Con†o 21 - O Ventriloco
— Por que você está aqui? — perguntou o homem deitado em uma cama de concreto ao lado da minha.
Não o respondi, apenas continuei observando o teto mofado iluminado pelo brilho da lua que vinha de uma pequena janela com grades.
— Bom, esse é seu segundo dia aqui, não conversar vai deixar tudo pior, a solidão pode ser seu pior inimigo. — O homem insistiu.
Eu até concordo com o que ele diz, mas não quero falar, a situação em que me encontro indica que mais nada vale a pena, apenas esperar a morte.
— Eu estou aqui a seis malditos meses, sabe por que? — o homem quer mesmo conversar — Pensão — cotinuou falando sob o meu silêncio — Sinto falta do meu filho, ela não deixava nem eu vê-lo, briguei por um longo tempo na justiça, tudo em vão. Ela nunca havia exigido pensão, mas eu sempre dava, os advogados comeram todo meu dinheiro, ela sabia disso e, pra me foder, começou a exigir pensão, eu deveria ter matado aquela desgraçada, daria na mesma, eu viria pro mesmo lugar.
Ele parou de falar por alguns segundos enquanto também observa o teto, mas eu sabia que não pararia por aí, afinal, ele gosta mesmo de conversar.
— Bom, não precisa falar se não quiser, eu só queria entender o por que você quis vir para cá, ninguém quer vir parar nesse maldito lugar.
— Como sabe que eu quis vir pra cá? — enfim, falei alguma coisa.
— Aqui a gente sabe a ficha de quem vai dividir o mesmo espaço que a gente, isso também ajuda quando é algum estuprador ou pedofilo, aí o tratamento já é especial. — deu um sorriso. — Mas então, tudo o que eu sei é que você se entregou pra polícia, só quero entender o motivo, não tentou nem ao menos fugir.
Fugir... a palavra que não faz sentido desde hoje de manhã. Começo a soar, sinto meus músculos tremerem e minha pele gelada... Eu só queria esquecer tudo o que aconteceu, mas parece que isso é algo que não vai acontecer.
— Já ouviu falar do Sr. Edgar e o incrível Olavo?
— O ventriloco, sim, lembro de tê-lo visto na TV quando eu era menor, o boneco falava e Sr. Edgar praticamente nem abria a boca, mas por que está me perguntando isso?
— Eu e meu parceiro de estrada, Jhon Connor, nós eramos assaltantes aventureiros, ficávamos indo de cidade em cidade assaltando tudo o que podíamos, apesar de não ser uma vida honesta, era a vida que havíamos escolhido, assaltar para sobreviver...
— Seu amigo fugiu?
— No último assalto tudo deu errado, o carro quebrou no meio da fulga e tivemos que adentrar no meio da floresta para fugir, foi onde encontramos uma casa, a casa do Sr. Edgar e daquele maldito boneco.
Dei uma pausa para mim mesmo, relembrar tudo me causa certo desconforto, ao contrário do homem falador deitado na cama de concreto ao meu lado, que dessa vez não fala, apenas escuta com precisão tudo o que eu digo.
— Aquela maldita casa que não deveríamos ter entrado. — Continuei. – Uma casa antiga e bem conservada, parecia escondida entre as árvores daquela floresta. Estávamos com um saco de dinheiro e não tinhamos pra onde ir, relampejava, uma tempestade estava prestes a cair, decidimos entrar na casa pela porta dos fundos, parecia estar vazia, ela parecia abandonada, os móveis antigos e o chão amadeirado empoeirados davam o ar de uma casa abandonada, mas não, não estava abandonada.
— Edgar estava lá? — O homem me interrompe com sua curiosidade.
— Tinha mais que Edgar lá. — dou uma pausa tentando não surtar com as lembranças. — assim que entramos na casa escura ouvimos vozes e uma luz que vinha da sala, era a TV, estava ligada, passava um vídeo antigo do Sr. Edgar e do incrível Olavo, uma velha estava sentada no sofá, tricotando roupas de bebê e assistindo a TV. — me lembrar disso me causou mais arrepios. — Nos aproximamos com cautela e notamos que a velha no sofá era Margaret, filha de Edgar e também sua assistente de palco.
— Eu me lembro dela, ela era bem bonita, um show a parte, mas eu não estou entendendo onde está querendo chegar.
