🔥37 - Feridas que não cicatrizam
Klaus andava sem parar de um lado para o outro olhando da janela do quarto onde estava. Embora fosse praticamente um prisioneiro, ele estava muito bem instalado, junto com seu tio, num dos vários quartos do Lila Palast.
Phill se sentia à vontade. Sentado numa poltrona confortável com os pés em cima da mesa, comendo canapés e fumando um charuto. Ele olhava seu sobrinho extremamente tenso que parecia estar à beira de um ataque de nervos.
— Como pode estar tão relaxado?
— Ficar apavorado não vai adiantar, Klaus.
— Ela está desaparecida e para piorar estão colocando a culpa nela!
— Devia preocupar mais com sua pele. Acabou de dar um soco num rei!
— Foda-se aquele babaca mimado. Ele vai se lembrar de mim toda vez que pensar na Diana.
— E tá tudo bem para você ela estar casada com ele?
— Claro que não, tio! Mas eu não posso pensar nisso agora. — Klaus parou em frente a janela e ficou pensativo.
— E agora? Vamos fazer o que?
— Eu não sei.
Klaus se virou ao ouvir a porta destrancar. Sentiu um pouco de alívio quando viu Veridiana parada na porta. Ela entrou devagar enquanto Phill a encarava.
— Klaus, espero que esteja bem instalado.
— Você quis dizer preso. — Klaus se virou para a engeliana e cruzou os braços.
— Você não ajudou em nada. Invadiu um Palácio e derrubou todos os nossos guardas praticamente.
— Eu quis entrar aqui numa boa. Eles que não facilitaram.
— E ainda por cima deu um soco no rei!
— E não me arrependo.
— Você e a Diana são iguaizinhos. Tá explicado porque dão tão certo.
— Sem enrolação, o que vocês vão fazer? A Diana ainda está por aí.
— Não temos ideia de onde começar a procurar! A gente poderia até começar uma jornada, mas poderia levar meses!
— Eu não vou abandonar a Diana.
— Temos problemas muito maiores. — Veridiana tira de seu casaco um papel dobrado ao meio e entrega para Klaus. — Acabamos de receber, o primeiro-ministro de Sonnig solicitou junto à Ruhig uma conferência mundial. Ele... quer que Diana seja considerada uma criminosa de guerra. Uma terrorista.
Klaus olhava para Veridiana em silêncio com semblante de espanto e preocupação. — Isso... é mentira, né? Aquele seu reizinho pode dar um jeito.
— Vai ser uma votação junto às outras nações. Exceto Vermogen. Nem Kiran, nem Heide podem votar. Se eles votarem a favor, ela será considerada criminosa no mundo inteiro. Por Santer e por Eisenhower.
— Ela não teve culpa!
— Nós sabemos, mas eles não. E mesmo que soubessem tudo que querem é impedir que um Drachen suba de novo no trono.
— E quando vai ser?
— Data ainda a confirmar, mas deve ser no mês que vem. — Veridiana disse tensa.
— E o rei?
— Está em busca de aliados, mas a manchete do jornal sobre Eisenhower não está ajudando em nada.
Klaus levou as duas mãos à cabeça e soltou o ar pesado de seus pulmões. Os olhos começaram a lacrimejar e depois ele pôs as duas mãos na cintura e ficou de cabeça baixa.
— Eu tenho que achar minha mulher. Ir embora para algum lugar bem longe. Longe dessa merda toda.
Veridiana soltou um suspiro e tentou manter-se firme diante da tristeza de Klaus. — Vamos dar uma volta? Sair para espairecer. Vai ser bom.
Klaus acenou positivamente com a cabeça e depois olhou para o tio: — Você vem?
— Nem morto. Aqui pelo menos está quente.
— Devia ir conosco. Talvez até a Taberna Aldebaran. — Veridiana disse de maneira cordial.
— Aquela mulher ainda tem os quadris largos como a anca de uma égua?
— Isso é um elogio? — Klaus disse erguendo uma sobrancelha.
— É sim. Se visse o estrago que aqueles quadris fazem. — Phill levantou as duas mãos insinuando o formato dos quadris dela.
— Por favor, pare. — Klaus disse sério e depois seguiu Veridiana para fora do quarto.
