lovin kind
2 0 1 5
— Madre mia, você vai ficar só olhando? — a voz conhecida só serviu para irritar ainda mais Carlos.
Se Ana Sainz soubesse o quão irritado seu irmão do meio estava naquele momento, não insistiria nas piadas. Podia respondê-la, mas fez uma das suas pouquíssimas boas escolhas na vida e ficou em silêncio. No seu estado — puto e levemente alcoolizado — as coisas que falava não costumavam ser muito bem pensadas. Magoaria a irmã mais nova só porque ela tinha tocado em um ponto delicado.
Ana não mentia. Desde que tinha chegado naquela boate apertada e calorenta, o piloto não tinha tirado os olhos de Estella.
Não se viam desde os primeiros dias do ano, quando estiveram juntos em Mallorca. Aquela fatídica madrugada infernal que o castigava em todas as noites que passava em claro, uma forma dos seus pensamentos o punirem por tê-la deixado ir embora do seu quarto sem ter coragem de dizer nada.
Se soubesse que fingir que estava dormindo tiraria toda sua saúde mental nos meses que se seguiram quando Estella tentou acordá-lo pela manhã, não teria feito isso. Na hora, achou que essa era a sua única opção. Não achou que podia encará-la naquela manhã, não depois da última noite que tiveram.
Sumiu da sua vida pelos próximos meses. Não fora tão difícil, começava seu contrato de três anos na Toro Rosso e passou boa parte do tempo viajando entre um país e outro, voltando cada vez com menos frequência para Madrid. Toda vez que estava lá, buscava outras distrações.
Estella tampouco o procurou. Não estava na sua casa quando ele voltava para a Espanha, nem aparecia nos jantares de família que Reyes insistia para que Ana a convidasse. O convite sempre era feito, mas a convidada sempre estava ocupada. Quase como se houvesse um motivo por trás disso.
Aquela noite em questão, Carlos não conseguiu se manter distante. Não se contentou em ficar em casa quando Ana anunciou que tinha planos para a noite com Estella, em uma boate da cidade. Não naquela noite.
Não no aniversário de Estella Muniez.
— Ela ainda nem sabe que você está aqui — Ana anunciou ao perceber que o irmão ia continuar calado, guardando seu tom irônico dessa vez. — Você deveria ao menos desejar parabéns.
Carlos deu mais um gole no whisky forte que bebia. Odiava whisky, mas o gosto amargo parecia a escolha certa para a noite. Não queria cerveja. Fugiria da vodka. Tequila só teria graça se ele tivesse companhia, e era um dos poucos que estava sozinho. Champagne o lembraria Estella.
Não que ele precisasse da sua língua para lembrá-la dela. Pensava em cada segundo que estava longe naquela noite e ali — a poucos passos de onde ela se divertia com as amigas com uma tiara brilhante de plástico no topo dos cabelos e um vestido branco que acentuava suas curvas — ele não precisava de muito para que suas memórias estivessem em sua pele.
— Eu nem liguei pra ela — murmurou baixo, sem desviar o olhar de Estella. — Depois de tudo. Nos despedimos em Mallorca como sempre e depois...
— Eu sei, cabrón — o interrompeu, arqueando as sobrancelhas antes de suspirar fundo. Era óbvio que ela sabia, era a melhor amiga de Estella. Aproveitou a abertura que seu irmão tinha dado para continuar. — O que foi estúpido, se você quer a minha opinião. O fato de que você continua pensando nisso e que ela evita até hoje ver até sua sombra diz muito sobre o que vocês estão fazendo um com o outro.
Achava estranho conversar sobre aquele assunto com Ana. Blanca seria a opção mais óbvia, como sua irmã mais velha e com mais experiência, mas sua relação com Ana sempre fora mais aberta naquelas questões. Não por escolha, a mais nova só era curiosa demais e desvendava todos os segredos do piloto antes que ele sequer tentasse escondê-los.
Tinha sido assim com Estella. Carlos não precisou falar uma palavra, sentiu o olhar da irmã mais nova queimando nele durante todo o almoço no primeiro dia do ano. Nunca esqueceria o movimento passivo-agressivo de Ana ao aproveitar que os dois estavam sozinhos na cozinha para soltar um "a porta do seu quarto é muito barulhenta, Carlos, deveria mandar arrumá-la" apenas para deixar claro que sabia que Estella tinha escapado por ela de manhã.
