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Ato 20

Rebecca Stelmann, sumariamente demitida do NYC Ballet, estava há quase um mês sem trabalhar. Nesse tempo, jogada na ociosidade, a garota passou a usufruir de algo que o balé nunca a deixou ter até ali: tempo para ferrar sua vida.

A ex-bailarina passou a tomar doses exageradas de uísque em casas noturnas do Brooklyn, sempre em companhia de amigos de caráter duvidoso e controvertido. Dar vexames se tornou algo recorrente. 

Durante o dia, ela passava em frente ao teatro, murmurava com os lábios algo parecido com uma prece que a gente faz diante do túmulo de uma pessoa que nos foi especial e saia, mãos enfiadas nos bolsos.

Skylar, Hope e Trixie tentaram de todas as formas se aproximar da ex-colega, porém sem sucesso. Becca queria se manter distante do trio, se afastar da dança, esquecer daquele mundo que na infância a fez acreditar que podia ser uma bailarina famosa, só para destruí-la quando ela se sentia conceituada na companhia.

Que ingênua fora.

Leroy se comportara como um canalha com ela, ao fazê-la pensar que teria chance a um vôo mais alto. Se expôs, se desnudou intimamente a um homem sem escrúpulos que já tinha em mente uma substituta para a indefectível Beth Maclntire, mas que não era ela, Becca.

Becca se sentia um nada. Uma vencida, sem lugar num mundo onde só os vencedores são reverenciados.

Apesar de estar amargurada, a moça judia não era capaz de odiar o diretor.

Antes, todo o ódio que sentia era para si. Se odiava por ter sido uma péssima jogadora. Se odiava por não ter sido paciente e por não ter aguardado as coisas acontecerem naturalmente.

Ao saber por meio de Susie que Nina era a nova Primeira Bailarina do teatro, Rebecca teve a impressão de que teria uma síncope.

— Ela? Aquela frígida? Não acredito! Tanta mulher foda pra pegar o papel e ele escolheu a Nina? Não pode ser verdade!

— É a pura verdade, Rebecca — Susie respondeu do outro lado da linha. — A menos cotada para dar vida a Odile se deu bem, no fim das contas.

— Não tem cabimento! Não tem como ela ser a Odile! Não tem! É ridículo, ela não passa credibilidade!

A verdade é que a informação de que a filha de Érica Sayers era a nova princesinha de Leroy deixou na boca de Rebecca um gosto muito mais amargo do deixavam os generosos copos de uísque que tomava para se anestesiar e construir um mundo novo para vagar.

A moça queria extirpar de sua vida tudo o que se relacionava a dança. Esse tudo incluia suas ex-companheiras de trabalho.

Naquela manhã, ao passar em frente ao teatro, olhou para o imenso cartaz do espetáculo, com a foto de Nina. CLÁSSICOS REINVENTADOS DE INVERNO, dizia. Ironicamente, há algumas semanas era Beth quem estava naquele cartaz.

— Estou ficando velha demais para acompanhar essas mudanças tão rápidas, ela divagou.

— Becca! — uma voz irrompeu atrás dela e a fez se virar prontamente.

Era Skylar, com seu sorriso bondoso e faceiro, acompanhada de Troy.

A moça virou constrangida o rosto para os dois, apressou o passo para fugir dos dois, porém foi alcançada.

— Por que você está nos evitando? — Skylar questionou ao mesmo tempo que Troy lhe deu um oi.

— Estou procurando emprego — Becca mentiu. — Não quero depender dos meus pais, e tenho alguns lugares ainda para ir.

— Becca, não precisa ficar fugindo de nós o tempo todo. Não é porque você foi demitida, que você não está mais ali dentro que as coisas tem que mudar entre nós.

Rebecca sentiu vontade de rir e de agradecer a Skylar por esta lembra-la que não mais fazia parte da turma.

— As coisas mudaram, sim, Sky — retrucou secamente. — O que parecia improvável aconteceu. Meus músculos ficaram duros como gesso. Perdi a flexibilidade que eu tinha, me tornei um ser humano comum.

— Todas nós somos seres humanos comuns depois que as cortinas se fecham. Imagino que não está fácil para você, mas tem pessoas que se importam contigo.

— Você se importa comigo, Skylar? Sente falta de mim como colega? 

— Claro que sinto! — a moça de Iowa respondeu num tom ofendido.

— Uau! Não devia. Eu não presto, Skylar…! Eu não presto! Sou uma perdedora!

— Não, não é — Skylar tomou ambas as mãos da amiga e lhe avaliou o rosto, notando suas olheiras decorrentes das noites mal dormidas, e quem sabe das lágrimas derramadas.

Meu Deus! Rebecca tinha aparência de mais velha.

— Sei que não está fácil para você, mas nós te vimos dançar. O Troy, a Hope, a Trixie, todo mundo te viu fazendo aula, ensaiando, suportando as dores das aulas de alongamento e se esforçando para alcançar a perfeição. Você pode ser tudo, menos perdedora.

— E que importância isso teve, Skylar? O que eu ganhei? Uma carta formal de demissão, olhares de pena sobre mim, mensagens me dando uma força…

— Não é se fechando para nós que você vai sair dessa — Troy a repreendeu. — Você não está em condições de não ter amigos.

— Amigos! — Becca fez com desdém.

— Eu fui muito feliz ali dentro — ela continuou, apontando para o imenso Lincoln Center. — Ganhei aprendizado, conheci excelentes dançarinos, grandes músicos, maestros… Mas acabou. 

— Você pode prestar audição numa outra companhia. Esse não é o único teatro dos Estados Unidos.

Uma risada explodiu da garganta da moça judia e atraiu a atenção dalguns transeuntes.

— Eu não quero prestar audição em nenhuma companhia — a confissão pegou o casal de surpresa. — Não precisam entender. Eu não quero mais dançar e pronto.

— Becca…! — Skylar se interrompeu ao ver a palma da mão da amiga erguida.

— Você é muito boa, não tem maldade na alma e parece não saber a podridão que é esse mundo. Para o seu bem, Skylar Brooks, não chame a atenção de Thomas Leroy. Não queira para você mais do que merece, não peça nada a ele. Não se deve fazer pactos com o demônio.

— Não sei do que está falando.

— Beth foi jogada dentro do porão agora, mas quantas antes dela tiveram o mesmo destino? E quantas passarão pela mesma situação? Aceite esse conselho, fique quieta no corpo de baile até você subir por mérito próprio e não depender de ninguém.

Ao dizer isso, Rebecca virou as costas para os dois e se afastou quase correndo, para não ser alcançada.

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