10. A Lâmina em Sua Garganta
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"Pois Deus não nos deu espírito de covardia, mas de poder, de amor e de equilíbrio."
— 2 Timóteo 1:7
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O MENSAGEIRO ENVIADO POR RAYNALD DE RESA não era um de seus homens, mas sim um dos cavaleiros do Conde de Olirk, que fora poupado da morte, embora houvessem ferido seu braço e tirado sua armadura. Sir Guy de Meaux era seu nome, e estava ferido e faminto; Olivier apiedou-se dele e de seu estado, por isso foi-lhe preparado um rápido banho e bandagens novas, e uma refeição quente que ele comeu enquanto relatava a todos os acontecimentos.
Após o breve confronto com os homens de armas reunidos por meu marido, Raynald retornou seu exército para as terras de Resa, o que fez Olivier deixar Olirk mais tranquilo, presumindo que o perigo já havia passado. Porém, agora Raynald tinha Olirk sitiada por dois pontos estratégicos, e mandava uma mensagem a Olivier: que se rendesse, ou que seus exércitos se encontrassem no Champ de Larmes em dois dias.
— Raynald não espera uma resposta, meu senhor — Sir Guy falou, em um tom cansado — Ele está com 100 reféns e não hesitará em executá-los.
Era óbvio que Olivier não teria escolha senão lutar, e dois dias não eram o suficiente para que reforços de Darian chegassem, nem mesmo para que os homens de armas juramentados à mim — de Partia e Onglandia — fossem avisados e chegassem.
— Não darei uma resposta para Raynald até que estes dois dias terminem — o tom de Olivier permanecia tranquilo, embora conseguisse notar a seriedade em seus olhos — Já vencemos batalhas em condições piores do que essa — ele se ergueu, apoiando-se ainda na bengala, e falou diretamente com Henri Brousseau — Envie agora um mensageiro até Bardin, convoque Jacques. Precisaremos dele e de seus homens.
Por algum motivo, meu marido não parecia muito satisfeito em dar essa ordem. E o duque de Carmouche também não parecia muito satisfeito em obedecê-la, mas o fez sem questionar.
Quanto a mim, durante todo o tempo do relato de Sir Guy de Meaux, mantive-me em silêncio e escutei com atenção, organizando meus pensamentos; muitas ideias vinham em minha mente.
Após tudo isso, fui para o quarto que fora oferecido a mim quando cheguei, com a promessa de que encontraria Olivier nos aposentos dele para jantarmos e dormirmos juntos.
Quando saí do banho, e Mahelt e Amee ajudavam-me a me vestir, já sabia exatamente o que deveria fazer.
— Mahelt, preciso que me leve até o seu senhor — falei, ao estar completamente vestida — Tratarei de algo urgente com ele.
— Sim, Majestade — ela respondeu, sem questionar.
Não demorou muito para que eu estivesse nos aposentos de Henri Brousseau, sentada diante dele com uma taça de vinho em mãos. E ele me encarava completamente surpreso com minhas palavras.
— Minha senhora... — parecia mal saber o que dizer — É muito perigoso...
— Não negarei isso — dei um sorriso para o homem — Porém, o refém mais valioso é o que sempre está a salvo, pois não pode ser tocado, aprendi isso com meu pai. Raynald não me fará mal, não arriscará ter o desprazer de tantos contra si — respirei fundo — É a melhor chance que temos de evitar novos confrontos e garantirmos uma trégua, com a proteção dos reféns. Sem mencionar que estaremos poupando o rei de um grande desgaste.
— Sacrificando a rainha! — o duque exclamou. Sua aparente lealdade a mim, por ser casada com Olivier e nova rainha, era comovente.
— Monsieur Henri! — coloquei-me de pé, observando-o com gentileza — Posso ver em seus olhos, por mais que hesite, que concorda comigo. Por favor, ajude-me a cumprir meu dever para com Anglicourt, este reino que adotei como meu no momento em que tornei-me rainha. Não veja minha pouca idade, veja o que eu nasci para ser — segurei sua mão, tentando demonstrar confiança — Quando retornar, me entenderei com o rei.
Ele ainda parecia dividido, mas se curvou em uma reverência e beijou minha mão.
— A esperarei nos estábulos, minha rainha.
— Eu o encontrarei mais tarde, assim que meu marido adormecer — falei, caminhando até a porta — Agradeço sua ajuda, e não irei esquecê-la.
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Quando entrei no quarto onde dormira com Olivier noite passada, ele já estava sentado em frente à mesa onde nosso jantar estava sendo servido. Sorriu quando me sentei.
— Perdoe minha demora, o banho estava tão relaxante que perdi a noção do tempo — disse, sentindo certo desprazer na mentira.
— Não se preocupe com isso — foi sua resposta gentil — Vamos jantar.