Os dois caminharam pelos corredores em silêncio. Klaus estava tentando esconder o desespero que sentia naquele momento. Veridiana também não estava muito confortável com tudo isso, Diana era cabeça quente, mas eles sabiam que nada daquilo foi intencional. Quando se aproximaram do jardim de esculturas, Klaus ficou olhando o dragão de gelo sentindo a garganta queimar. Veridiana se aproximou e tocou seu ombro.
— Vamos dar um jeito.
— Como Veridiana? Se isso mesmo acontecer ela não vai ter paz.
— Estamos em guerra.
— A guerra de verdade ainda está por vir. Se eles declararem Diana terrorista, eu vou fazer o impossível para protegê-la, mesmo que ela ache que não precise de proteção.
— Conte comigo para isso, Klaus.
— O que esse cara está fazendo aqui? — A voz de Egon reverberou pelo pátio. Klaus olhou na direção do engeliano e franziu a testa.
— Quem é você mesmo?
— Ah... quer dizer que nós éramos tão insignificantes que nem se lembra mais de nós?
— Egon, por favor... — Missai toca o braço do namorado tentando evitar um conflito desnecessário.
— Ah... é o cara que vivia emburrado pelos cantos. Lembro que vivia grudado na Mia.
— É... eu mesmo. — Egon se aproximou de Klaus e ficou frente a frente com ele.
— Egon, isso é mesmo necessário? — Veridiana tentou apaziguar a situação.
— Missai, vai chamar a Kara. — Ele diz sério para a namorada que franziu a testa e saiu balançando a cabeça.
— Para que isso, Egon? — Veridiana deu um passo à frente olhando séria para o engeliano.
— Nunca tivemos a chance de conversar. Falar sobre o que aconteceu e como somos o que sobrou dos antigos Lobos Negros, é justo, não é?
— Não quer aproveitar e ir buscar a Mia antes não? Seja lá onde ela estiver? Talvez em Fegefeuer, queimando nos poços de lava? Porque vai ser um milagre ela ter sobrevivido. Apesar que acho que não temos tanta sorte. — Veridiana disse erguendo uma das sobrancelhas.
— A Mia tá viva. Ela não ia se abater tão fácil.
— Olha só, Egon, eu não sei o que você tem contra mim, mas se quer resolver algo estou a todo ouvidos. — Klaus disse se aproximando do loiro.
— Vamos esperar a Kara chegar. Ah! Olha ela aí! — Egon disse ao ver Kara se aproximando com Missai e Valdrer.
— Que aconteceu, Egon?
— Lembra do Klaus, Kara? — Egon disse apontando para o cão de guerra. Ela ficou olhando para ele com as sobrancelhas franzidas. Ela olhou para Klaus e depois para Veridiana.
— Lembro...
— O mestiço que foi expulso de Pantheon e se uniu à nossa causa. Um discurso lindo. Mas o final da história a gente nunca soube, né? Veridiana?
— Egon, isso não vai dar em nada! — Missai disse irritada.
— Você acha justo, Missai? Nossos amigos morreram! Estávamos lá quando tudo veio abaixo, a Mia estava lá! Mas vocês dois não! Esse daí é culpado! — Egon disse apontando para Klaus.
— Eu estava com ele no dia do golpe sim! Mas a culpa não foi dele! — Veridiana disse defendendo o amigo.
— Fala para eles o que você fazia. Fala! — Egon gritou para Klaus.
— Eu era Major do exército dourado, Major Friedrich Klaus Hoffmann. Título que ganhei com esforço e honraria. Mesmo que no fim eu seja um desertor.
— Então era um espião. — Egon disse com os punhos cerrados.
— É, eu era. Mas eu não entreguei vocês.
— Eu estava com ele no dia do Golpe. Iríamos impedir que o rei e sua família fossem mortos. Se tivéssemos conseguido, Heide não estaria no poder.
— E que diferença faria? — Egon disse encarando Veridiana.
— Os Lobos Negros ainda existiriam em sua essência, Valkiria estaria viva e aquela desgraçada da Mia não teria se tornado o caos que ela se tornou! — Veridiana começou a alterar o tom de voz.
— Valkiria era uma covarde!
