— Epaulemént! — a professora pediu, e então as bailarinas começaram a saltar.

Nina se concentrou, saltou, e subitamente uma moça entrou chorando. Todos pararam os exercícios e fizeram uma roda em volta dela.

— O que aconteceu? — Hope perguntou a Skylar, que meneou a cabeça em negação achegando-se ao grupo.

Soluçando em voz alta, desesperada e em estado de choque, a bailarina contou que Beth havia sofrido um grave acidente. Fôra atropelada por um carro.

O elenco trocou olhares estupefatos entre si, sem entender como algo tão horrível pôde acontecer.

— Não consigo acreditar — Skylar confessou depois a Troy, durante um intervalo da aula.

Os dois olhavam o céu cinza como que buscando explicações para as dúvidas que a vida apresenta, incrédulos quanto à desventura sofrida pela ex-primeira bailarina.

Nina e Leroy conversavam do outro lado da fonte em que o casal se sentou. Estavam cabisbaixos, silenciosos, como toda a companhia.

— Foi um milagre ela ter sobrevivido — Troy suspirou. — O impacto foi terrível, segundo testemunhas.

— Meu Deus, isso é horrível demais. E se ela ficar com sequelas…

— Não dá para saber ainda. Ela teve fratura exposta na perna direita e escoriações pelo corpo. Pode ser que não possa mais dançar. Mas o importante é que está viva.

— Sim.

Soltando tristemente o ar dos pulmões e deixando uma lágrima solitária rolar do canto do olho, Skylar pôs uma mecha do cabelo castanho e liso atrás da orelha, tocou de leve a mão do namorado.

— O mundo dela caiu de uma vez só. Ela… foi arrancada do mundo onde era feliz. É triste. Por mais que a gente que está nesse meio saiba que a vida não é uma fábrica de sonhos, dói.

— Podia ter acontecido com qualquer um. Ela só foi mais uma vítima de um acidente que acontece como em qualquer cidade do mundo.

— Mesmo assim… — as palavras da jovem permaneceram em suspenso.

Nas últimas semanas ela viu a estrela de Beth Maclntire se apagando aos poucos e os efeitos destrutivos que sua raiva, por ter sido dispensada, produziu.

O camarim destruído um dia antes de Nina ter sido posta em seu lugar. O abandono repentino da sala onde o elenco de Lago dos Cisnes brindava o anúncio de sua aposentadoria e a escolha da jovem Nina. A discussão entre as duas no hall de entrada, quando a bailarina decaída chamou a nova Odette de ordinária.

Por último, o atropelamento.

— Vou sentir falta dela — a jovem confessou. — Ela passava uma aura poderosíssima para todos nós, segurança.

Delineando nos lábios um sorriso triste, igualmente abalado, Troy apertou a namorada num abraço acolhedor, disse-lhe no ouvido palavras de conforto. Levantou-a, conduzindo-os de volta ao teatro.

Ela notou, ao passar por Leroy e Nina, que a moça usava brincos parecidos com os que Beth usava e franziu o cenho.

Será possível?, perguntou-se.

Os brincos não eram parecidos com os da dançarina acidentada. Eram os mesmos!

— O que foi? — Troy se espantou com a súbita lentidão da namorada.

— Não, nada — Skylar mentiu.

O ensaio das solistas foi aprazível, do ponto de vista da jovem, tirando a bailarina principal, que não conseguia render tudo o que o diretor queria, o restante do elenco estava tecnica e artisticamente satisfatório, ainda com alguns pontos a serem corrigidos, mas nada que demandasse esforços extenuantes.

Skylar entendia como as coisas funcionavam ali, depois de cinco meses morando e trabalhando em Nova York. Havia vários grupinhos, sendo que cada um deles tinha uma líder. Verônica liderava o que tinha Galina e mais duas solistas. Lily, a mais nova aquisição da companhia, achara espaço numa turma em que Jasmine estava (havia boatos de que as duas ficavam no banheiro).

O terceiro grupo era o de Skylar, Trixie e Hope. Becca fizera parte dele antes de ser mandada embora, mas o grupo ainda era unido. Quanto aos demais artistas, não faziam parte de nenhuma turma específica.

Se individualmente havia disputas e choque de egos, colectivamente todos se respeitavam. Mesmo Verônica, uma das mais arrogantes bailarinas do teatro, ficou profundamente abalada com o acidente de Beth e foi vista chorando sozinha num canto, meneando a cabeça e perguntando: “por que?"

As moças se dirigiram ao banheiro para tirar o cheiro de suor, combinando entre si o dia mais propício para visitar a mulher acidentada.

— Ainda é muito recente — Trixie divagou —, ela não deve estar querendo ver ninguém. Eu não ia querer. Acho melhor esperar alguns dias, mas se vocês quiserem, podemos ir amanhã.

— Melhor esperar então — Hope sugeriu e Skylar concordou com um meneio de cabeça.

Troy interrompeu a conversa entre as amigas e tomou a namorada pelos braços, levando-a para ir embora.

O céu noturno continuava cinzento, mas as ruas de Nova York pululavam de transeuntes. Os táxis amarelos davam o tom destacando-se em meio aos automóveis que disputavam espaço nas largas avenidas iluminadas pelas cores dos letreiros luminosos.

O casal caminhava sorrindo, conversando descontraídamente sobre assuntos triviais, quando uma voz reverberou nos ouvidos dos dois:

— Sua hora vai chegar, cadela do inferno! Sua queda será terrível e os homens se regozijarão com sua ruína!

Com o sangue aquecendo nas veias, Skylar e Troy viraram-se para o maltrapilho de olhos insanos e dementes, andando dois passos em sua direção.

— Vadia! Jezebel, invejosa!

— Você de novo? O que eu te fiz pra você me ofender sempre que me vê? — Skylar fez menção de investir contra o pescoço do sujeito.

— E você, rapaz — os olhos loucos do morador de rua se pousaram agora em Troy Bayle —, afaste-se dessa vadia enquanto pode. Uma sombra a envolve e domina o coração dela.

Skylar adiantou-se ao namorado, impediu-o de agredir o estupor.

Pregando nele um olhar encolerizado, a moça mediu-o da cabeça aos pés. Riu zombeteiramente, fazendo careta devido ao cheiro de álcool que ele exalava.

— Você podia nos fazer um grande favor e amanhecer morto. Lunático!

— Vamos, Troy — a bailarina deu as costas ao homem e saiu andando apressadamente.

Troy nunca viu a namorada daquela forma, furiosa, quase fora de si.

Mas Skylar nunca mais seria agredida pelo maltrapilho da Times Square.

Na manhã do dia seguinte, seu corpo foi posto dentro de um saco preto após ser encontrado morto junto à latas de lixo de um beco. O causa mortis acusou parada cardíaca.