Ato 7
— Um, dois, três, up! — os bailarinos movimentavam-se em perfeita sincronia com a música e com as orientações de Margareth, a velha mestra de dança da companhia. Alguns tinham tanta intimidade com os passos que nem era necessário que John tocasse o piano.
Como ex-bailarina e há anos lecionando na mais renomada companhia de dança dos Estados Unidos, ela conheceu muitos dos melhores dançarinos do país e forjou verdadeiras pérolas para o balé mundial. Sabia reconhecer uma prima dona em potencial apenas vendo-a fazer um plié e um tendu.
E ela sabia que pelo menos três garotas teriam um brilhante futuro na carreira.
A professora passava em revista aos bailarinos, dando comandos, corrigindo-os quando erravam, pedindo-lhes calma quando a respiração ficava-lhes desnecessariamente tensa. Nina, uma das promessas para ser a melhor bailarina de sua geração, constantemente precisava ser lembrada todos os dias por Margareth que para relaxar, para que a dança dentro dela fluísse. Mas a filha de Érica Sayers não se conformava em não ser perfeita. A jovem parecia ter dentro de si algo que a impelia a dar o máximo.
Margareth parou ao lado de sua pupila, que a olhou sem perder a concentração dos exercícios e executando um pointé e um grand battement. Linda, a professora pensou. Esta percebeu que a jovem, ao saber-se analisada por sua mestra, esmerou-se em sorrir, parecer mais espontânea.
Ela não quer provar a si mesma que pode voar mais alto, mas também aos outros, pensou Margareth. Isso é perigoso.
— Não estou vendo fechamento de quinta! — a mulher bradou, continuando a andar e tocando no ombro de Hope, para que esta o baixasse. — Se querem ter futuro aqui, tem que fechar essa quinta, pessoal!
De frente para David, o bailarino escolhido para dançar o Príncipe Siegfried, Margareth viu Verônica na barra ao lado. Ao contrário dos outros dias, naquele ela estava usando só um collant preto e de manga comprida, sem saia, com meia calça rosa e sapatilhas de ponta Gaynor. Se Margareth pudesse, exigiria que as garotas só usassem collant e sapatilhas, nada mais. A extravagância das meninas de usarem saias, calças de moletom, impediam-na de ver se os músculos glúteos estavam trabalhando corretamente. Um bumbum durinho faz toda diferença, dizia sua primeira professora de balé.
Verônica era outra postulante a estrela do teatro, mesmo não tendo o mesmo carisma de Nina. De estilo mais aguerrido, impetuoso e dona de um ar altivo, a moça de cabelos negros e olhos verdes e puxados tinha o estilo americano, de acreditar que era a pessoa certa no momento certo. Quando dançava, sua couraça de autosuficiência transmutava-se em puro brilho, capaz de seduzir qualquer corpo de jurados.
Margareth pôs a palma de sua mão abaixo do queixo dela, empurrando-o levemente para cima. Olhar para baixo às vezes era um vício de Verônica que já começava a incomodar a mestra de dança.
— Olhe sempre para frente, ligeiramente para cima — Margareth enfatizou. — Bailarinas são altivas. Lembre-se disso! Altivas!
Verônica não se atrapalhou com a correção, continuando com sua sequência de pliés, grand jetés e outros passos que culminaram com uma pirouette para dentro da Barra que a colocou de frente com Nina. Como cada barra móvel tem capacidade para oito bailarinos, estes se dividem em dois grupos, com quatro de cada lado do aparelho, e inevitavelmente as duas se defrontaram. Nina semicerrou os lábios, evitando a confrontação e mirando um ponto vazio; Verônica apertou os lábios.
Alheia quanto à tensão entre as moças e ignorante quanto à cena protagonizada entre as duas no vestiário, Margareth prosseguiu andando ao largo das barras e por fim encontrou a terceira e última bailarina em quem depositava grandes expectativas.
A jovem e linda Jasmine. Uma garota loura, de olhos azuis e ar gracioso e inocente, que viera de Utah. Assim como Verônica, ela usava collant preto de manga comprida, polainas e sapatilhas rosas, sem saia ou meia calça. Aparentava ter apenas dezessete anos, embora tivesse vinte.
Jasmine viera com boas recomendações da companhia local de Utah, passando com louvores na audição. Tão quieta quanto Nina e segura como Verônica, a loura era uma mescla entre as duas.
Os port de bras desta menina são hipnotizadores, Margareth observou. Ela é linda como uma princesa e tem um potencial incrível. Logo será solista.
Nina, Verônica e Jasmine eram as mais completas da companhia. Logo abaixo de Beth Maclntire, claro.
