Capítulo 02 - Fadas
— Deite - se e tenha bons sonhos. Quando acordar, vai ver que as coisas vão parecer muito menores que parecem agora. — Depois que o mais alto dos gritos ecoara pela sala de estar, Carlota imediatamente pensou que Plumo precisava de um bom descanso, e agora ajeitava algumas cobertas por cima dele, para que estivesse protegido caso o vento resolvesse soprar mais forte durante o resto da noite.
Mas ela estava enganada se pensou que ele fosse mesmo dormir. Ele de fato parecia ter sono, e Carlota podia contar algumas vezes que o pilhara fechando involuntariamente o olho esquerdo e deixando escapar um bocejo. Mas Plumo era um anjinho irrequieto demais para dormir em lugar como aquele, onde tudo lhe chamava atenção.
— Fique aqui, não vá.— Ela já ia se virando para a porta, e estava prestes a fechá-la num impulso, quando a vozinha fraca a fez virar novamente para trás e olhar para a cama.
Plumo se livrava das cobertas, lentamente, e se sentava com as pernas cruzadas. O olhar curioso fitava cada canto do lugar.
— Você acha mesmo que eu vou poder voar de novo? — Ele tinha agora a voz cambaleante, quase sumida, e seus olhinhos fitavam o chão. Ele entendia, pela primeira vez, o que era sentir medo.
Talvez ela não devesse, mas ali, no fundo, tão bem guardado que ninguém mesmo poderia ver, Carlota teve vontade de sorrir mais uma vez. Você talvez pense que é crueldade, sorrir em um momento como esse, mas não a julgue, aquela seria a primeira vez que ela o enxergaria não como uma criatura fantástica, mas como um menininho comum. Ela notou que duas pequenas lágrimas pingavam de seu rostinho sardento, e estranhamente se sentiu feliz por isso.
Quis afaga-lo, coloca-lo no colo para lhe dizer doces palavras de carinho, e por um instante, ela quase esqueceu que ele era um anjo. No fundo, sentiu aquilo que as pessoas costumam sentir quando reencontram alguém muito próximo que há muito tempo não se vê.
— Eu acho. Eu acho sim que você vai poder voar de novo.
Ele a olhou, enquanto enrolava parte do cabelo ruivo nos dedos, impaciente.
— De qualquer forma, talvez seja melhor eu me acostumar logo com a vida dos humanos. Não sei até quanto tempo terei que me passar por um deles.
— Feche os olhos, e só abra quando eu disser. - Carlota não escondia uma expressão radiante no rosto, e acho que deve ter sido essa mesma expressão que fez com que Plumo se sentisse invadido por uma onda de coragem. É estranho, porque ele volta e meia se sentia assim, como se alguma coisa estivesse gritando dentro dele e o chamando por aventuras, mas dessa vez ele soube que foi diferente. Era como se, agora, ele realmente precisasse ter coragem.
Ele fechou os olhos, e Carlota se perguntava se havia mesmo visto duas lágrimas pingarem dali, porque, de algum modo, não havia mais sinal delas.
—Posso abrir?
— Só quando eu disser.
— E agora, posso abri... - Mas ele não pôde continuar, uma pequena melodia invadia o ar. Plumo pensou que era uma melodia muito parecida com os sons que as fadas fazem, e imediatamente se pôs a perguntar se havia uma naquele quarto.
Depois, uma nova melodia.
E outra, e outra.
Agora já eram várias melodias, tocando ao mesmo tempo, todas muito parecidas com os sons que as fadas fazem, e Plumo instintivamente achou que deveria abrir os olhos, antes mesmo que Carlota dissesse em sua voz radiante:
— Pronto, pode abrir!
Não eram fadas, mas Plumo arregalou os olhos e bateu palmas, como se fossem, mesmo. Seus olhinhos se tornavam maiores, maiores, e por um instante, eles quase pareceram que iam saltar dali, dando pinotes do mais puro encantamento.
— É... É maravilhoso! - Foi tudo quanto conseguiu dizer. Ele ainda tentava recuperar o fôlego.
Quando via coisas assim, maravilhosas a ponto de querer saltar-lhe os olhos, Plumo sentia uma irresistível vontade de voar. Era o que estava sentindo agora, mas ele incrivelmente não se entristeceu, e não havia por seu rostinho curioso nenhum sinal de que pudesse ter se abatido. Ele não podia mais voar, é verdade, mas poderia dançar, se quisesse. Era o que faziam as pessoas que não tinham asas, não era?
