6. Not Alone
Clara parou de zapear pelos canais e largou o controle remoto sobre o sofá. Especial de natal, cantores com músicas natalinas, programas especiais de natal, promoções de natal, natal, natal e parecia não haver mais nada além disso na TV. Acabou deixando no especial de natal de uma série qualquer e pegou a xícara de chá da mesinha de centro, bebendo um gole. Esfriou em questão de minutos. Mas o que poderia fazer, se estava tudo frio, dentro e fora de casa?
Esticou as mangas da blusa de pijama e pegou o celular. Nenhuma mensagem, nenhuma notificação, absolutamente nada. Bem, seus amigos deveriam estar ocupados com suas ceias. Quem mais poderia fazer companhia a ela numa noite solitária como aquela?
Deprimente.
Clara preferia estar no quarto de hospital na companhia de sua avó. A pobre senhora tivera uma forte pneumonia na última semana, que, para alívio de todos, estava quase curada. Porém, os médicos não dariam alta até a tarde do dia seguinte. Seria um dos piores natais para os Oswald’s. Clara ficaria a noite inteira com a avó no quarto sem graça do hospital, se o pai não tivesse a mandado embora para casa para descansar. Ela estava exausta, foi sua justificativa. E estava mesmo, não dava para negar.
Era triste de pensar que o pai passaria o natal com a própria mãe em um quarto de hospital. Mesmo se ainda fosse casado com Linda, não duvidava nada que ela preferiria estar em qualquer lugar que não fosse lá. “Mulher insuportável”, Clara pensou, colocando o celular de lado.
No ambiente não havia som algum que não fosse as vozes baixinhas vindas da TV. A professora deixaria ligado até que adormecesse, para oferecer algum ruído branco.
Deprimente.
Ela estranhou quando ouviu um som agudo e estridente, ininterrupto. Mas conhecia muito bem aquele barulho, então, logo se animou. Repentinamente, uma cabine de polícia começou a tomar forma bem no canto de sua sala de estar. Clara abriu um sorriso. É claro, havia uma pessoa que não a deixaria sozinha naquela noite.
A Tardis se materializou completamente e a porta foi aberta, com a cabeça de cabelos grisalhos do Doutor e as sobrancelhas expressivas dando o ar da graça. Ele as franziu em estranheza e pisou no carpete da sala.
— O que você está fazendo aqui? É véspera de natal, não é? — perguntou primeiro, percebendo que o especial ainda passava na TV.
— Eu poderia te perguntar a mesma coisa, sabe? — Ela cruzou os braços, desafiando-o.
— Errei o dia. Era para ter parado na noite do dia vinte e seis, não do vinte e quatro. — Clara desligou a TV e calçou os chinelos, passando pelo Doutor e entrando na Tardis. — O que você está fazendo sozinha? Onde está sua família? — Sucedeu com perguntas, também entrando na cabine de polícia e fechando a porta. — Você está uma bagunça — finalizou e Clara parou de rodar pelo console.
— Obrigada — ela respondeu com ironia. Certo, a convivência com o Doutor estava fazendo-a adquirir alguns hábitos. Ironia era um deles.
— Eu planejava levá-la à feira do Tâmisa, em 1814. Se você quiser... — disse, ajustando coordenadas e puxando alavancas.
— Aquela com o elefante no rio congelado? — o Doutor assentiu à pergunta. — Vou trocar de roupa, já volto. — Correu degrau acima para a entrada do corredor.
— Escolha roupas quentes, você vai precisar — o senhor do tempo ainda teve tempo de alertar, antes que a professora sumisse pelos corredores sem fim.
Quando parecia que uma eternidade havia se passado — mas na verdade não foram mais do que quinze minutos —, Clara ressurgiu na sala de controle, com um enorme sobretudo até perto dos joelhos e encapuzada até onde podia.
— Assim serve? — questionou e o senhor do tempo sorriu, descendo uma alavanca e finalmente fazendo a cabine de polícia materializar.
— Perfeito. — Clara sorriu amplamente com a resposta e precipitou-se para a porta. — Faça as honras, Srta. Oswald — ofereceu, seguindo logo atrás dela.
