V
Eram dez horas da manhã e Stiles ainda jazia desmaiado na cama suja do motel. O que o trouxe de volta à consciência foi o forte cheiro de álcool bem próximo ao seu rosto. Com dor de cabeça, fraco e enjoado ele acordou e percebeu o jovem loiro ao seu lado.
— Issac? — sua voz saiu baixa e rouca. O outro rapaz lhe entregou uma garrafa com água, que ele bebeu rapidamente.
— Você tá bem, cara? — o loiro o questionou preocupado.
— Sim — diz mesmo sem ter certeza. Seu rosto por outro lado talvez não esteja, já que a dor é intensa ali.
Issac toca o rosto magro de Stiles com as pontas dos dedos, levemente, observação o estrago. A pele pálida do menino está manchada com o sangue rubro já seco. O pescoço fino tem marcas escuras onde o desgraçado havia apertado. A imagem do caos. O coração frio de Issac se aperta.
— Como me achou aqui? — questiona Stiles depois de se sentir um pouco melhor.
— Erica te viu apagado aqui e me ligou.
— Ah! Esqueci que a vadia da sua irmã trabalha nessa bosta.
Stiles junta toda a força que tem pra sentar na cama. Se sente como se tivesse acabado de sair de um coma de meses, fraco, dolorido e tonto. Ao menos a dor de cabeça é fraca.
— Acho que você deveria ir ao hospital ver esse nariz. Pode ter quebrado.
— Não. Eu tô bem.
— Eu trouxe um sanduíche pra você.
Issac entrega ao menor o sanduíche frio embalado em plástico. É melhor que nada, e imaginou que o garoto precisaria de algo pra comer no estado em que estava. Stiles aceita o lanche e o devora em segundos.
— O que te deu? Você não é legal assim — diz Stiles, desconfiado das ações do loiro.
— E você continua igualzinho. Sempre reclamando de tudo.
— Só estou surpreso por vocês não terem ligado pra polícia.
— Eu ia ligar — diz Erica entrando no quarto de repente — mas meu adorável irmão gosta demais de você pra te ver preso.
— Você não devia estar trabalhando? — pergunta Issac para a irmã com certa irritação.
— E estou. Vim aqui limpar o quarto — provoca ela fazendo o irmão quase rosnar.
Stiles observava a interação entre os irmãos em silêncio. Vendo de longe Issac e Erica pareciam se odiar, mas quem os conhecia de verdade sabia que um daria a vida pelo outro.
Apesar de viverem implicando, Issac e Stiles eram bons amigos.
Não era bem aquele tipo de amizade onde saem juntos, ou dividem segredos. Estava mais para companhia silenciosa e troca de farpas. Os dois jovens são parecidos, tem histórias parecidas, e entendem o que o outro passa.
— Eu não entendo porque você ainda não saiu dessa vida — aponta a loira — quer dizer, eu sei que é um dinheiro fácil, mas olha pra você! Não tem onde morar, nem o que comer, e pelo que eu sei é agredido ao menos uma vez no mês. Então porque não sai dessa vida?
De modo algum aquelas palavras são novidade para Stiles. Ele já sabe de tudo isso, tem consciência de que sua vida é fudida em um nível totalmente novo. O problema que ele reluta em admitir é que ele só vive nessa vida miserável por escolha própria. Pensa merecer tudo de ruim na vida.
Ele não responde. Não tem resposta para aquilo.
— Erica, deixa de ser intrometida. A vida é dele, ele faz o que quiser — defende Issac.
— Foi bom encontrar vocês, mas eu tenho que ir — afirma Stiles já levantando da cama e vestindo a roupa que só agora percebeu que não estava em seu corpo.
— Mas...
— Erica, para! — repreende o loiro mais uma vez, fazendo a irmã bufar zangada e deixar o quarto.
— Valeu por me ajudar — Stiles agradece.
— Você sabe que não merece isso, certo? — diz Issac. Ele realmente conhece o garoto — A vida é uma droga, acredite eu sei, mas não ache que você merece tudo de ruim só porque é diferente, só porque magoou alguém com suas escolhas. Você é livre. Devia procurar uma vida melhor.