— Meça bem suas palavras! Eu ainda sou sua superior e me deve respeito! — Veridiana disse para Egon que desviou o olhar para Klaus.
— Esse cara ferrou com tudo. Até a Sangue de Fogo largou tudo por causa dele! E o que vai ser de nós agora? Primeiro, a resistência, agora a sangue de fogo?
— A culpa da queda da resistência não foi do Klaus! — A voz alterada de Missai fez todos se calarem e voltarem sua atenção para ela. — Foi da Ygritte! A traidora que seguiu Klaus e entregou nossa localização e depois se infiltrou entre nós para causar desordem e além de tudo ela ainda matou a família do Valdrer.
Kara olhou para o amado Valdrer desesperada. Egon ficou em silêncio olhando para Missai que tinha o olhar cheio de mágoa. — Eu pedi que guardasse segredo.
— Não, Egon. Sem segredos.
— Conte essa história direito! — Valdrer disse alterado para Missai — Minha família!
— Morta por Ygritte. A ruiva baixinha que chegou em Lavafluss desacordada. Que foi carregada pela Veridiana nas costas na travessia no deserto. Com cara de boazinha. Egon me contou um dia desses que a Mia a puniu severamente por cinco anos. Ela trabalhava para Heide. Egon disse para não contar porque temia a reação de Valdrer. Mas na verdade, acho que ele queria que eu tivesse uma visão diferente da Mia.
— Onde está essa Ygritte? — Valdrer disse imerso em ódio.
— Valdrer, você disse que ia seguir em frente! — Kara disse com a voz embargada.
— Eu não consigo! Não agora que sei quem matou minha família! E você sempre soube, né? Que o assassino estava por aí, livre. Eu não vou permitir isso! — Valdrer disse se afastando a passadas largas.
— Valdrer! — Kara olhou para Egon furiosa. — Babaca. Um circo desses por ciúmes da Mia? Idiota.
Kara saiu andando meneando a cabeça na direção de Valdrer. Egon olhou para Missai que ainda estava olhando para ele com lágrimas nos olhos.
— Você disse que ia tentar fazer dar certo, Egon. Mas foi só ver o Klaus por quem a Mia se derretia que você se transformou. Eu sabia que era bom demais pra ser verdade.
— Missai... eu...
— Acabou, Egon. Não consigo.
Egon ficou parado no meio do pátio vendo Missai ir chorando para dentro do Palácio. No caminho, ela topou com Zoe que abraçou a jovem e a seguiu para dentro.
— Muito bom Egon. Magoou três pessoas de uma vez. Sabia que eu topei com a Mia? Ela me disse mesmo que era a fim de mim. — Klaus provocou. — Mas ela só mencionou você como "o traidor".
— Cala a boca! — Egon disse virando-se irritado para Klaus.
— O que houve entre vocês?
— Ela manteve ele preso por quase cinco anos. — Veridiana não gostava de alimentar brigas, mas Egon tinha passado do limite de sua paciência.
— Olha só! E mesmo assim você ainda a defende com unhas e dentes. Isso que eu chamo de fidelidade.
— Isso não é sobre a Mia. — Egon disse com os dentes cerrados.
— É sobre o que então? Porque está me parecendo que é sim. — Klaus se aproximou mais um pouco do loiro e disse num tom de voz baixo. — Eu estive fora por cinco anos e você não aproveitou a chance? Que foi? O eisegeano chegou primeiro? Seja um pouco mais maduro. O mundo ruindo e você dando chilique por alguém que não tá nem aí para você.
Egon mal esperou Klaus terminar de falar, armou um soco, mas o baixinho se esquivou e o segurou pelo braço, chutou sua perna e torceu seu braço para trás.
— Se bancar o engraçadinho eu quero seu braço!
— Ai! Me solta seu filho da puta! — Egon gritou urrando de dor enquanto Klaus forçava seu braço para trás.
Veridiana deu dois passos para trás e cruzou os braços e ficou vendo a cena em silêncio, os guardas ainda fizeram menção de intervirem, mas ela acenou para que recuassem. Zeeba que ouviu todo o barulho de dentro do Palacio se aproximou dos três correndo.