Ao pisar do lado de fora, Clara esperava ser saudada por todo tipo de pessoa, berrando, correndo, anunciando coisas, rindo e se divertindo. Uma algazarra organizada na conhecida feira do Tâmisa. Porém, o exterior recepcionou-a apenas com assobiar do vento gelado de dezembro. Na praça iluminada pela pálida lua invernal não havia uma viva alma sequer.
— Onde está todo mundo? —a professora inquiriu, saindo da cabine de polícia e afundando a bota na neve fofa. Seus olhos varriam a via por um movimento que fosse.
— Acho que errei o dia... — o Doutor passou a mão pelos cabelos e respirou fundo, tentando adivinhar a data pelo aroma impregnado no ar. — É véspera de Natal.
— Como você sabe?
— É difícil de errar com esse cheiro de peru assado. — O Doutor também saiu da Tardis, encostando a porta e colocando as mãos nos bolsos do casaco.
— O que é aquilo lá? — Clara apontou para uma caixa de papelão à distância. — Parece que está se mexendo.
O senhor do tempo prontamente caminhou na direção apontada e a companheira seguiu-o. A caixa estava com a abertura virada para baixo, iluminada pela luz que vinha da janela de uma casa qualquer. Vozes indicavam a comemoração dentro da residência. O Doutor levantou o papelão, revelando duas pessoas pequeninas abraçadas uma à outra. A maior era uma menina loira, aparentando não ter mais do que uns oito anos. A menor não parecia muito humana, com seu corpinho peludo e olhos violetas que se dilatavam feito pupilas de um felino.
— Vocês não deveriam estar aqui nesse frio — o Doutor alertou. — Podem pegar uma hipotermia.
— Não temos escolha, senhor — a menina respondeu, enquanto a outra abraçava-a mais. — Não temos para onde ir.
— E não há ninguém que possa acolher vocês? — Clara inquiriu, suavizando a voz para um tom dúlcido. Ela sorriu, tentando passar confiança para as duas.
— Minha nave quebrou e meu comunicador também, não consigo mandar uma mensagem para alguém do meu planeta — a menor respondeu com uma voz extremamente aguda e cristalina como gelo. Mesmo que fosse óbvio que ela não pertencia à Terra, ali foi sanada qualquer dúvida. — Dalila me deu espaço na caixa de papelão dela, mas não serve muito para proteger do frio. Ela disse que os pais dela morreram de tifo e que planejava ir para a casa da tia em Glasgow, mas não tem dinheiro para comprar uma passagem de trem — a alienígena contou, sem filtro e receio algum de expor a situação delas para dois estranhos.
O Doutor e Clara se encararam por breves instantes, em uma comunicação silenciosa.
— Nós podemos levar vocês pra casa. Não podemos, Doutor? — Clara questionou e os olhos das crianças brilharam de alegria.
— Para onde vocês quiserem — ele anunciou e se levantou, em um incentivo para quem quisesse acompanhá-lo.
Dalila e sua amiga intergaláctica, Hyla, prontamente puseram-se de pé, encarando-se em euforia. As duas seguiram os desconhecidos pela neve, onde o único som naquela noite de véspera de natal era de suas conversas e do vento assobiando solitário. Ao enxergar a forma da cabine azul, Hyla arquejou em surpresa.
— Você é o Doutor? O Doutor mesmo? — a alienígena exclamou e seu rosto irradiou ainda mais ao adentrar a sala de console maior por dentro. — Ninguém vai acreditar quando eu disser que encontrei você!
— Então não diga — o Doutor sugeriu, quase em uma brincadeira, e preparou as coordenadas, falando em voz alta o destino.
— O senhor é o Papai Noel? — Dalila questionou, finalmente encontrando voz em meio à surpresa. —Eu estava pedindo que o Papai Noel nos tirasse dali como presente de natal.
— É claro que não! O Papai Noel é um sujeito muito inconveniente, Clara pode dizer o mesmo — o senhor do tempo fez-se de ofendido e tirou as mãos do console, enquanto os hieróglifos gallifreyanos na parte superior da coluna central rodavam até parar. — Sou muito mais simpático do que ele. — Com essa fala, Clara revirou os olhos. — Você está em casa, Dalila. Abra a porta — anunciou para a garotinha, que prontamente correu, abrindo a porta de supetão.