A bailarina mais experiente - e também a mais velha da turma - permaneceu quase a aula toda ignorada numa das barras próxima à porta. Mas o que Margareth tinha para observar nela? A preferida de Thomás Leroy não errava, antes, era precisa como uma máquina e ainda tinha muito o que ensinar às garotas, embora houvesse rumores de que aquela seria sua última temporada.
Diziam que Beth iria se aposentar.
Ou melhor, que seria obrigada a se aposentar.
Era triste, mas toda grande estrela um dia tem que se despedir dos palcos, enfrentar sua primeira morte e abrir caminho para que uma nova e jovem estrela a sucedesse.
Beth, linda e graciosa em seu collant vermelho, meia calça rosa e polainas também vermelhas, deixava círculos no linóleo com a ponta de suas sapatilhas. Pequenas gotículas de suor escorriam por seu rosto, evidenciando o grande esforço que fazia.
Margareth não podia acreditar que houvesse nos bastidores a intenção de aposentá-la. Era desleal. Mesquinho. Beth ainda tinha muito a oferecer pela companhia.
A professora meneou a cabeça tristemente, ao pensar na possibilidade de não ver mais Beth dançando. Como poderia assistir Giselle e não ver Beth dançando o papel principal? Ou assistir Lago dos Cisnes e não ver Beth girando os famosos 32 fouettès da coda de Odile?
Devem ser boatos, Margareth tentou se convencer. O espetáculo de fim de ano será um sucesso, o teatro se encherá de novo e essa mulher cairá nas graças do público.
Mas e se não fossem? E se Leroy estivesse mesmo pensando em descartar a bailarina que encantou gerações? Como ela, Margareth, assistiria a uma suíte de Carmem sem que Beth estivesse? Quem estaria à altura dela?
A mulher se resignava, convendendo-se de que, por não poder tomar decisões técnicas e artísticas, não valia a pena se afligir pelas desventuras de suas alunas. Cabia-lhe apenas ensinar, apontar erros, corrigí-los e extrair o melhor que seus alunos tinham.
Skylar girou uma meia pirouette na barra. Era dedicada, linda, mas lindas todas as garotas daquela sala eram. Tinha flexibilidade, expressão artística e corria atrás das bailarinas mais adiantadas, mas a professora não a considerava uma artista diferenciada. Na verdade, achava que a jovem devia sentir-se honrada por pertencer ao corps da companhia e por poder beneficiar-se todos os dias da experiência de Beth, Nina e Verônica, e da graciosidade e técnica da bela Jasmine. Se Skylar conquistaria seu lugar ao sol, só o tempo diria.
Se entre as meninas era difícil fazer prognósticos, entre os rapazes a situação estava definida há quatro anos. David era o premier danseur, um príncipe contumaz, que desafiava a gravidade quando saltava. Margareth não estava nem aí se seu pupilo era gay ou hétero. Contanto que dançasse, que se fodesse o resto.
— David, isso foi perfeito — Margareth fez um sinal de positivo após David e Troy executarem um double tour.
Troy se sentiu um pouco frustrado por seu esforço não ter sido reconhecido e murmurou algo inteligível enquanto andava com seu colega para a outra diagonal, tomando, claro, cuidado para não ser ouvido pela mestra de dança.
Os bailarinos fizeram uma reverance para sua mestra, saindo da sala em grupos, tomando água de suas garrafas plásticas para refrescarem seus corpos suados.
— Tchau, professora — Jasmine deu um beijo na bochecha de sua mestra, afastando-se com um sorriso encantador e tirando o collant que havia se alojado no bumbum.
Quando a sala se esvaziou e as vozes dos bailarinos silenciaram à medida que estes sumiam no corredor, Margareth puxou uma cadeira, colocando-a no centro da sala. Sentou-se. Olhou para sua imagem na parede de espelhos. Fechando os olhos, relembrou seu passado como bailarina. Há quarenta anos, também era uma garota como aquelas que haviam saído. Teve uma professora russa que a achava gorda e desajeitada, e para não ser esmagada, dedicou-se à dança como nunca e tornou-se prima dona, sendo contratada pelo Ópera de Paris.
Se por um lado o balé moldou seu corpo, também foi o que afetou seu psicológico. Margareth sofria de bulimia, tomava antidepressivos e não se casou. Se aposentou quando sentiu o peso da idade, dançou um papel mediano e ganhou uma linda e cafona festa de despedida - como se isso lhe servisse de consolo por não mais fazer o que amava.
Os primeiros dois anos após a aposentadoria foram difíceis para ela.
Mas agora, não ligava mais.
O tempo passa para todos.
Quando uma rainha morre, outra toma seu lugar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro