II
Stiles dorme tranquilo. Sua cabeça parece estar longe do corpo, leve. Aos poucos ele volta a consciência. Alguém o chama.
Ele resmunga descontente ao notar como seu corpo está dolorido. Sua cabeça vazia, sem lembranças. Ele tenta lembrar onde está mas nada lhe vem. Tenta abrir os olhos e a claridade os machuca.
— Ei garoto! — alguém o chama novamente. O cutuca.
Aos poucos ele acorda de vez. Abre os olhos e vê dois policiais a sua frente. Ele está deitado no chão, escorado em sacos pretos cheios de lixo fedorento. Provavelmente deve ter apagado ali como frequentemente acontece.
— Levanta daí — ralha o policial.
Mesmo com o corpo pesando toneladas ele se força a levantar. Não está afim de tomar umas cacetadas dos policiais como café da manhã.
— Você tá chapado? — questionou o outro policial, o mais jovem.
— Eu to legal — respondeu ele. A voz fraca e rouca. Sua garganta implora por água.
— Não parece! — diz o policial ranzinza — Da o fora daqui antes que eu te leve pra delegacia.
Ao procurar por sua mochila ele não encontra. Não está em lugar do beco.
— Minha mochila sumiu. Alguém deve ter roubado — informa aos policiais recebendo risadas como resposta.
— Deveria ter pensado melhor antes de se enfiar em um beco e ficar chapado a noite inteira — respondeu o polícia.
— Você não entendi. Tudo o que eu tenho tá dentro daquela mochila. Eu preciso dela.
— Garoto, vai procurar ajuda. Volta pros seus pais — diz o policial como se ele fosse um doente mental perdido.
— Não é a porra do seu trabalho pegar esses ladrões de merda? Roubaram as minhas coisas — diz ele já irritado. Péssima escolha.
Antes que pudesse pensar o cassetete de ferro frio do policial já batia em sua cabeça, lhe causando ainda mais dor. Ele vomita no chão.
— É bom pensar duas vezes antes de falar assim com um oficial seu merdinha. Não estamos nem aí pra porra da sua mochila roubada. Agora da o fora daqui. E se te pegarmos chapado por aqui de novo você vai preso.
Mesmo contrariado ele vai embora. Agora pior que antes.
Ele não mentiu. Tudo o que tinha estava naquela mochila. Não que fosse muita coisa, ou algo de valor, mas ainda assim era tudo era tudo o que sobrou de sua antiga vida.
Muitos o perguntam o que foi que aconteceu de tão radical em sua vida para ele parar ali vivendo aquele tipo de vida. Tão jovem e tão decadente. Sem teto, transando com qualquer um em troca de dinheiro, um dependente químico fudido da vida.
Bom, tudo começou a cinco anos, depois de ele se descobrir sexualmente. Mesmo tento certa atração por mulheres, descobriu que prefere homens. Seu pai, tradicional como era, não aceitou essa condição e impôs que o filho fosse normal. Foram meses e meses de brigas diárias. Sua mãe era o único motivo de eles não terem matado um ao outro. Porém tudo desmoronou depois que ela morreu.
Fraco mentalmente e se sentindo solitário ele entrou no mundo das drogas. O plano era apenas uma ocupação para a mente nas horas vagas, porém ele se viu perdido depois de seu corpo se viciar em heroína. Dali em diante foi só ladeira abaixo.
Seu pai o expulsou de casa. Ele largou a escola. Abandonou os amigos. Scott foi o único que o ajudou e ficou ao seu lado. Após terminar o ensino médio Scott se mudou para NY com a namorada Alisson, levando Stiles à reboque.
Por um ano até deu certo. Stiles voltou a estudar, se desintoxicou e até arranjou um emprego e um apartamento para morar sozinho.
Durou até ele conhecer a vizinha Meredith. Uma viciada que adora festas. E mais uma vez ele recaiu. Afastou-se de vez de Scott e foi viver sua vida miserável.
Quando já não tinha mais emprego e nem mais o que vender dentro de casa ele entrou para o ramo de prostituir-se através de sites adultos.
