Prólogo
PASSE LIVRE
PRÓLOGO
Sabe aquela agonia de ver os minutos passando e não ter a possibilidade de fazer nada além de apressar o passo?
Atrasar era comum para mim, mas nunca me acostumei com a aflição que isso me causava. Aqueles minutos finais, antes de chegar em algum compromisso, acabavam com meu equilíbrio porque eu sabia o quanto era chato ter que esperar por alguém.
Estranho me apresentar assim, não é? Mesmo que seja o meu eu do passado, ainda é esquisito me expor logo de cara com um defeito. Sou consciente de que com essa introdução facilito julgamentos precipitados sobre quem eu era e quem eu sou. Sei que posso confundir as pessoas contando esse meu lado desinteressante. Mas acontece que ser atrasada não diz muito sobre mim, porque nunca fui uma completa desordem. Pelo contrário, minha vida foi planejada a longo prazo. Sucedeu-se que, nessa época, eu era apenas uma jovem imatura com prioridades fora de ordem. Pensava que poderia fazer tudo e ser tudo.
Alguns me achavam arrogante, e talvez eu fosse mesmo. Entretanto, jamais poderiam dizer que me faltava talento, pois eu o tinha em alto padrão. Logo, aquilo que os outros chamavam de arrogância, para mim era segurança absoluta.
De acordo com tudo que eu acreditava, aprendi a carregar a responsabilidade moral que me foi herdada. Eu tinha muita vontade de vencer, provar minha capacidade e coragem. Eu não fazia o tipo que acovardava. Odiava fracassos e pessimismos. Lutava para acreditar que a essência precedia a existência, mesmo sendo fascinada pelo existencialismo de Satre. Mas eu também era astuta, sabia que simplesmente talento não me asseguraria muita coisa. Aprendi a me vestir adequadamente, a andar com a coluna ereta e a cabeça erguida. Aos poucos, meus contatos profissionais eram cada vez mais importantes. Minhas ações não eram em vão. Eu tinha um projeto e sabia onde queria chegar. Bastava permanecer focada.
Meu talento era meu hobby, meu trabalho e toda minha vida. Por isso, preenchi meus dias sem deixar lacunas de ociosidade. Estudei com afinco as grandes pessoas que fizeram história no mundo. As boas e as más. Fui de Gandhi a Hittler. Passei por Madre Teresa, Calvino, Mozart, Einstein, Marie Curie, Chaplin, Pelé, Borges e Senna. Todos tinham vários pontos em comuns, mas o que me chamou a atenção foi que eles estavam capacitados no tempo certo. Eles emergiram no momento exato e preencheram lacunas vazias. Todos! Tantos os bons, quanto os ruins, infelizmente.
Mas eu sabia que a hora da minha ascensão não tinha chegado. O que eu deveria fazer enquanto isso? Me qualificar! O tempo não era meu amigo e nem meu inimigo. Mas ele acontecia, e ainda acontece lento e contínuo, sempre seguindo em frente. Não tem como negociar com ele e muito menos barrar sua torturante ação ininterrupta. Não dá para rebobiná-lo. A gente só precisa saber como usá-lo, respeitando cada etapa de nossas existências. Aprendi isso muito rápido. Logo, o que me restava era cumprir meu papel na vida da melhor forma possível. Porém, fui para esse extremo no meio da minha jornada.
Imergida num ritmo frenético sem nunca "perder tempo", eu me vi exausta.
Foi controlando a minha vida, que percebi que eu não estava no controle. Quem regia os meus passos eram meus sonhos gananciosos e vaidosos. Eu tinha muito o que fazer e nada a dizer, porque não tinha uma real existência. Minha vida sempre estava no futuro, lá eu tinha certeza de que seria feliz.
Certo dia, após uma decepção, me perguntei o porquê de tanta euforia. Percebi o quanto eu era substituível em todas as coisas.
Então sabe o que aconteceu?
Mais um atraso. Mais um dia atarefado. Porém, eu já não tinha o mesmo entusiasmo. Apenas cumpria protocolos de maneira automática, seguindo com a vida até onde dava.
Mais um atraso no início de noite de uma segunda-feira foi o bastante para me levar ao melhor momento da ópera da minha vida; a ária. Sim! A ária é a canção que os espectadores aguardam o solista cantar suas emoções. Ela é o grande momento do cantor. Ela é o folego que se toma para seguir adiante. Aquele atraso foi o meu recitativo, uma prévia antes da ária. Foi ali que tudo começou se aguçar em mim. Foi ali que me vi diante de um futuro próximo, no qual eu encararia desafiadoras frases musicais que me exigiriam virtuosidade.
Nessa época, eu pensava que meu grande momento estaria ligado à tão cobiçada carreira. Mas, na maioria das vezes, coisas boas vêm de onde a gente menos espera.
Meu primeiro solo aconteceu sem aplausos, sem remuneração e sem prêmios. Na plateia existia apenas um espectador. Um solitário apreciador dos meus fraseados musicais. Apenas um para me tirar do meu mundo egocêntrico. Apenas um a me ensinar o que bastava para viver.
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