Jantamos em silêncio e eu conseguia sentir o cansaço do jovem rei em minha frente. Ele era tão jovem, nós éramos tão jovens... poucos eram os períodos de paz que ele possuía. Era atormentado por Raynald de Resa, por sua doença, e pelas intrigas da corte.
Ao menos um desses tormentos eu tinha a chance de encerrar.
— Você está bem? — perguntei, observando-o caminhar até a cama, após os serviçais terem retirado tudo do quarto.
— Sim. Bem, ao menos até onde se pode estar em uma situação semelhante — sentou na cama, deixando a bengala branca encostada na parede.
Quando Olivier se deitou, me aproximei e deitei ao seu lado. Não questionou o motivo de eu não estar com o vestido de dormir. Lentamente, levei minha mão até as ondas douradas de seus cabelos e deixei meus dedos acariciarem as madeixas. Ele suspirou e fechou os olhos; isso era bom, pois precisava que ele dormisse para poder sair escondida.
Gostava de estar nessa posição, próxima ao rei e acariciando seus cabelos. Fazia o calor em meu peito se alastrar como fogo.
Subitamente, Olivier abriu os olhos, encarando-me intensamente. Fiquei imóvel naquele instante, minha mão ainda em seus cabelos; estava quase sendo queimada por seu olhar. Mal conseguia respirar.
Senti seus dedos subirem por meu braço, de forma quase acanhada, e sua mão quente parou na lateral de meu pescoço, onde repousou após afastar meus cabelos dali. Meu coração batia tão forte que eu tinha certeza que ele conseguiria ouvir.
Antes mesmo que pudesse me perguntar mentalmente o que Olivier iria fazer, o rei se aproximou e deixou seus lábios tocarem minha testa. Só essa ação fez com que todo meu corpo esquentasse, mas ele ainda não havia terminado. Beijou lentamente a lateral de meu nariz e minha bochecha. Seus cabelos fizeram cócegas em meu rosto, mas não me importei, eram tão cheirosos.
Porém, foi o que ele fez em seguida que me fez estremecer.
Olivier desceu os lábios de minha bochecha para meu pescoço, e, a cada momento que sentia seus beijos e sua respiração quente, me arrepiava. Houve um lugar, abaixo de minha orelha, onde ele beijou, que me fez ofegar e, quase sem notar, apertei seus cabelos em minha mão.
— Desculpe — afastou-se, piscando os olhos e parecendo um pouco desorientado — Me desculpe, eu... Não sei o que deu em mim.
— Não precisa se desculpar — falei, com meu coração ainda acelerado — Venha, vamos dormir.
Antes que Olivier virasse para o lado, pus minha mão em seu pescoço e o fiz deitar-se sobre mim, com a cabeça abaixo de meu peito.
— Descanse, meu rei — murmurei, voltando a acariciar seus cachos dourados — Meu marido.
Ele tinha cabelos tão bonitos e saudáveis, pareciam ouro batido quando à luz do sol, e agora, apenas à luz da lareira, pareciam cor de mel. Os cachos se enrolavam em meus dedos feito anéis de ouro.
Quando notei que sua respiração se tornara uniforme e pesada, saí lentamente de baixo dele, com cuidado para não acordá-lo. Arrumei o vestido e o cabelo, e, após um último olhar para meu marido, saí do quarto.
O Duque de Carmouche já aguardava nos estábulos.
Henri Brousseau já estava com meus três guardas disfarçados ao lado. Eram minha escolta pessoal em Darian, que permaneceram em Anglicourt comigo quando Richard partira após meu casamento. Usavam capas escuras, mas cada um trajava o gibão vermelho com o leão dourado — símbolo de minha família, a Casa Real que governava Darian.
Virei para um deles, aproximando-me, e murmurei algumas instruções para que somente ele ouvisse. O jovem cavaleiro assentiu, curavando-se, e se retirou buscando seu cavalo. Ele também partiria, porém não comigo para Olirk.
Henri me estendeu uma capa, também escura, com capuz.
— Esta certa disso, minha rainha? — perguntou.
— Sim — respondi firmemente.
— Então que o Nosso Senhor a proteja — ele ainda parecia receoso.
— Não se preocupe, monsieur — sorri — Tudo dará certo. Conte à Olivier nosso plano quando ele acordar.
E foi assim que, junto com dois cavaleiros de Darian, parti no meio da noite para Olirk. Raynald, o rei de Resa, havia posto uma lâmina na garganta de Olivier. Porém, ele não contava que eu iria retirá-la.
Eu estava com medo, mas não poderia hesitar, não naquele momento. Era hora de colocar à prova todo meu conhecimento. Não poderia deixar que uma guerra levasse mais vidas, a de Olivier inclusive. Não queria que Olivier sofresse ainda mais, pois ele não estava sozinho.
Erguendo minha mão, fiz um breve sinal da Cruz.
Oh, Senhor, proteja-me.
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