— O que são essas coisinhas?— Ele disse, chegando mais perto para vê - las melhor — Me parecem pequeninas demais, e no entanto, sabem fazer sons tão maravilhosos quanto qualquer espécie de harpa. — Seus olhinhos brilhavam - Parecem... Parecem sons de fadas.
Carlota voltou o olhar para a janela, e viu árvores balouçarem forte seus galhos. Estavam fazendo mágica, ela sabia.
— Essas coisas se chamam caixinhas de música— Ela disse — Fazem mesmo um som muito parecido com o das fadas, porque de fato o são. Sabe, Plumo, quando as fadas fazem alguma coisa muito, muito feia, elas são castigadas e obrigadas a morar numa dessas caixinhas. Só existe mesmo uma coisa que pode quebrar o feitiço, e é quando elas cantam a mesma música tantas vezes que quase se esquecem como é o mundo lá fora.
— Quase se esquecem como é o mundo lá fora? — Ele perguntou, assombrado.
— Sim. E elas só podem cantar se algum humano de bom coração encontrar alguma dessas caixinhas e der corda nelas. É por isso que tenho tantas. Vez ou outra alguma para de dar corda, e quando isso acontece, eu sei que uma fada foi libertada. E que muito provavelmente foi cantar em algum outro lugar, bem distante daqui.
—Você... Você já viu uma fada ser libertada?
—Oh, sim, eu acho que já vi, algumas vezes, mas é impossível saber se era mesmo uma fada, porque elas são tão rápidas e partem com tanta velocidade que podem muito bem acabar sendo confundidas com um vaga-lume.
— Disso eu sei! - Plumo gritou, e bateu palmas — Conheço algumas, e elas são mesmo muito rápidas. Eu quase nunca consigo acompanhá-las quando estou voando.
De súbito, alguma coisa pareceu iluminar mais uma vez o rosto de Carlota.
— Me siga, tenho uma coisa que você vai gostar. — Ela se virava para a porta e saía pelo corredor, subindo algumas escadarias que Plumo nem sabia que estavam ali. De súbito, ela parou em frente á uma nova portinha e a abriu, devagar, revelando um lugar repleto de umas coisas enormes que o anjinho sabia que se chamavam estantes.
Havia também uma poltrona, ali no meio, e cortinas cheias de uns desenhos que ele imediatamente achou "fascinantes". Elas estavam abertas, e podia-se ver ali uma porta de vidro que levava à uma sacada. Dali, era possível ver todas as estrelas, e um céu muito escuro pelo qual Plumo já havia se aventurado incontáveis vezes.
Ele revirava tudo com seus olhinhos inquietos, mas foram aquelas coisas empilhadas nas estantes que lhe chamaram a atenção primeiro.
— São livros — Carlota disse, enquanto pegava um deles e se inclinava para se sentar na poltrona.
—Livros— Plumo repetiu, baixinho — Também existem fadas presas dentro deles?
Carlota riu-se.
— Existem, sim. E muitas outras coisas, também. Terras distantes, princesas no alto de torres, príncipes montados á cavalos, castelos, espadas...
— Oh! E existe também um meio de libertá-los?
— Existe, sim.— Ela tinha um olhar sonhador— Venha se sentar aqui ao meu lado e verá.
Ele se sentou, e até mesmo as estrelas arregalaram bem os olhos para não perder um segundinho do que se seguiu daquele momento em diante.
Carlota lia em voz alta o que aquelas páginas diziam, e Plumo pôde ver que coisas extraordinárias saltavam dali. Terras distantes, princesas no alto de torres, príncipes montados à cavalo, castelos, espadas.
Ele sentiu escapar um bocejo, depois outro, e outro, e finalmente soube que poderia dormir agora. Deu uma última olhada para as estrelas, e lhes disse alguma coisa baixinho. Ele iria sonhar, sonhar com livros e caixinhas de músicas, e mal esperava a hora de acordar, outra vez.
O dia seguinte lhe reservava surpresas, e ele sabia disso. Lhe reservava aventuras. Por um instante, ele quase pareceu esquecer o fato de que não podia mais voar. Sentiu seus olhos pesarem, pouco á pouco, e adormeceu.
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