Estella não esperava por aquele movimento — muito menos o copo que tinha nas mãos. A vidraçaria de Reyes se espatifou no chão e ela tremia enquanto catava os cacos sem muito cuidado. Ana riu — pelo silêncio do irmão e pelo nervoso da amiga —, deixando os dois sozinhos para que trocassem um longo olhar em silêncio.
O que infernos deveriam fazer?
Escolheram o óbvio: fingiram que nada tinha acontecido. Nem a noite, nem o dia seguinte, nem a provocação de Ana.
Saber que alguém além dos dois sabia, apesar de tudo, foi reconfortante. Estella não precisava inventar alguém quando pedia conselhos amorosos para amiga e Carlos não precisava recorrer a outras pessoas. Ana, ao contrário do que eles pensaram em um primeiro momento, estivera por eles como uma amiga.
— O que eu deveria fazer? — perguntou, finalmente desviando o olhar para a irmã. Analisou o perfil de Ana em silêncio por tempo demais antes de negar com a cabeça, tomando mais um gole da sua bebida. — É difícil, Anita. Não deveria ser, mas quando se trata de Estrellita... Sempre é.
Carlos não tinha problemas de confiança. Não tinha dificuldades para conhecer mulheres, ser a atenção da festa, arrumar uma companhia para a noite e lidar com ela na manhã seguinte. Não conseguiu seguir seu script com Estella, apesar da experiência. Não conseguiu encará-la no dia seguinte, não conseguiu fingir que nada tinha acontecido e certamente não tinha esquecido nada que viveram. A opção — que parecia fácil — se tornou um pesadelo a partir do momento que as lembranças começaram a deixá-lo louco.
Não queria mais ninguém depois dela. Suspeitava que nunca conseguiria desejar alguém da forma que a desejara. Nem que seu coração se comportaria da mesma forma, aquele tum-ta descontrolado que desafiaria qualquer cardiologista que pudesse visitar e que só funcionava quando estava perto de Estella. Ou quando lembrava dela. Ou sonhava com ela.
— Não tem que ser tão complicado, Carlos. Vá até lá, dê os parabéns a ela, não diga nada estúpido — Ana aconselhou, colocando uma mão no braço do irmão. Odiava como ele estava se comportando com sua amiga, mas via que era um sofrimento para ele também não saber lidar com o que sentia. — Converse com ela se quiser consertar as coisas. Se essa não for a opção, vá para casa, finja que nunca esteve aqui e esqueça ela de uma vez.
Queria que fosse fácil como parecia. A teoria era bonita nas palavras da irmã, mas a prática perturbava seu estômago. Eram novos. As velas de vinte e um anos no bolo de Estella — e ele tendo a mesma idade — provava isso. Tinham muito para viver, ele como piloto de Fórmula 1 e ela apenas no início da sua faculdade. Não queria colocar uma algema no seu braço, não queria prender Estella do outro lado e colocá-la em situações que sabia que não seria sua primeira escolha.
Odiava o quão barulhenta sua cabeça ficava quando o assunto era Estella Muniez. Odiava que a cada vez que a via tinha mais certeza que era ela. Era sua Estrellita que queria ao seu lado, a pessoa que conhecia desde que tinha cinco anos e muito mais facilidade em fazer amizades do que agora. Ela, que sabia de cor e salteado todos seus defeitos e mesmo assim o queria por perto.
Deveria fazer algo. Deveria falar com ela.
Sua postura mudou no momento que um homem se aproximou do grupo de amigas de Estella e Ana, com os olhos presos na aniversariante do dia. Carlos não o conhecia, mas não conhecia metade dos amigos da irmã. Incômodo era o que ele sentia, subindo pela sua garganta como um maldito episódio de gastrite nervosa que já tivera outra vez. Ciúmes sempre foi seu ponto fraco. Queimava suas juntas antes que ele pudesse pensar sobre.
— Quem é ele? — juntou as sobrancelhas grossas, irritado.