Uma buzina alta o tira dos devaneios e o jovem percebe que está parado no meio da rua movimentada. Ele se apressa em sair dali.
Tudo ainda está meio confuso em sua mente. Aos poucos ele se lembra da noite que teve ao lado do moreno bonito. Lembra de como sentiu prazer com ele. Lembra de como ele foi expulso do quarto de hotel depois de receber seu dinheiro.
Ele tateou os bolsos da calça eufórico, a procura de algum dinheiro. Encontrou seu celular e uma nota de dez dólares. Por sorte seu celular não estava na mochila. Já os outros 190 dólares tiveram destinos certos logo após a saída daquele prédio.
O jovem suspira derrotado. Ao menos lhe sobrou dinheiro para o almoço.
Ele anda pelas ruas movimentadas em direção ao Central Park, onde ele sempre fica durante o dia. Algumas pessoas o olham torto, provavelmente por ele estar fedendo como um monte de lixo. Ele não liga, é normal receber olhares tortos.
Ao chegar no lugar mais afastado do park, onde o movimento era pouco aquela hora do dia, ele se deitou na grama debaixo de uma árvore, após beber quase um litro de água na fonte.
Seu corpo todo reclama quando se estica no chão frio e úmido. Nessas horas ele se deixa fantasiar e pensar em como sua vida seria diferente se ele não fosse como é. Talvez ainda estivesse morando com seu pai na Califórnia. Talvez estivesse cursando uma faculdade e tendo uma vida normal de um jovem.
Porém tudo aquilo era consequência das escolhas dele. Não podia reclamar.
Seu celular começou a vibrar em seu bolso. Ele o pegou e avaliou o número da chamada. Scott. Todos os dias seu amigo lhe liga. Ou ele ou Alisson. Mas quase nunca Stiles atende. Principalmente em dias como aquele.
Ele deixa a chamada ir para a caixa postal e repara a hora no display todo rachado. Duas horas da tarde. A foto de um Stiles mais novo, sorridente e saudável junto do melhor amigo na tela de bloqueio parece rir de sua desgraça.
Precisa trocar aquela foto.
Ele percebe uma nova mensagem do aplicativo de relacionamentos. Abre. É o Lobo Mal. Marcando mais um encontro ainda naquela noite. Ele não sabe se fica feliz ou decepcionado. Transar com ele significa ter prazer intenso e receber a mais, mas também significa que ele ficará sem lugar para passar a noite. Um grande dilema.
Ele decide aceitar. Afinal precisava do dinheiro.
Mais uma chamada de Scott e mais uma rodada de vômitos e ele saiu do park. Precisava tomar um banho e se limpar. Não podia ir a um encontro do modo como estava.
Desde que começou com esse trabalho ele nunca mais voltou a casa de Scott. Não podia macular a residência dos amigos com sua sujeira de corpos estranhos.
Meredith ainda era a única pessoa que ele podia contar quando precisava de algo. E foi para a casa dela que ele se dirigiu.
Ao chegar tocou a campainha e esperou. O prédio é decadente e bagunçado, numa área periférica do queen's. O prédio onde ele tinha morado tempos atrás, antes de perder tudo.
— Stiles?! — diz a mulher ao abrir a porta. Pela sua cara ela tinha acabado de acordar — faz tempo que não aparece. Entra.
Ele entra no já conhecido apartamento. Estava o mesmo lixão de sempre. O forte cheiro de maconha e comida estragada lhe causa nostalgia e ânsia. Sai desviando das coisas no chão indo até a cozinha à procura de água.
— Cara você tá péssimo. E fedendo muito — diz a mulher enquanto acende um cigarro de maconha.
— Eu me sinto péssimo. E acabei apagando no meio do lixo.
— Você sabe que pode vim dormir aqui sempre que quiser.
— Não gosto de incomodar ninguém.
— Pelo movimento aqui dessa casa eu diria que você seria o incomodado. Mas eu entendo como é.