— Nos aproximamos com cautela da velha, Jhon colocou a arma em sua cabeça e disse para ela não se mexer, ali tivemos a chance de sair daquela casa. — suspiro profundamente. — A mulher se assustou, ela pedia para que nós saissemos da casa, que não deveríamos estar ali, nós ouvimos seus pedidos desesperados, porém, não estávamos dispostos a sair, pelo menos não até a tempestade parar e a poeira baixar. Jhon rasgou a própria camisa e fez uma mordaça para calar a mulher e enquanto tomava conta da mulher com a arma na cabeça dela eu fui averiguar a casa para ver se tinha mais alguém, assim que eu me virei um relâmpago clareou toda a sala e em seguida a TV desligou, havia caído a energia...
— Isso tá parecendo mais uma história de terror do que um motivo pra você estar aqui.
— Procurei alguma lanterna ou vela nas gavetas de uma cômoda velha que tinha na sala e entre alguns papéis velhos achei uma lanterna, com ela em mãos fui averiguar o resto da casa, sai da sala por um corredor longo a caminho de uma porta que se encontrava no final daquele corredor, coloquei a luz da lanterna nas paredes e vi alguns quadros de fotografias antigas que me chamaram a atenção, um deles tinha a fotografia em preto e branco do Sr. Edgar sentado e o boneco Olavo em seu colo, outro quadro tinha uma foto de Edgar e sua filha Margaret grávida, ambos sorrindo, em uma outra fotografia, que parecia menos judiada, mostrava Edgar e sua filha Margaret que já não estava mais grávida, não muito feliz, e outras duas fotografias daquelas paredes mostravam Sr. Edgar e Margaret ao lado daquele boneco, Olavo, apenas Margaret sorria.
Uma gastura me vem à tona, dominando todo o meu corpo, essas lembranças definivamente não fazem bem para mim, não sei o que é pior, a tentativa falha de esquecer tais lembranças ou tentar conviver com elas.
— É, isso tá ficando bem estranho. — disse o homem com um tom sarcástico. — Não sei se dou risada da sua mente fértil ou participo da sua imaginação e fico sem dormir.
Dou uma sutil risada da descrença do meu companheiro de cela, eu queria mesmo que tudo isso fosse apenas minha imaginação, que tudo isso não passasse de um pesadelo ruim onde eu me lembro de cada detalhe, quem me dera, se fosse esse o caso eu não estaria nessa situação, com um medo tão grande que eu nunca imaginei que sentiria, com o psicológico tão abalado quanto alguém que vê o próprio demônio.
— Após mais alguns passos cheguei até a porta e a abri, era um quarto, quando dirijo a luz da lanterna para a cama desse quarto me deparo com Sr. Edgar deitado coberto por um lençol sujo, velho, a pele toda enrrugada, um estado deplorável, parecia dormir em um sono profundo, sem dar mais nenhum passo, confiro o resto do quarto com a luz da lanterna, quando eu o vejo... — engulo a pouca saliva que se encontra em minha boca no momento. — Olavo, o boneco com o cabelo castanho, uma camisa branca e um macacão vermelho, os olhos pretos arregalados olhando em minha direção... a lanterna começa a falhar até que nenhum foco de luz saia mais dela, quando tudo ficou escuro eu escutei alguns passos no piso de madeira e corri assustado a caminho da sala, falei pra Jhon que deveriamos sair dali agora mesmo, eu estava com medo, eu estava com muito medo, Jhon apenas zombou de minha covardia, eu ja estava prestes a sair daquela casa mesmo que fosse sozinho, quando escuto, "Vocês fedem como defuntos, combina com vocês", após escutarmos essas palavras uma risada desordenada e em vários tons ecoou do corredor onde eu havia passado, quando olhamos vimos a sombra de alguém em pé no corredor, Jhon ignorou Margaret e apontou a arma para o corredor, um outro relâmpago revelou Sr. Edgar em pé naquele corredor com o Olavo em sua mão, ambos olhavam para nós, eu estava imóvel, minhas pernas haviam travado. Jhon disse para Edgar não se mexer ou ele atiraria, e então, vindo do escuro daquele corredor ouvimos em uma voz rouca " 1 passo mais perto do inferno..." junto disso escutamos cada passo dado pelo Sr. Edgar " 2 passos mais perto do inferno, 3 passos mais perto do inferno..." Jhon ameaçou atirar mais uma vez, os relâmpagos naquele momento eram mais frequentes, assim como os passos aumentavam o ritmo, junto com tais palavras que pareciam mais uma cantiga macabra " 4 passo mais perto do inferno, 5 passos mais perto do inferno, 6 passos..." Jhon não esperou para ver o que aconteceria, começou