Não escondeu seu desconforto. O homem novo na roda cumprimentou Estella com um beijo no rosto e a abraçou por tempo demais. Tocou nas suas costas e sussurrou algo em seu ouvido que Carlos desejou muito poder ouvir. Já travava a mandíbula com muita força quando Estella se afastou minimamente dele, rindo do que fosse que fora dito em seu ouvido.
Não era sincero, o riso. Podia dizer isso com toda a certeza do mundo. Conhecia as risadas mais verdadeiras de Estella — era responsável por várias delas — e naquele momento ela só parecia estar sendo simpática.
Não era um daqueles seus sorrisos, que deixavam todos os outros do mundo com inveja. Não aquele, que fazia com que todo o resto ao seu redor perdesse a graça e tudo ficasse em segundo plano.
Aqueles eram privados, sagrados. Reservados para momentos específicos com pessoas específicas, um grupo seleto que Carlos tinha o prazer de participar.
Deus, como ele sentia falta dela.
— Não acho que seja da sua conta, mas ele é um amigo — Ana comentou despretensiosamente, dando de ombros. — Quer dizer, eu acho que é um amigo. Talvez ele seja algo a mais também, seria uma boa escolha. Não acha que eles combinam?
— Joder, Ana.
Queria sua irmã ao seu lado daquela vez. Sabia que era pedir muito, mas palavras de conforto podiam fazê-lo se sentir menos merda por ter sumido por tanto tempo e não ter coragem de tomar uma atitude.
— O que, hermanito? — Ana apertou os olhos escuros na direção dele, com um sorriso singelo nos lábios de quem sabia exatamente o que estava fazendo. Era impressionante como ela era uma das poucas pessoas do mundo que Carlos Sainz escutava, apesar de fingir que não. Levava em conta tudo o que a mais nova falava. — Por que você não começa a se perguntar por que se preocupa tanto com a Estella? E, não sei, faz alguma coisa certa para variar um pouco.
Ana o deixou sozinho, irritada. Pegou o copo que tinha deixado em cima do balcão e marchou em direção a onde Estella e suas outras amigas estavam, se divertindo com a música animada que tocava nos alto-falantes. Tinha feito o que podia. Mais que isso, apenas se ela carregasse o irmão pelo braço e o colocasse de frente a sua amiga para que eles pudessem se resolver de uma vez e ter todas as conversas que não estavam tendo.
O que os daria o prêmio da hipocrisia do ano. Sempre eram tão bons e sinceros um com o outro — e isso muito vinha deles se conhecerem por tanto tempo — mas mal conseguiam se encarar depois da noite em Mallorca.
Se ao menos ele tivesse coragem...
— Ah, vete a la mierda.
Bateu o copo de vidro vazio no balcão de madeira e seguiu o caminho que a irmã tinha feito instantes antes. Desviou de inúmeros corpos até conseguir chegar a mesa da aniversariante, com um balde de gelo lotado de champagne e taças personalizadas com seu nome. No caminho, roubou uma rosa vermelha da decoração do bar e torceu para que ninguém tivesse percebido. Jogaria uma nota de cinquenta euros na direção de um segurança se esse fosse o caso.
Ana o viu primeiro, escondendo um sorriso de quem sabia que tinha sido escutada. Estella foi uma das últimas da mesa a notá-lo, só o fazendo quando todo o círculo de pessoas ao redor se calou e pareceu olhar para um ponto específico atrás do corpo dela.
Ninguém além de Ana sabia sobre Carlos. O olhar de incredulidade não era por isso, mas pela fama que o piloto estava começando a ganhar dentro da Fórmula 1. Ninguém esperava encontrá-lo ali — em uma boate apertada no centro de Madrid — apesar de terem noção de quem era família de Ana. Na época, ele não era grande como Fernando Alonso na Espanha, mas era um talento em ascensão que os mais clubistas do país ficavam de olho. Queriam ver até onde o filho de Carlos Sainz, glorioso campeão de rally do país, iria chegar.
— Feliz cumpleãnos, Estrellita — falou, incerto das suas palavras. Manteve um sorriso no rosto, apesar disso, certo que ajudaria a quebrar o gelo. — Merda, eu deveria ter trazido um presente?