Hyla a seguiu, com seus olhos felinos observando maravilhados seu novo derredor. Estavam em um pequeno vilarejo, de onde eram claramente audíveis as risadas e canções natalinas.
— A casa da minha tia é aquela lá. Ela tá na janela, olha! — A garota apontou, correndo pela neve e sendo seguida por seus três companheiros. Clara e o Doutor acabaram permanecendo mais próximos à Tardis.
— Você vai ficar? — Hyla questionou incerta, no que a amiga apenas assentiu. A alienígena envolveu Dalila em um abraço forte. — Obrigada, Dalila. Vou sentir sua falta.
Enquanto as duas se despediam, a professora e o senhor do tempo apenas puderam observar. Clara sorriu com o momento singelo entre as crianças. Era incrível como apenas uma mudança de ambiente poderia fazer tanta diferença para o estado de espírito. Não restavam dúvidas de que a garota seria feliz naquele pequeno vilarejo.
— Obrigada por tudo. — Dalila abraçou Clara e o Doutor pela cintura, onde ela conseguia alcançar. — E adeus — ela ergueu os olhos, despedindo-se. A gratidão expressa mesmo sem palavras.
Dizendo suas despedidas mais uma vez para Hyla, a garota partiu. Seus movimentos eram observados de longe pelo trio.
Aproximando-se de uma das casas, ela bateu na porta. Logo, esta foi aberta, preenchendo o ar com música e o aroma de comida e alegria. Dalila foi envolta em um abraço, perdida entre a confusão de saias da tia. Antes que desse um último aceno, a porta se fechou e ela encontrou abrigo com a única família que lhe restava.
— Pronta para voltar pra casa, Hyla? — o Doutor questionou, interrompendo a alienígena de sua observação. Ela apenas assentiu, deixando para trás um ótimo olhar para a casa da família da amiga. — Para onde? — o senhor do tempo questionou de pronto quando Clara e a garota entraram na Tardis.
— X.
— X o que? — Clara retorquiu, arqueando as sobrancelhas em confusão.
— X.
A professora encarou o Doutor, que ignorou-a, mais ocupado em digitar coordenadas.
— Você não devia implicar com o nome do planeta dos outros. É falta de educação — ele disse, fazendo com que a companheira o olhasse indignada, cruzando os braços e pronta para revidar.
— Vocês comemoram esse tal de Natal no planeta inteiro? — Hyla interrompeu-os, alheia a qualquer coisa. — Dalila estava me contando tudo sobre o Natal. É uma festa tão bonita...
— Vocês não tem um momento assim em X, Hyla? Pra ficar junto de quem vocês amam? — Clara questionou, voltando um olhar amoroso para a alienígena.
A Tardis ficou em silêncio, indicando que finalmente chegaram ao seu destino.
— Uma festa só pra isso, não. Até porque, a gente fica sempre junto, por que iria precisar de uma festa? — retorquiu como se fosse o óbvio e Clara não soube o que responder, apenas acompanhando-a até a porta.
— Os humanos transformaram a data em algo comercial demais, Hyla — o Doutor respondeu para a garota, sendo o segundo a pisar do lado de fora. — Mas alguns ainda a fazem valer a pena, é algo adorável de se ver.
Ao contrário das últimas palavras do senhor do tempo, foram recebidos pela destruição no planeta X. Apenas ruínas e desolação, um vazio muito pior do que aquela praça na terra. Ali não havia cheiro de comidas gostosas ou pessoas envoltas no aconchego de suas casas. Era até mesmo de se duvidar que alguém conseguisse viver naquela terra seca.
— É aqui mesmo que você vive? — Clara questionou, varrendo os arredores com os olhos. Não havia sinal de vida em parte alguma. Sequer um vento para indicar que a natureza ainda estava por ali.
— Nós moramos nos subterrâneos, a entrada é logo ali. — A garota apontou para um amontoado de metal. Para desconhecidos, não havia nada para se encontrar. — Nós sempre estamos juntos por causa disso. Não tem muito espaço lá embaixo — disse como se fosse normal e a professora encarou o senhor do tempo, que apenas balançou a cabeça para ela. — Obrigada por me trazerem pra casa. — Voltando-se para eles, Hyla abriu um amplo sorriso com seus dentes pontudos. — Mamãe deve estar me esperando. Ela só vai ficar brava por eu não ter trazido o que ela pediu.