Eles ficaram em silêncio por um tempo. Aquela era uma amizade estranha. Ambos não sabiam quase nada da vida um do outro mesmo se conhecendo a três anos, mas tinham uma conexão como se se conhecessem a anos.
— tem alguma roupa aí pra mim? — Stiles perguntou. Ele precisava trocar aquela roupa podre. Não podia ir a um encontro fedendo como um gambá.
— Talvez. Procura por aí. Vou fazer um café.
Ele procurou. Primeiro no armário do quarto, na esperança de achar algo limpo e descente. Nada. Nem jogado pela casa no meio das roupas de outras pessoas esquecidas ali. A solução era usar roupa feminina. Por sorte Meredith era tão magra quanto ele.
Tomou um longo banho e aparou todos os pelos do corpo com a máquina que estava esquecida ali no banheiro. Cortou também o cabelo que já estava começando a crescer, o deixando bem baixo. Ele não tem tempo e nem mente pra cuidar de uma moita de cabelo. Depois do banho vestiu-se. A calça ficou amaçando suas bolas, mas ao menos era aparentemente nova. A camiseta branca fina foi a única que achou limpa. Passaria frio mas era melhor que o fedor de sua jaqueta vermelha.
Ele tomou do café de Meredith e saiu para a rua. Precisava comer algo antes das intensas atividades físicas que faria. Mesmo que sem fome e ainda meio enjoado ele forçou o sanduíche a entrar no estômago.
Agora era só esperar.
Ele se dirigiu até a mesma esquina da noite passada e esperou. Já era noite e esperaria pouco tempo. Era só ficar de boa e observar as vitrines das lojas ao seu lado.
Porém suas teve seus planos frustrados ao ouvir alguém chamar seu nome com uma voz assustada.
— Stiles? — diz a voz feminina o assustando. Ele conhece aquela voz.
Ao se virar seus olhos alcançam a bela moça com sacolas da loja de onde saia nas mãos. Com olhos arregalados ela se aproxima dele. Tem lágrimas em seus olhos.
— Ah meu Deus. Você está bem? — questiona a moça, lhe avaliando com olhos preocupados.
— Eu estou bem, Alisson — ele responde contrariado. Não queria que ela o tivesse visto assim.
— Você não tá bem Stiles — ela afirma, a voz dura de quem se gosta da pessoa a ponto de brigar por ela — Você está magro demais. Mais pálido que o normal. O que foi esse machucado na sua cabeça? Por onde você anda? Porque não atende nossas ligações?
— Eu já disso que tô bem. Ando muito ocupado ultimamente por isso não atendo — mentiu.
— Você teve outra recaída não foi?! — foi mais uma afirmação do que uma pergunta.
E aquele é o motivo dele se afastar dos amigos. Eles não entendem. Não é culpa dele que isso aconteça. Não é como se ele quisesse passar dias e dias seguidos transando e se drogando. É algo maior que ele.
— Como vocês estão? —
— Não tente mudar de assunto. Eu sei quando você não tá limpo.
— Alisson, por favor vai embora.
— Stiles, vem comigo. Vamos pra casa. Nós vamos te ajudar. Nós sempre te ajudamos — implora a moça já chorando. As pessoas na rua os assistem.
— Eu não vou Alisson. Eu não preciso de ajuda. Eu tô legal. Só parem de me tratar como uma criança — diz já irritado.
— Então pare de agir como uma criança!
Eles ficaram em silêncio, apenas se encarando. Stiles treme mais agora, pelo frio e pelo nervoso. Não gosta de ser duro assim com Alisson, mas as vezes é necessário. Ele não pode mais ser um fardo para os amigos.
Para sua sorte o lobo mal chega mais cedo e para na beira da calçada. Ele lança um último olhar cheio de emoção para a garota a sua frente.
— Tchau Alisson.
Entra no carro e se recusa a derramar as lágrimas que embaçam seus olhos. O homem arranca dali cantando pneu. Não diz nada. Talvez ele nem tenha percebido o que acontecia naquela esquina. Era melhor assim.