A expressão de surpresa logo deu lugar a uma de incredulidade no rosto de Estella Muniez. Todo o barulho pareceu desaparecer ao seu redor, assim como os olhares que sabia que a endereçaram em curiosidade. Sentiu suas bochechas queimarem e desejou não estar com uma coroa de plástico brilhante no topo dos seus cabelos nesse momento.
Estava envergonhada, como poucas vezes ficara na presença de Carlos Sainz Jr. Não esperava encontrá-lo naquele dia, apesar de esperar por uma mensagem dele que não viera durante o dia inteiro. Pelo telefone seria melhor, ela havia pensado, já que não tinham trocado uma palavra direito desde aquele fatídico dia, mas certamente não esperava pela visita a Madrid e pela sensação esquisita que sentiu ao vê-lo.
Exatamente como ela se recordava: as bochechas vermelhas — certamente ele estava bebendo há um tempo —, a blusa branca de botão aberta e o cabelo bagunçado, mas bem cortado. Os lábios avermelhados e tentáveis, os olhos escuros que pareciam guardar de um brilho que causaria inveja a todas as estrelas da galáxia.
Sentiu sua falta. Não que não houvesse percebido isso antes, mas naquele momento foi impossível ignorar.
— Gracias, Carlos — agradeceu, contida. O que mais deveria falar? 'Onde você esteve por três meses?' — Não sabia que estava em Madrid.
— Só pelo fim de semana — explicou com pressa, assentindo repetidas vezes. Estava nervoso. Pra caralho. Esperava que ela não tivesse percebido. — Espero que esteja se divertindo. Vou conseguir uma garrafa de Dom para você, de presente.
— Não precisa — se adiantou, negando com a cabeça. Sabia que ele estava tentando acabar com o clima estranho usando o champagne favorito dela como atalho, mas não funcionaria dessa vez. — Por que você está aqui?
Carlos ainda tinha muito o que falar, mas perdeu as palavras assim que notou a expressão triste que tomou conta de Estella. Suas sobrancelhas estavam quase juntas, sua testa franzida e seus lábios pintados de vermelho cerrados em uma linha. Teve a impressão de que seus olhos brilhavam, mas preferiu fingir que tinha deixado isso passar. Não suportaria deixá-la daquela maneira.
— Fique com isso, então. Un regalito para mi Estrellita.
Ignorou a pergunta de Estella, mas não era como se ela estivesse esperando uma resposta. Se não tinha recebido uma em três meses, não era em uma noite que acreditava que a teria. Ofereceu a rosa vermelha para Estella, vendo-a analisá-la por um tempo antes de falar qualquer coisa.
A boate podia continuar barulhenta, mas o silêncio entre os dois era verdadeiramente ensurdecedor. Não era comum — muito menos cômodo — para eles estarem medindo as palavras quando estavam na frente do outro.
— Eu prefiro as brancas — Estella murmurou, desviando o olhar para a rosa entre os dois antes de aceitá-la. — Mas você combina com as vermelhas.
Carlos arqueou as sobrancelhas em surpresa, deixando que um riso escapasse dos seus lábios.
— Algum motivo específico para você falar isso?
— Rosas brancas significam amor... — Estella sorriu ao explicar, e era o primeira que ela dava em sua presença. Esforçava-se para manter sua atenção nos olhos escuros de Carlos e não deixar que ela fugisse para os lábios do piloto, receosa que não houvesse volta se isso acontecesse. — Um amor puro. Eterno. São as favoritas dos buquês de casamento.
A família de Estella tinha uma floricultura. A avó, pelo o que Carlos se recordava. Seus pais ainda não tinham herdado o lugar, nem seguido o mesmo caminho. Mesmo assim, ela tinha crescido naquela lojinha pequena em uma rua estreita de Madrid e sempre fazia questão de levar arranjos belíssimos para Reyes quando visitava a casa dos Sainz. Sabia tudo sobre flores. Ele deveria ter pensado um pouco mais antes de oferecê-la uma.
— Rosas vermelhas também significam amor — continuou e seu olhar desviou para a rosa que tinha nas mãos, assim como Carlos. — Mas não dá mesma forma. O significado da rosa vermelha é mais fugaz, passageiro... Paixão. A rosa vermelha é dos apaixonados.