a atirar sem repúdio até que o velho caísse por inteiro no chão, após os disparos dados Margaret se jogou nas costas de Jhon e o derrubou, ela estava com uma das agulhas de tricô em suas mãos e com ela começou a desferir vários golpes por todo o corpo de Jhon, meu amigo gritava a cada golpe, os gritos cada vez mais abafados a cada apunhalada que Margaret dava, eu estava em pânico, os relâmpagos me mostravam em flashes toda a brutalidade com que Margareth atacava Jhon, em questão de 1 segundo vi a arma de Jhon no chão e para que meu destino não fosse o mesmo do meu amigo já sem vida no chão peguei a arma e com um único disparo acertei a cabeça de Margaret. Os relâmpagos ainda eram intensos, a cena do corredor com os 3 corpos cobertos por sangue e aquele maldito boneco caído ao lado de Edgar como se estivesse rindo, só perdi o foco de meus olhos quando a TV ligou novamente, " Eu tenho duas certezas na vida, da morte e que eu já me acostumei com o fedo desse velho..." era a voz de Olavo em um vídeo de uma apresentação do Sr. Edgar e o incrível Olavo passando mais uma vez, a platéia dava risada junto ao boneco, aquelas risadas fizeram com que eu largasse a arma e corresse pra fora daquela casa, corri por toda noite de baixo de chuva e entre as árvores daquela floresta, mesmo exausto eu continuei correndo até ver algumas luzes acesas, era uma pequena cidade...
— Tá bom, cara, se a intenção era me deixar com medo você conseguiu, mas você não espera que eu acredite que tudo isso realmente aconteceu, né?
Mesmo não acreditando posso sentir que realmente está com medo, mas quem sou eu para julga-lo, afinal, eu também estou.
— Eu apaguei de tanto cansaço antes mesmo de chegar naquela cidade. Quando acordei eu ainda estava assustado, no início até pensei ter sido algum tipo de pesadelo, mas não, definitivamente nao tinha sido um pesadelo, um mero pesadelo nao me deixaria em choque da forma como eu estava, então, sem demora, corri pra cidade e procurei alguma autoridade. Falei sobre a casa na floresta, falei que encontrariam o corpo de Edgar, de Margaret, do meu amigo Jhon Connor e Olavo, o boneco. Contei que um dos corpos que encontrariam na casa da floresta foi eu quem havia matado, contei que lá também encontrariam a arma usada e o dinheiro que tínhamos roubado na cidade antes de parar naquela casa.
— Eu te aconselho a inventar uma outra história, pois se contar essa história pros outros detentos você vai virar motivo de piadas. — disse o homem ao dar uma risada sutil.
— Os policiais encontraram a casa e logo após um deles me interrogou na delegacia, eles queriam entender, pois não encontraram Jhon e nem o boneco como eu havia dito que encontrariam, eu não sabia o que dizer, apenas entrei em desespero psicológico. Fui acusado por homicidio, pois Margaret estava morta e a arma usada continha minhas digitais, Sr. Edgar também foi encontrado, porém, não foram os tiros que o matou, a perícia disse que os órgãos do velho estavam podres, já em decomposição, Edgar ja havia morrido muitos anos atrás... minha mente deu um nó, ocasionado pelo medo que caiu como uma avalanche por todo meu corpo, eu não sabia o que dizer e nem o que pensar... Não era Edgar que controlava o boneco, era o boneco que controlava Edgar... tudo o que eu queria no momento era ser preso logo, algo sussurava em meus ouvidos que ele iria me encontrar, vir pra cá era a única forma daquela coisa não me encontrar, assim pensei, engano meu...
— Você acha que essa coisa pode te encontrar aqui? — desta vez pude sentir o pavor nas palavras do homem que já não está tão descrente como antes.
Eu não o respondi, apenas peguei um papel amassado em meu bolso e joguei em sua cama. O homem de forma receosa pega o papel, o desamassa e em uma voz trêmula lê o que está escrito " Você ainda fede como um defunto ".
— Encontrei isso em minha cama hoje de manhã quando acordei.
O homem falador e curioso não disse mais nada, apenas amassou o papel novamente, o jogou em mim, se virou em sua cama e se cobriu com seu cobertor dos pés a cabeça, ele está com medo, não mais que eu, mas sinto que está. Tudo o que aconteceu me deixa apavorado, as lembranças tensas me deixam assustado, mas o que me deixa com mais medo ainda é a sensação de saber que algo tão macabro existe e que a qualquer momento eu terei essa certeza novamente.
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