Stiles se assusta quando o homem joga algo em seu colo. Ele estava perdido em pensamentos e não escutou o que quer que ele tenha dito. É uma jaqueta.
— Pode usar — diz o lobo.
Só então ele percebeu que tremia como uma vara verde. Mas não é só de frio. Mesmo assim ele veste a jaqueta de couro preta que o lobo lhe entregou. É cheirosa e confortável. Ele agradece.
O silêncio se estende pela noite. Eles vão para o mesmo hotel doutrora.
Stiles está meio travado. O encontro com Alisson mexeu com sua mente. Desencadeou lembranças boas e ruins. O faz odiar a si mesmo. E esse ódio cresceu em seu peito.
Ele não esperou pelo moreno. Foi logo o atacando e tirando sua roupa. Partindo para o boquete em seguida, sem aviso, indo o mais fundo que consegue, lhe causando dor. Só assim ele esquece de toda a merda da sua vida.
O lobo entra no clima e agarra o jovem amante o jogando na cama. Beijando, mordendo, acariciando. Stiles fica por cima e sem aviso ou preparo senta no membro do outro, lhe causando mais dor. Ele segura o máximo que pode as lágrimas.
Eles gemem e se apertam durante a ato. A pele de Stiles vermelha com as marcas dos dedos do lobo. O pescoço molhado com a saliva dele.
O lobo inverte as posições, ficando por cima e aumentando a velocidade das estocadas, transformando a dor do jovem em prazer. O fazendo esquecer por instantes todas aquelas coisas ruins.
Em minutos os dois atingem o orgasmo juntos e Stiles não consegue mais segurar as lágrimas pesadas.
Ele já apanhou uma vez por chorar. Foi chamado de fraco e estupido. Mas ali ele não teve medo. Se sentia estranhamente entregue a aquele homem. Algo lhe dizia que ele não se importava de lhe chorando.
O homem o encarou, mas nada disse. Apenas se levantou da cama e o puxou junto. Stiles não tinha força nas pernas então o lobo o pegou no colo e juntos foram para o banho.
Transaram novamente debaixo da água corrente. Depois em meio aos lençóis e por fim ficaram em silêncio na varanda, fumando.
A cidade ainda estava a todo vapor lá embaixo. A mente de Stiles estava mais calma agora depois de toda aquela atividade. O torpor de quatro orgasmos seguidos percorrendo seu corpo.
— Eu não entendo uma coisa — diz o jovem, já incomodando com tanto silêncio. Eles ainda estão na sacada do hotel, ambos apenas de cueca e com um cigarro entre os dedos.
— O que? — perguntou o lobo sem olhar para ele.
— Porque alguém tão bonito e cheio de grana como você paga pra transar com alguém? Porra, deve ter dúzias de mulheres se arrastando aos seus pés.
O moreno da uma longa tragada no cigarro antes de responder.
— O dinheiro é meu e gasto como quiser — disse seco — em relação às mulheres é verdade, mas não tenho interesse algum nelas.
— Ha! Mas tenho certeza que com esse abdômen aí qualquer homem também se derreta.
— O motivo não interessa, garoto. Deveria agradecer por ter alguém te pagando.
Stiles ficou incomodado com a resposta. Não era isso que queria ouvir.
O homem terminou de fumar e voltou para dentro do quarto. Stiles o acompanhou, se preparando para implorar ao moreno para passar a noite ali. Porém se surpreendeu ao encontrar o homem já se arrumando para sair.
O dinheiro estava em cima da cama.
— Você vai embora! — diz o óbvio.
— Você pode ficar se quiser. Já paguei pela noite toda.
O homem oferece e Stiles aceita de prontidão e sem discutir. Antes de sair o homem vai até ele e lhe dá um último beijo quente.
Stiles fica parado no meio do quarto sem saber o que fazer por alguns segundos, até correr ao frigobar e entornar a garrafa de cerveja mais cara do local.
Pega seu celular e digita uma mensagem para Jackson, seu fornecedor e pau amigo. Aquela seria uma longa noite.
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