Levantaram o olhar no mesmo momento. Os olhares se encontraram, a expressão dura dela se suavizou. Como poderia ficar chateada com ele por estar ali? Será que alguma vez em sua conseguiria não perdoá-lo por alguma coisa?
Pagaria para ver. Pagaria um preço muito alto para ver.
— Não acho que mereço essa flor, Sainz. Não é o que você tem para mim.
Se houvesse um dia que Carlos Sainz se odiou na vida, tinha sido aquele. Encarar Estella ficou desconfortável depois daquelas palavras. Ainda mais porque ela sorria, tristemente. Não era o sorriso que ele estava ansiando para ver.
— Joder, Estrellita — xingou baixo, engolindo em seco. Parecia que tinha feito gargarejo com vidro, pelo incômodo que sentia na garganta. Sua mãe odiaria seu vocabulário. — Cinco minutos. Me dê cinco minutos.
Não esperou uma resposta completa. Percebeu que ela relaxou seus ombros e suspirou fundo, retirando a coroa de plástico dos cabelos e colocando-a no bistrô onde seus amigos estavam antes de voltar sua atenção a ele. Murmurou meia dúzia de palavras para Ana e parou ao lado do piloto, convencida a dar a ele os cinco minutos pedidos.
Carlos entrelaçou seus dedos e a puxou para o meio da multidão, a afastando cada vez mais dos rostos conhecidos. Estella não sabia para onde estava indo, mas nada falou até o momento que eles passaram pela saída de emergência da boate, em um beco mal iluminado e vazio pela hora.
Nunca ficaria ali se estivesse sozinha, mas confiava em Carlos com sua vida. A sensação de segurança — a que ele sempre a passara — estava ali. Nunca tinha ido embora.
— Eu tenho um milhão de coisas para falar com você — Carlos falou, apreensivo. Mexia a perna sem parar, em uma mania que ele tinha desde que era pequeno. Estella assentiu, com uma calma que era invejável. Conseguia controlar seus sentimentos melhor que ele, certamente. — Mierda, Estellita. Tem um milhão de coisas que eu quero fazer com você.
Deu um passo em sua direção, deixando seu receio de se aproximar dela para trás quando ficaram a poucos centímetros de distância. Estella permitiu, sem mexer um músculo para se afastar dele. Não era forte o suficiente.
Quando Carlos colocou as mãos em seu rosto, Estella fechou os olhos. Queria aproveitar a sensação daquele toque novamente. Queria substituir as memórias doloridas da ausência dele por três meses por aquela. Seus corpos estavam tão próximos que, naquele dia, não havia lei de Newton que dissesse que os dois não podiam ocupar o mesmo espaço.
— Você não deveria estar aqui...
Sussurrou, quase contra os lábios dele. Estavam tão próximos que podia sentir a respiração agitada dele bater em seu rosto, uma mistura de whisky e chiclete de hortelã que Estella desejou poder provar.
— Onde, então?
— Qualquer lugar, carajo — murmurou, abrindo os olhos para encará-lo bem a sua frente. — Longe de mim.
Carlos sorriu. Sorriu, acariciando a maçã do rosto dela, fitando cada milímetro do rosto dela só para se certificar que tudo continuava exatamente como ele se recordava. Os olhos escuros, as sardas espalhadas pelo nariz, os lábios convidativos, a cicatriz que ela ganhara perto da sobrancelha em uma brincadeira em Mallorca. Tudo estava igual.
— Não consigo, Estrellita. Não consigo.
Que erro aquela noite em Mallorca tinha sido. Um erro, porque se antes acreditava que podia viver sem tê-la em sua vida, depois de conhecê-la por completo sabia que aquela era uma crença irreal. Não conseguiria. Não depois de provar de todos seus beijos, sentir todos seus toques e entender como bem eles dois funcionavam juntos.
— Isso não vai funcionar. Não somos mais crianças, Carlos. Não podemos nos beijar duas vezes por ano e fingir que nada aconteceu por todos os outros meses — parou, desviando o olhar do piloto antes de continuar. — Como faremos? Você vai sumir amanhã e eu vou fingir que nada aconteceu quando te encontro em Mallorca de novo?
