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O exorcista

Atenção! Este capítulo contém conteúdo sensível.

Acabei dormindo ao lado de Isadora, quando despertei já era quase fim de tarde e a aurora deixava os céus, os berros de Antônio já ultrapassavam aporta, sobressaltei quando ele veio até mim.

— Saia de perto da minha filha! — Vociferou, obrigando Dorinha a acordar num susto.

— Se controla Antônio! — Impôs sua esposa, ainda mais alto. Ajeitei minha roupa.

— O que deu em você? Saia da frente Celina! — Ordenou, surpreso com a imposição ríspida dela.

Celina bloqueou a passagem outra vez.

— Eu disse para se controlar, não vai tocar neles, isso é culpa sua — Apontou-lhe o dedo no peito, dizendo com uma calma perigosa.

— Onde está Miguel? Mande...

— Não! Já feriu demais meus filhos! — O empurrou para longe.

— Você se importa com o dinheiro! — Intervi, perdendo o resto de tolerância que havia em mim.

O homem de cabelos grisalhos duas vezes maior que eu tirou a esposa da frente e avançou em mim com a ira de um animal, no entanto foi parado por um golpe no ombro. Olhei aquilo, sem conseguir me mover.

— Achou que poderia me enganar? Agora elas vão pagar pela sua estupidez!

— Aquela voz surgiu de novo e o olhar de uma víbora surgiram quando ela cravou ainda mais fundo a cruz de madeira que caiu da parede horas antes nele.

Antônio gritou, ficando vulnerável, Celina e eu íamos tira-la de perto dele quando fomos afastados por uma força invisível que nos empurrou contra os móveis. Isadora cruzou a porta correndo.

— Eu vou atrás dela! — Avisei a ela, seguindo sua filha pela casa. A alcancei na escada, tentei segurá-la, porém ela me mordeu e na tentativa de se desvencilhar, acabamos caindo e rolando escada abaixo juntos.

Foi inútil, Isa conseguiu escapar, ou melhor... a força maligna que a controlava.

Continuei, meus ossos latejando de dor. Ela correu descalço e sem rumo até chegar à praça do centro da cidade, vazia àquele horário.

O sino do Convento tilintou, ecoando por toda rua.

De repente ela tomou o rumo da igreja, cheguei lá quando já tinha entrado, em frente à cruz em meio ao corredor, se virou, me lançando um olhar maléfico. Sentia minhas forças esvaindo aos poucos, ofegante, prestes a ser vencido.

— Deixa ela, eu te imploro, não a machuque! — Quase supliquei, mostrando meu medo, minha fraqueza ao cair de joelhos.

— O que você me dá em troca? Olhe para você, um mero garoto, enganado a vida toda, feito de tolo, você não me vale de nada! — Respondeu o demônio que a controlava através de sua voz, com desdenhar.

Rasguei o meu hábito, expondo o peito.

— Eu te ofereço a minha alma, em troca da dela! — Implorei entre lágrimas, de joelhos. A minha alma se despedaçava mais a cada palavra.

Talvez minha alma não valesse tanto, mas eu a entregaria se esse fosse o preço para ter minha amada de volta, para salva-la. 

As lâmpadas estouraram e as chamas das velas subiram com uma fúria anormal, ressaltando aqueles olhos do mal, as chamas reluziam sobre as írises transformadas, quase alcançando o teto.

Uma lágrima rolou pelo rosto dela, ali eu percebi que lutava com todas as forças, contra o dominar do mal.

Sua alma é tão valiosa quando diz, garoto? — Apreciou a minha tentativa entre os lábios.

— Eu te esconjuro Satã, aqui não é o seu lugar, saia! — A voz de Cícero interrompeu minha tentativa de barganhar com o diabo.

Ela se virou assustada, emitindo um som semelhante à rosnando quando viu a cruz na mão esquerda do padre.

Com que autoridade você me afronta, padre? — A voz trovejou pelo grande salão, fazendo-o estremecer inteiro como se tivesse sido bombardeado.

Me levantei, cada músculo fraquejando. 

Lute, lute por nós.

— Seus pecados o levarão para o inferno! — bradou, recuando sob o avançar dele em sua direção com a cruz erguida.

— Roberto, me ajude! — pediu, eu entendi o sinal em meio ao caos que estávamos enfrentando.

Corri, segurando-a pelos braços com toda minha força que parecia nada mediante seus movimentos bruscos, aquilo me doía mais do que facadas, mas não havia outro modo.

— Diga seu nome demônio, eu ordeno em nome do pai, do filho e Espírito Santo! — Exigi, olhando diretamente para ele através dos olhos de Dorinha.

— ¹Nos non relinquam! — Resistiu a voz demoníaca, sorrindo de maneira diabólica para mim.

Eu sabia que iria usar algo como aquela linguagem, estava falando diretamente comigo, o vínculo mais próximo dela naquele momento, queria enfraquecer minha força, pois sabia que eu não podia ajudar além daquilo, por não ser um padre ainda.

— Eu te esconjuro Satã, deixe esta moça! Aqui não é o seu lugar! Eu te ordeno, deixe este lugar sagrado em nome de Deus! — Pôs a cruz sobre a testa de Isadora, fervorosamente.

— NÃO! — Esbravejava, tentando escapar violentamente, me acertando no rosto e nas costelas devido à seus movimentos bruscos.

Uma ventania arrebatadora invadiu o salão, atingindo as portas com fúria e chegando a arrastar os bancos de madeira pela força.

Os objetos e a própria mesa foram arremessados no ar, alguns quase o acertaram, para impedir que continuasse a expulsão.

— Ave Maria, gratia plena... Ave Maria... — Continuou repetindo a oração, exorcizando o demônio, enquanto eu lutava para mantê-lo sob controle físico em meio aos gritos, os gritos de dor de Isadora.

Aquele foi o primeiro exorcismo que participei e o pior dia da minha vida.

O fogo começou a se alastrar, causando temor no exorcista, essa foi a brecha que o demônio usou para distrair-nos e se soltar num pulo astuto, me arremessando longe.

Bati a cabeça contra o vitral e o impacto violento o fez estraçalhar em mil pedaços sobre mim. Um clarão tomou conta de tudo e não vi mais nada.

Tradução do latim: 1-Nós não vamos sair.

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