— Que confusão é essa? Solte o Egon! — Zeeba se aproximou de Klaus que olhou com desdém para ele e depois soltou o loiro que caiu de cara no chão. — Essa província tem o menor índice de criminalidade e em um dia você causa todo esse caos.
— Foi ele quem começou. — Klaus disse dando de ombros em seguida.
— E você, General Nwangi? Ia deixar eles se matarem?
— Eu ia deixar o Egon levar a surra que merece. Por esse circo todo. Venha Klaus, vamos.
— Eu devia prender esse animal! — Zeeba disse apreensivo.
— Ele fugiu de Holle, Zeeba. Tente a sorte. E você, Egon, da próxima vez que falar da Valkiria sou eu quem vai encher essa sua cara de porrada. Babaca. E vai lá ver a Missai!
Egon viu Veridiana se afastar e saiu para o lado oposto. Zeeba ainda tentou ajudar mas ele meneou a cabeça e seguiu para dentro do Palácio. Tinha que tentar consertar o estrago. Ele se aproximou dos aposentos de Missai, ainda hesitou mas bateu na porta. O rosto de desagrado de Zoe surgiu e depois ela se virou para dentro
— Vai recebê-lo?
— Tá. Sim.
Zoe abriu a porta e passou por Egon deixando os dois sozinhos. Missai estava sentada na cama com as pernas cruzadas olhando para a janela. Seus olhos inchados e vermelhos viraram para Egon que ficou parado no meio do quarto como se não tivesse um lugar para ele. Talvez não houvesse mesmo.
— Missai...
— Olha, Egon, eu vou ser bem direta. Eu aceitei esse relacionamento sabendo que você certamente ainda amava a Mia. Mas você disse que ia fazer dar certo. E... sim, eu amo você e estava aproveitando cada momento juntos, mesmo sabendo que não passavam se migalhas.
— Não são migalhas! O que você viu não tem nada a ver com a Mia.
— Claro que tem, Egon! Foi só você ver o Klaus de quem você tinha ciúmes há mais de cinco anos e você se transformou!
— Não precisava ter dito sobre a Ygritte! O Valdrer certamente vai sair daqui e ir lá atrás dela!
— Ele tem o direito de escolher se quer se vingar ou não! Era a família dele! O filho dele! Além do mais, você estava jogando a culpa da queda da Resistência nas costas do Klaus quando você sabia que a Ygritte havia feito, porque a Mia contou para você!
— Missai, a Kara também sabia e ela não quis contar. Era o direito dela!
— Eu estou cansada de segredos e mentiras! Independente de quem for. Está na hora de pôr tudo em pratos limpos.
— Sobre o que, Missai? Por favor me explica porque eu juro que não entendo!
— Ou você está do nosso lado ou do lado da Mia.
Egon ficou parado olhando para Missai sem saber o que dizer. Em seguida, balançou a cabeça negativamente e olhou para a ex namorada. — Vocês querem que eu odeie a Mia. Que eu queira ela morta. Nós fomos criados juntos! Eu tenho lembranças boas com ela! Não posso simplesmente odiar ela de uma hora para a outra como se ela fosse nada. Ela era minha família.
— Confessa logo de uma vez que...
— Sim! Missai... eu amo a Mia. E eu estou apavorado com a ideia de que ela esteja morta. Como você disse. Sem mentiras! — Ele olhou para Missai com os olhos marejados. — Eu amo a Mia.
— Ela prendeu você por cinco anos. Queria te obrigar a apoiar as atrocidades que ela fazia.
— Sabia... Que quando chegamos em Wüstental depois do golpe, ela ficou preocupada com os outros membros, os que ficaram para trás. E nós saímos no meio da noite e fomos até Eisenhower escondidos? Ela tinha esperança de que eles estivessem vivos. Vocês ficaram sabendo pelo jornal, nós... Vimos eles lá. As cabeças espetadas no portão e os corpos mutilados eles pregaram formando a palavra: Lobos. O sangue escorrendo, o cheiro de morte. As famílias deles chorando desesperadas. Ela tinha esperanças que eles estariam vivos. Mesmo assim, quando voltamos ela me fez prometer que eu não contaria para vocês sobre os corpos, sobre as famílias. Mesmo que a foto nos jornais das cabeças tenha sido pavorosa. Ela não queria que vocês soubessem como foi de fato. Queria poupá-los. Mesmo assim vocês só enxergam o monstro.