— O que infernos eu deveria ter feito? — Carlos travou a mandíbula, negando. — 'Oi, Estrellita. Não consigo parar de pensar na porra da noite que tivemos. Eu estou na Austrália hoje, mas ah, quem sabe a gente possa se ver daqui a dois meses...'
— Qualquer coisa seria melhor do que ter me deixado no escuro, cabrón — xingou, rolando os olhos. — Você tem ideia do quanto eu pensei naquele dia? Do quanto eu pensei que tinha fodido tudo?
— Ah, você fodeu — ele grunhiu, deixando uma risada escapar dos seus lábios cheios. — Comigo, Estella. Você fodeu comigo. Certamente quebrou alguma coisa aqui dentro naquela noite, querida.
Metade de Estella queria deixá-lo sozinho e culpá-lo por aqueles três inacabáveis meses que passara sem notícias nenhuma de Carlos que não fosse por sua família. A outra, que era forte pra caralho, queria beijá-lo de uma vez. Acabar com o sufoco, colocar um ponto naquela discussão que não ia chegar em lugar nenhum.
Eram complicados, os dois. Cada um tinha uma visão de liberdade que prezava mais que qualquer outra coisa. O carinho já existia, desde que se entendiam por gente. O outro sentimento, que estavam começando a dar abertura para surgir, era forte.
Forte e suficiente para tomar atitudes por Estella. Não esperou por mais um segundo antes de juntar seus lábios com os do piloto, afundando os dedos nos cabelos escuros dele. Adorava quando Carlos mantinha os fios daquele tamanho: não grande o bastante para ficar sem forma, mas o suficiente para que ela pudesse deixar seus dedos por ali, fazendo um carinho que o amaciava.
Também não era bobo. Aproveitou a atitude dela para agarrar sua cintura, puxando Estella para si como podia. Tropeçaram para trás no momento que Carlos a abraçou pela cintura e a salvação foi a parede do beco estar bem a alcance das costas de Estella. Sorriram, entre o beijo, mas a distração não fora grande o bastante para separá-los.
Ele a beijaria pela noite toda se isso fosse uma opção. Não queria se separar, não queria se afastar do calor que Estella emanava, não queria deixá-la ir. Não sabia se aquilo era por se conheceram a muito tempo, mas achava fantástico como ela parecia saber todos seus pontos fracos. A maneira que deveria mexer no seu cabelo, os movimentos que fazia os lábios, as unhas não tão pequenas que faziam carinhos mais pesados na base do seu pescoço.
Não sairia vivo dali. Não sairia vivo se não saísse com Estella.
Estella que tomou a decisão difícil de separá-los. Sem ar, com os lábios vermelhos pela sessão de beijos e pedindo calma para o piloto que agia como se tivesse que tirar todo o atraso de três meses naqueles poucos minutos que estavam ali.
Queria matar a saudade tanto quanto ele, mas não era simples. Ainda havia pontos a serem colocados nos 'i's daquela relação.
Ou... Qualquer coisa que Estella Muniez e Carlos Sainz fossem.
— Me prometa três coisas, Carlos. Três coisas — pediu, passando a língua pelos lábios antes de continuar. Ela tremia, agora. Foi bom para o piloto perceber que não era só ele que ficava afetado pela sua presença. — A primeira é que independente do que acontecer entre a gente, tudo tem que permanecer igual com sua família. A segunda, que a gente não vai sumir mais. Essa brincadeira de gato e rato não funciona com a gente, eu fiquei doente imaginando como seria quando nos encontrássemos de novo...
Carlos assentiu repetidas vezes, para mostrá-la que aceitava aquelas e qualquer outra condição que Estella pedisse para que eles pudessem passar aquela noite juntos. Daria tudo para tê-la nos seus braços mais uma vez, não pensava nas consequência e muito menos no dia seguinte. Era necessidade. Saudade. Desejo. Tudo misturado, impossíveis de serem separados.
— A terceira é que... Se acharmos que algum dos dois sairá machucado, isso tem que acabar — falou decidida, engolindo em seco. — Isso. Não sei o que isso é.
