.
— Agora que Eleanor Lynn está na nossa lista de interesse, não consigo deixar de me sentir um pouco culpada. Digo, se eu tivesse encontrado o cara que matou o filho dela, talvez ela não tivesse feito o que fez...
— Primeiro, nós estamos apenas supondo. Sei que estou me empolgando, mas tudo o que nós temos contra ela é apenas um nome em uma agenda, e isso não é nenhum crime. Segundo, se ela for mesmo a culpada, você pode dormir com a consciência tranquila. Tenho certeza que você fez tudo o que pôde para encontrar quem atropelou o filho dela. Você não é responsável pela maneira como as pessoas decidem lidar com suas frustrações, Monica — ele sorriu, e passou os braços em volta do ombro dela. — Você é a detetive mais incrível que eu conheço, Monica Reagan. Sabe disso, não sabe?
Ela balançou a cabeça.
— Nós vamos pegar esse desgraçado, seja Eleanor Lynn ou qualquer outro infeliz. Acho que agora o melhor que a gente faz é ir para casa, descansar a cabeça e voltar com a corda toda amanhã.
— Obrigada Harris — disse ela. — Sinto falta do Milles, mas também estou feliz por você ser meu parceiro.
Ele deu um soquinho na mão dela.
— Somos uma dupla e tanto, Watson!
— Eu sei, Sherlock.
Naquela noite, Monica Reagan não conseguiu dormir outra vez. As palavras de Ryan Harris ecoavam em sua cabeça.
Tenho certeza que você fez tudo o que pôde...
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