Missai soltou um suspiro em meio às lágrimas e depois olhou para Egon: — Obediência cega. Quem dera eu ter alguém tão fiel quanto você. Nada do que você disser vai mudar o que ela fez. As centenas de mortes desnecessárias. Você viu a cabeça de V cair de seus ombros e mesmo assim você a defende.
— A Diana também fez atrocidades e mesmo assim a seguimos! Qual a diferença?
— A Diana não teve escolhas! Ela cresceu para ser uma máquina de guerra! A Mia teve escolhas! Ela poderia ter feito diferente, poupado vidas, mas não fez! E se você não vê isso é porque é um tolo! Saia do meu quarto, Egon! Para mim já deu!
— Vocês agem como santos! Você mesma acabou de magoar a Kara sem se importar com os sentimentos dela. Mas o monstro aqui sou eu por não conseguir odiar a Mia.
— Essa dedicação sua é tocante. Mas saiba que a Mia vai te destruir. Ela nunca vai querer você, Egon... Nunca quis e nunca vai querer. Ela só te vê como um irmãozinho. Ela não acha que está a altura dela. Assim como Klaus, Samir...
— Nossa... — Egon virou as costas e saiu andando meneando a cabeça. Quando ele fechou a porta Missai desabou em lágrimas. Egon sempre amaria a Mia. Era isso o que mais machucava seus sentimentos.
(...)
Veridiana e Klaus foram para o Vale dos Porcos. A ideia era esfriar a cabeça um pouco. A Taberna Aldebaran estava ainda mais cheia do que o normal. Quando Klaus entrou já viu Trigun e Baren bebendo com a tripulação de Mathias.
— Chefe! Onde esteve? Achou sua mulher? — Trigun perguntou alegre, já bem alterado pelo álcool. Klaus ergueu uma sobrancelha quando ouviu a palavra chefe.
— Infelizmente, não.
— E onde está aquele patife? — Mathias perguntou se referindo a Phill.
— Ficou no Palácio aproveitando todas as regalias.
— Então ele não mudou em nada. — A voz melodiosa de Aldebaran chamou a atenção deles. — É filho dele?
— Sobrinho. Embora eu tenha uma certa vergonha de dizer isso em voz alta.
— Ele nunca foi um exemplo. Muito pelo contrário. Como se chama? Nem parece ser parente daquele sem vergonha. Você tem traços lindos. Traços de engeliano.
— Minha mãe era engeliana, embora eu não me lembro dela.
— Sinto muito. — Aldebaran sorriu gentil e depois se virou para Veridiana — Que bom ver você de volta. Em que posso ajudar vocês?
— Bebida. O máximo que conseguir nos fornecer.
Aldebaran acenou para o filho que logo em seguida trouxe as canecas e as colocou sobre o balcão. Klaus pegou a caneca de cerveja e a virou de uma vez só e pôs o recipiente sobre a mesa. Veridiana e Aldebaran ficaram olhando a cena, enquanto o baixinho acenou para o jovem filho da proprietária para que trouxesse mais uma.
— Se eu virar um copo desse jeito eu caio para trás na mesma hora. — Aldebaran disse sorrindo.
— Você e a Diana já saíram para beber juntos? — Veridiana perguntou bebendo um pouco de sua cerveja.
— Fomos expulsos de alguns bares. Diziam que não dava para fornecer a quantidade de bebida que conseguimos consumir. — Klaus deu uma risada sincera e depois sua expressão ficou triste.
— Nós vamos achar ela. — Veridiana disse, tentando animá-lo.
— E se ela nem estiver viva? — Klaus tentava segurar o choro, detestava que o vissem chorar.
— Derrubar aquela mulher é uma tarefa difícil.
— Sinto falta dela.
Aldebaran se aproximou devagar e apoiou os cotovelos no balcão — É a sua esposa?
— É... — Klaus hesitou por um instante. — Não oficialmente.
Até porque oficialmente ela era esposa de Kiran Zafir.
— Disse que ela se chama Diana?
— Sim.