— Você sabe que essas palavras também servem para você, certo?
Issac sorri de lado, balançando a cabeça.
— Somos dois fudidos, tampinha.
O loiro se aproxima do menor e o abraça apertado. Ele não admitiria, mas se preocupava, e muito, com aquele garoto.
— Literalmente, gigante.
Eles sorriem da desgraça um do outro. Melhor que chorar.
Stiles se aconchega no peito de Issac. A tempos que ele não recebia um abraço, estava quase esquecendo-se da sensação boa que é. Sua cabeça mal encosta no queixo do loiro, e ele se sente confortável ali. O menor coloca as mãos por dentro da camisa de Issac, sentindo a pele quente por baixo, e geme de prazer. Um prazer genuíno e inocente, que só se sente quando está nos braços de alguém que gosta. Ele suspira fundo, sentindo o cheiro aconchegante do loiro.
— Por que não toma um banho antes de sair? — sugere o loiro.
— Está dizendo que eu estou fedendo?
— Com certeza estou dizendo!
Os dois sorriram divertidos. Era bom um momento de leve de vez em quando.
Stiles não se aguentou, olhando naqueles olhos claros e brilhantes de Issac ele sentia toda a fofura que tentava esconder. O menor ficou na ponta dos pés e beijou o loiro. Um beijo suave e molhado, diferente dos que costuma receber no dia a dia.
— Que tal se você me acompanhar? — perguntou manhoso em meio ao beijo.
— Você não quer transar a essa hora da manhã!
— Não mesmo. Eu quero companhia no banho. Só banho!
Eles ainda se beijavam enquanto um despia o outro.
O banho realmente ficou apenas nisso.
Stiles estava tão cansado fisicamente que mal conseguia tomar o banho. Issac o ajudou. Com carinho e paciência lavou todo o corpo do garoto, não fazendo nenhum comentário sobre a extrema magreza ou como a pele dele estava tão ressecada e sem brilho. Ele apenas o lavava e escutava seus soluços doloridos, deixando a água morna levar aquelas lágrimas.
Ele podia ver como Stiles estava tão esgotado mentalmente, mas não tinha muito o que ele pudesse fazer. Não se ele não aceitasse a ajuda. Então o loiro usou todo o momento para cuidar do outro e tentar convencê-lo a procurar ajuda. Não obteve sucesso.
Assim que Stiles deixou o velho motel ficou vagando pela rua, tentando colocar os pensamentos em ordem. Tentando não pensar na noite péssima que tivera.
Não havia sido de toda ruim. A parte com o lobo foi uma gostosa exceção, mas que havia passado rápido demais.
Ele tentava não pensar nisso também. Era desesperador pensar que devia tanto aquele homem, e que todo o prazer que ele proporcionava era em troca da quitação da dívida.
Quando o sol deu as caras mandando embora todo o frio das ruas de NY e queimou a nuca do garoto, quando suas pernas já não mais aguentavam andar, ele saiu da rua. Meredith era a única opção que ele considera, e foi pra lá que se dirigiu.
Ele esperava encontrar o mesmo de sempre para aquela hora, pessoas chapadas e dormindo pelo chão, mas antes de entrar ele pode ouvir o barulho abafado de música.
No corredor ele encontrou uma vizinha com a cara nada alegre e resmungando sobre chamar a polícia.
Stiles percebeu que talvez se arrependeria de entrar ali.
Um cara com os olhos arregalados foi quem abriu a porta para ele, já o puxando pelo pescoço para dentro do apartamento. Entrar ali pareceu ir para outra dimensão. Ao contrário do lado de fora, onde o sol brilhava, ali parecia noite. As cortinas estavam fechadas e as luzes apagadas, apenas alguns leds coloridos brilhavam. E a fumaça cobria todo o recinto, impossibilitando de ver o real estado daquele recinto.
Não estava totalmente lotado, mas havia pessoas demais para um lugar tão pequeno. Stiles podia apostar que não havia ninguém sóbrio ali. Até ele mesmos já se sentia tonto inalando toda aquela fumaça. Em cada canto um grupinho dívida um tipo de droga diferente. Maconha, crack, anfetamina, heroína.
