Era noite de sexta-feira, a semana parecia ter demorado uma eternidade para passar. Amanhã seria o grande dia. Ajudei mamãe a preparar tudo o que precisava para levar ao hospital. Minha imaginação sempre ia muito além, e eu imaginava que seriam dias tensos. Mamãe com contrações, papai transtornado. Que haveria pressa. Tumultos... Mas estava acontecendo tudo o oposto disso. Mamãe estava ótima, até mesmo fez o jantar. Simples, mas fez. Ela estava tranquila. Papai trabalhou durante toda a semana. Com certeza eu era a mais a ansiosa. A cada instante perguntava a mamãe se ela estava se sentindo bem, e insisti ao papai que ele levasse mamãe ao hospital essa noite mesmo, ao invés de amanhã cedo. "Imagine! Pode acontecer alguma coisa!" eu dizia a todo instante.

- Amy, eu estou bem. De verdade. O médico disse que poderíamos esperar até mais uma semana. Mas senti que deveríamos fazer isso essa semana mesmo. Quando você nasceu, meu parto foi normal. Mas dessa vez eu não quero.

- Mamãe. Quero ter a paciência e calma que você tem!

- E você pode, florzinha! – Sorriu papai.

- Mas enquanto isso que tal terminarmos as lembrancinhas da Sarabi. Necessita-se ainda de alguns pequenos detalhes, e acho que precisamos fazer isso. Não é mesmo?

Mamãe sempre deixava as coisas para a última hora. Mas não por negligência. Talvez esse fosse o segredo dela. Ela deixava para pensar no assunto assim que eles estivessem próximos. As lembrancinhas de Sar eram pequenos sabonetes em forma de cactos. Ela havia produzido sozinha, com o aroma favorito dela: canela e mel. Hoje precisávamos embalar o restante. Mamãe havia escrito à mão um pequeno cartão dizendo como estava feliz com a chegada do bebê.

- Filha. Você sabe porque a mamãe gosta tanto de cactos? Todos preferem rosas, violetas e orquídeas... Mas eu escolho cactos. Talvez eles não tenham evidente "beleza" como tais, mas eles têm muito mais a nos dizer e ensinar!

- Como assim, mamãe?

- Cactos permanecem. Cactos insistem. Enquanto uma flor – que, sem dúvida alguma, é belíssima – mas é frágil, e sensível. Um simples toque pode desmanchá-la. Elas se dão ao luxo de escolher a estação adequada para desabrochar. Mas os cactos permanecem o ano inteiro. Faça chuva ou faça sol. Basta apenas haver luz. O pouco é suficiente pra eles. Eles resistem ao frio com a esperança que o calor logo irá chegar. Resistem aos raios de sol festejando. E os espinhos o protegem de fatalidades. Mas isso também não quer dizer que cactos são cruéis. Eles apenas preservam. Cuidam. Resguardam! Assim como nós protegemos você, meu bem. E com todo esse cuidado, depois de um tempo, ele também floresce! E que bela flor! Majestosa. Delicada e decidida. Decidida a evoluir e se sobressair em meio aos obstáculos. Sobrevivem em meio ao caos. O amor faz a flor do cacto crescer, diferentemente das flores comuns, que tem data e prazo de validade. Isso sim é ter resiliência!

- E eu tenho a opção de escolher seu um cacto ou uma flor, mamãe?

- Bom. Às vezes, quase sempre, nós temos a opção sim. Isso depende de como nós encaramos as coisas. Lembra quando seu vô ficou doente? A saúde dele estava péssima. Ele parecia não ter muita escolha a não ser aceitar tudo aquilo, e tinha até razão para se queixar e reclamar. Mas mesmo com tudo que passou ele sempre foi tão forte. Encontrava motivos todos os dias para sorrir. Ele sempre agradecia. Todos os dias. Anos depois que ele faleceu, encontrei um pequeno caderno, cada página havia 5 coisas escritas. E eram sempre coisas boas. No final a data do dia. Eram coisas como: "recebi uma visita de um velho amigo." "Senti o sabor doce do bolo que minha filha fez." "Caminhei por alguns minutos."

- Era o caderninho da gratidão!

- Isso mesmo, Amy. Por mais duro que o "tempo" estivesse sendo com ele, por mais frio ou escuro que a doença estava sendo para ele, mais os "espinhos" dele o ajudavam a suportar. E esses espinhos eram as suas atitudes e suas qualidades. É verdade que tudo isso no final também foi embora junto com ele. Mas talvez tenha prolongado os seus dias, e feito desses poucos dias, mais agradáveis e não tão assustadores. Enxergar o lado bom até onde não parece existir. Seu vô aprendeu isso de uma forma dura e cruel. Mas também ensinou o melhor para cada um de nós! Ele iria amar tanto você, Amy. Você tem o jeitinho dele. Seriam grandes amigos.

Eu fiquei tão emocionada quando ela disse que eu parecia com ele. "Quem me dera ser assim", pensei. Mas então havia essa opção. "Eu posso ser um cacto!" Mal sabia eu o quanto eu realmente iria lembrar disso e tentar ser um grande e forte cacto!

Estava tarde quando terminamos as lembrancinhas da Sarabi. Ficaram tão fofas! Colocamos cada sabonete em uma embalagem com uma fita verde claro, em um laço perfeito que só papai conseguira fazer. Eu e mamãe tínhamos um total de zero habilidade para fazer laços em fitas de cetim. "Parece fácil, mas é difícil!". Tomei uma ducha antes de dormir, por incrível que pareça adormeci tão rápido quanto uma pena. E logo, logo o dia já estava começando mais uma vez...