— Que coincidência! Diana não é o nome da atual rainha? Fiquei surpresa quando soube que o rei havia se casado. Sempre foi um homem que não era muito propício ao casamento.
Klaus e Veridiana se olharam discretamente. A general abriu a boca esperando que as palavras saíssem.
— É apenas uma coincidência. — Klaus disse finalmente tentando pôr fim à especulação.
— O engraçado é que normalmente tem um desfile com a rainha consorte. Nem isso tivemos. Agora ficamos curiosos para ver a rainha em pessoa.
— A rainha tem muitos compromissos. — Veridiana disse levando a caneca mais uma vez à boca.
— Entendo. Mas também devem se preocupar, né? Viram nos jornais o dragão em Eisenhower? Primeiro em Santer, agora em Eisenhower. Apesar que estão dizendo que o dragão é a própria rainha. Considerando que ela é uma Drachen. — O olhar de Aldebaran repousou em Klaus que encarou a mulher.
— As pessoas dizem muita coisa.
Aldebaran se aproximou mais dos dois ainda do outro lado do balcão e disse sussurrando. — Sabemos que é ela, né? Eu conheço aquele palácio melhor do que imaginam. Sei do fascínio estranho que os homens da família Zafir têm pela Sangue de Fogo, exceto pelo rei anterior.
— Se tem algo a dizer, diga logo. — Klaus encarou Aldebaran, que apenas se afastou com as mãos erguidas.
— Calma. Se não quer que saibam sobre ela, disfarce mais.
— O que? — Klaus franziu as sobrancelhas.
— Calma, Klaus. — Veridiana tocou seu ombro e depois se virou para Aldebaran. — O que está querendo, exatamente?
Aldebaran olhou ao redor e depois se aproximou deles novamente e pediu para que fizessem o mesmo. — Não me entendam mal, por favor. A taberna é um lugar onde as informações correm. Já sei que a rainha não está em Eiseges Tal, que ela fugiu para Eisenhower. E que o rei está desesperado. Daí um navio com o cão de guerra em pessoa chega pouco tempo depois, e sim, seu nome percorre os continentes. E as manchetes dos jornais estampam na primeira página o evento caótico em Eisenhower.
— Isso é confidencial. Como sabe de tudo isso? — Veridiana franziu o cenho e cerrou os punhos.
— Eu já te disse, aqui na Taberna eu fico sabendo de tudo. Ainda mais quando o assunto é sobre a mulher do rei.
Klaus se aproximou um pouco mais da mulher e disse num tom de voz que parecia um rosnado. — Eu não tenho tempo para joguinhos, Diana é a minha mulher, minha companheira e futuramente a minha esposa, mãe dos meus filhos e com quem eu viverei até o fim dos meus dias. E sim, eu estou atrás dela, e estou disposto a ir até o fim do mundo por ela.
Aldebaran olhou para Klaus surpresa e depois abriu um sorriso. — Que sorte a dela, ser a esposa de um rei como Kiran e ser amada pelo cão de guerra com tanta intensidade.
— A sorte é minha. Ela tem como marido um monarca, alto, bem aparentado, carismático e mesmo assim ela quer um homem problemático como eu. — Klaus deixou uma lágrima silenciosa correr em seu rosto que ele limpou com o polegar. Veridiana sentiu um nó na garganta e depois desviou o olhar.
— Eu vou fazer uma coisa, Klaus. Farei por vocês dois. Embora eu deseje a felicidade do rei.
— Talvez o rei esteja apenas cumprindo um papel. — Veridiana disse e depois abaixou o olhar.
— É. Talvez. A felicidade dele por estar mais próxima do que ele imagina. — Aldebaran disse olhando para Veridiana e depois seu olhar se voltou para Klaus. — Vou mandar uma carta para alguns conhecidos nas outras províncias e outros continentes. Acho que tenho um desses comunicadores que vocês usam lá no Palácio. Perguntarei se avistaram o dragão ir em alguma direção. Podemos não saber onde o dragão pousou, mas podemos saber em que direção ele foi.
— Vai fazer isso por nós? De graça? — Klaus perguntou com uma das sobrancelhas erguidas.