Ele preferiu passar direto e procurar um lugar onde pudesse se deitar.
Sala lotada, cozinha lotada, quarto 1 lotado, quarto 2... ele olhou duas vezes para entender. Era realmente uma suruba que acontecia ali. Ele se apressou em sair dali.
Foi até o banheiro, ao menos para jogar uma água na cara antes de dar o fora daquele lugar. Banheiro também ocupado. Um casal transava ali, a garota gemendo como em um filme pornô. Ele suspirou e voltou a fechar a porta.
— Tô te achando tenso demais, vampiro, porque não senta e relaxa? — propõe Meredith o puxando para o sofá na sala.
Ele estava pronto para negar quando viu que se aproximava do grupinho de heroína. E a parte ruim de ser um viciado é que por mais que você lute, seu corpo sempre pedirá pela química desejada. Então ele se deixou ser levado.
Horas depois ele nem sabia o próprio nome. Tudo parecia borrado e distorcido. Divertido.
Todos riam e pulavam de um lado para o outro, como se não houvesse nada além daquele momento, nada além daquelas pessoas ali ao redor, nada além da gostosa e alucinante sensação de bem estar que os entorpecentes causavam. Isso até o efeito passar e o indivíduo ficar jogado no chão como uma roupa suja qualquer.
Ninguém realmente via ninguém ali. Se você caísse em uma overdose, você morreria pedindo ajuda e ninguém lhe ouviria.
E foi essa constatação que fez Stiles cair uma crise de ansiedade. Ele foi de super feliz a super paranoico em poucos segundos.
Se imaginou morrendo sozinho naquele chão frio, mesmo estando cercado de gente.
Não sabia se era ataque de pânico ou efeito de uma overdose real, mas seu corpo todo começou a formigar e o ar lhe faltou.
Ele correu desesperado pela casa, tentando chamar a atenção de qualquer um. Seu pânico aumentou quando percebeu que não conseguia realmente falar.
Correu para o banheiro, que estava vazio dessa vez, com dificuldade lavou o rosto, percebeu que sentia muito frio quando a água tocou sua pele. Seu reflexo no espelho era algo que lhe dava medo.
Tremia tanto que acabou vomitando. Já não se aguentava mais de pé, então se sentou no chão do banheiro, encolhido tentando fazer com o frio passasse.
Já não tinha mais certeza se era um ataque de pânico.
Ele nunca teve uma overdose antes para saber quais os efeitos, mas já viu acontecer, e pelo que lembrava era bem parecido com o que sentia.
Mas não tinha ideia do que fazer. Na verdade mal tinha consciência, sua mente ficava mais nublada a cada minuto. Seus ouvidos pareciam tampados, os sons distantes. A cada segundo sua mente parecia se apagar mais.
O que o mantinha acordado agora era uma insistente vibração em seu corpo, que cessou por um minuto e voltou a lhe atormentar.
No momento ele já não pensava mais em nada, tudo que sentia era aquela sensação ruim de frio excessivo, dor no corpo inteiro e muito sono. Aos poucos ele se entregava para a inconsistência.
Passando a mão pelo corpo numa falha tentativa de se esquentar, ele sentiu a vibração vindo da barra de sua calça. Era seu celular. Ele nem lembrava que tinha um celular. Podia ser única chance de salvação.
Com dificuldade pelos músculos flácidos ele tirou o celular da cintura e virou a tela para si. Não conseguia enxergar nada além do clarão que machucava seus olhos, mas sentiu que ainda vibrava. Ele passou o dedo pela tela até que o aparelho parou de vibrar.
Com dificuldade ele levou até o ouvido e ouviu o ruído do outro lado da ligação.
— Scott...? — foi o que ele conseguiu dizer, tão baixo que talvez o amigo nem tenha escutado.
Alguém disse algo do outro lado da linha, mas ele não entendia nada. Nem tinha certeza se era Scott, só sabia que precisava pedir ajuda ou morreria.
— Scot-Eu preciso... de ajuda — sua voz era fraca e sumia cada vez mais — Scott...
Ele chorava como uma criança quando perdeu de vez a consciência.
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