Com uma despedida não tão quentinha como a que dera para Dalila, Hyla logo correu para a direção onde apontara anteriormente, sumindo em uma abertura que não tinham percebido até então.
— Você já esteve aqui? — Clara questionou para o Doutor enquanto voltavam para a Tardis novamente. Não havia nada para ser visto ali.
— Há muito tempo — ele confirmou ameno. Não havia nada de feliz para se recordar daquela ocasião. — X é o que vocês podem se tornar um dia, caso iniciem uma guerra nuclear. Agora, eles apenas podem viver com as consequências do que causaram.
A porta foi fechada, encerrando a visão lamentosa daquele planeta. Clara agradeceria, se apenas o cenário não tivesse sido gravado em sua mente...
— Para onde agora, Srta. Oswald? — O Doutor questionou, percebendo que a companheira estava mais pensativa do que qualquer coisa.
— O St. Bartholomew — ela respondeu, referindo ao hospital de Londres. O senhor do tempo arqueou as sobrancelhas, surpreso pela resposta. Ela estava doente? Com dor? — Eu estou bem, não se preocupe — respondeu com um riso. — Poderia passar em um lugar antes?
...
O corredor do hospital encontrava-se no silêncio característico de um lugar como aquele. O único sinal de vida era o ruído baixo da televisão em algum dos quartos. Com não tanta discrição, a cabine de polícia materializou-se próxima à entrada dos banheiros.
Clara colocou a cabeça por uma fresta na porta, abrindo-a toda assim que viu que estavam onde deveriam estar.
— Vem. — Ela puxou o Doutor pela mão, sabendo exatamente o caminho que deveriam percorrer dali para o quarto do segundo andar.
Sem esbarrar com ninguém e ouvindo apenas o ruído dos próprios passos e dos sussurros de suas conversas, o senhor do tempo e a professora adentraram no quarto com o número 112 marcado na porta. Do lado de dentro, tudo seria silêncio se não fosse pela TV, ligada no mesmo especial de natal da série que Clara assistira em seu próprio apartamento, além do ronco de Dave Oswald, ferrado no sono na cadeira desconfortável ao lado da cama.
— Clara? O que está fazendo aqui, querida? — A Sra. Oswald espantou-se ao ver a neta em seu quarto sem graça de hospital.
— Feliz natal, vovó. — A professora envolveu a senhora, surpreendendo-a ao oferecer um abraço forte. Mesmo que ela tivesse dado outro antes de ir embora para casa, horas antes.
— Oh, querida, não precisava... — Sra. Oswald respondeu baixinho ao ver os dois pacotes deixados sobre seu colo. — E quem é seu amigo charmoso atrás de você?
O Doutor quase uniu as sobrancelhas em surpresa e pigarreou em desconforto, fazendo com que Clara risse da situação.
— Esse é o Doutor, vovó — a professora introduziu os dois, que cumprimentaram-se com simpatia e alegria, vinda da Sra. Oswald. — Abre, vovó — Clara pediu, referindo-se ao presente.
Com um sorriso no rosto, observou enquanto a idosa desatava o laço do embrulho.
— Eu deveria ir. — O Doutor tocou o ombro da companheira, dizendo em voz baixa para ela.
— Por quê? — Clara voltou os olhos arregalados para ele. Aquela cara não... — Eu quero passar esse Natal com as pessoas que eu amo, Doutor. Fique — ela pediu em voz baixa, deixando claro pelo olhar o que não completou em sua frase.
O Doutor apenas assentiu com a cabeça, pois Sra. Oswald interrompeu qualquer conversa que os dois pudessem ter.
— É lindo, querida! — a idosa exclamou, erguendo o suéter tricotado de dentro do saco de presente. — E onde você conseguiu esses chocolates? A embalagem diz que são de uma fábrica belga...
Clara e o Doutor apenas se encararam, deixando aquele segredo entre eles. Ninguém mais precisava saber que deram uma rápida passada em outros países antes de chegar ao St. Bartholomew...
— Feliz natal — Clara desejou, com os olhos passando da avó para o senhor do tempo, que ofertou-a um sorriso discreto.
— Feliz natal, Oswald’s.
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