— Claro que não vai ser de graça! Vai trazer sua mulher beberrona para beber aqui, por sua conta!
— Que?
— Vou até providenciar mais estoque. — Aldebaran se afastou do balcão e jogou o pano de prato sobre os ombros e pôs as mãos na cintura. — Esperem mais um pouco, assim que tiver resposta entrarei em contato com vocês. Então fique por perto, Klaus.
— Merda! Pensei que ia embora desse lugar gelado.
— Ah! Quando vir aquele seu tio, diz para ele que nós ainda temos muito o que conversar.
Klaus viu a mulher se afastar e em seguida olhou para Veridiana. — Podemos confiar nela?
— Vamos ter que confiar.
— Sim... pode ser nossa única chance. Sabe o que sobre ela?
— Nada.
— Vai ter que saber, Veridiana. Não gosto de lidar com desconhecidos às cegas.
— Tá, darei um jeito.
— É só eu, ou eu acho ela muito parecida com o babaca do seu rei?
— Não chama ele assim. — Veridiana olhou para Aldebaran de longe. A mulher estava sorrindo. Ela era bonita. Muito bonita, olhos dourados, cabelos platinados. E sorrindo ficava ainda mais bonita. Um sorriso que lembrava o de Kiran. — É... ela se parece mesmo com ele.
(...)
Kara procurou Valdrer por todo o palácio. Ela dava passadas largas a cada ponto que provavelmente ele estaria. Ela acertaria as contas com Egon e Missai mais tarde. Odiava tudo isso. Ter que lidar com problemas sentimentais dos outros quando nem os próprios ela conseguia resolver. Quando já estava desistindo, viu o amado sentado próximo ao dirigível. Sentado no chão, na escadaria que dava acesso à plataforma olhando para frente como se não estivesse vendo nada.
Kara se aproximou devagar, buscando a melhor forma de falar. Como se houvesse alguma palavra boa o suficiente para aquele momento. Ela parou diante dele e soltou um suspiro, em seguida, ela colocou as mãos no bolso da jaqueta acolchoada e ficou um tempo de cabeça baixa. Valdrer não dizia nada. Ela abriu a boca e hesitou por um instante, depois disse com a voz baixa e carregada de emoção.
— Eu queria que soubesse disso de outra forma.
— Eu queria que você tivesse me dito nas inúmeras vezes que te perguntei.
— Você me disse que iria seguir em frente.
— Como? — Valdrer tinha lágrimas nos olhos, Kara via o desespero, a angústia. — A minha família foi morta porque, Kara? Por nada... Meu filho Isaac gostava de brincar na terra, de correr com os amiguinhos. Minha esposa fazia bolinhos de chuva, todas as quintas. Éramos felizes! Longe de tudo isso!
— Eu sei... e entendo que esteja assim. Mas você precisa superar! Eu e você! — Kara tocou o rosto dele com as duas mãos.
— Não posso... eu sinto muito por isso. Mas eu não posso. Não enquanto eu não vingar a minha família. — Valdrer segurava as duas mãos de Kara que olhou para ele preocupada.
— O que vai fazer?
— Eu vou até Eisenhower e vou matar a ruiva desgraçada que matou minha família.
— Ela foi punida, Valdrer! Mia jogou ela num galpão cheio de soldados para ser a puta deles!
— E tudo para mim ainda vai ser pouco! Mas eu quero que ela queime nos poços de lava de Fegefeuer! Uma vida por uma vida! — Nos olhos de Valdrer só havia ódio.
— Não entende que quando você faz isso, o ciclo de ódio nunca acaba?
— Vai acabar quando ela estiver morta.
— E quanto a nós?
— Não haverá nós enquanto eu tiver esse sentimento em mim. — Valdrer tirou as mãos dela de seu rosto e se levantou seguindo para dentro do palácio. Parecia perdido, sem chão.
— E quando conseguir, acha que vai se sentir melhor? Que vai trazer eles de volta?
— Não vai. Mas eu preciso disso.
Kara não respondeu. Viu apenas ele seguir sem olhar para trás. Certamente ele partiria em breve. Kara achou que ele poderia seguir em frente. Achou de verdade, mas tem coisas que o coração não consegue superar. E ela teria que lidar com isso querendo ou não.
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