Não era um relacionamento. Não podia ser, das duas partes. Eram novos, não estavam preparados para aquele passo. Tampouco iam fugir da atração que os envolvia sempre que estavam juntos, muito menos evitar aqueles encontros. Era esse o acordo silencioso que estavam selando com uma troca de olhares.
— Qualquer coisa que você disser, Estrellita. Qualquer coisa — Carlos concordou com um sorriso torto nos lábios.
— Ah, Carlos — sussurrou, olhando discretamente por cima do seu ombro para a porta de emergência, ainda fechada. — É o meu aniversário, mas eu não quero voltar pra lá.
— Fique comigo então — sugeriu, como se fosse a decisão mais óbvia. Entrelaçou seus dedos, arqueando as sobrancelhas angulosas ao voltar a falar. — Termine a noite. Vamos chamar Ana e irmos para outro lugar. Seu apartamento, lá pra casa, não sei... Vamos tomar champagne e discutir uma forma de irritar Blanca como nos velhos tempos.
Estella sorriu. Aquela frase a trazia boas lembranças. Os velhos tempos em que eles ficavam jogados no sofá conversando trivialidades enquanto discutindo como estariam quando crescessem.
Bom, certamente não era daquela forma que imaginava que passaria seu aniversário de vinte e um anos. Na verdade, era difícil acreditar que o Carlos Sainz Jr. que pegava no seu pé com frequência quando tinham dez anos agora estava ali, desejando-a como nunca.
E que ela se sentia da mesma forma.
Aceitou a proposta do piloto. Disse, durante todo o caminho, que tinha sido porque já estava cansada e que seus pés doíam pela sandália alta que usava. Ana duvidava, mas fez isso em silêncio. Carlos estava tão feliz de estar ali que pouco se importou.
Escolheram o apartamento de Estella e tiveram conversa até às quatro da manhã. Acabaram com as bebidas que ela escondia na prateleira mais alta da sua cozinha e Ana pediu um táxi assim que a última garrafa chegou ao fim. Carlos e sua Estrellita, que até o momento só dividiam o sofá, ficaram gratos que ela não perguntou nada, nem questionou se o irmão mais velho não ia embora com ela. Apenas foi, sabendo que tinha feito a coisa certa.
Quanto tempo eles demorariam para entender que gostavam um do outro? Esperava que não fossem tão teimosos.
Estella acordou sozinha, mas a cama ainda estava quente como um aviso de que a noite não tinha sido fruto da sua criatividade. Carlos tinha dormido ali, seu perfume ainda estava preso no travesseiro extra que ela mantinha na cama de casal e o barulho da água caindo do chuveiro denunciava que havia uma segunda pessoa no seu apartamento.
Levantou em silêncio, sentindo cada músculo do seu corpo reclamar pela noite passada. Foi atrás de um relaxante que sabia que guardava na segunda gaveta do banheiro do final do corredor. Ainda grogue, exausta e se arrependendo pela bebedeira do dia anterior.
Um arranjo enorme de rosas a esperava em cima da ilha da cozinha do seu apartamento apertado. Eram brancas, com exceção de uma solitária vermelha que ficou bem no centro, exatamente como a que Carlos a tinha entregado no dia anterior, esquecida no bistrô da boate junto com a sua coroa de plástico.
No meio delas, havia um cartão. Um cartão com uma letra que pedia umas aulas de caligrafia e que não respeitava as linhas, mas que era uma velha conhecida. Se ainda houvesse alguma dúvida da origem daquele buquê, tudo se esclareceu com as palavras escritas naquele pedaço de papel.
Sorriu sozinha, levando o cartão até o peito. Queria tanto que fosse fácil. Queria tanto que ele não tivesse que ir embora em alguns minutos. Queria, com toda sua vida, que os dois não fossem tão complicados.
Mas, dessa vez, ao menos Carlos não a deixaria no silêncio. Dessa vez, a deixaria com belíssimas palavras que Estella nunca se esqueceria.
Assim como ele. Assim como Estella nunca se esqueceria dele.
Estrellita, essas são as rosas que você merece.
Vinte rosas brancas,
e uma vermelha.
Para que você nunca esqueça qual é a sensação.
Feliz cumpleaños.
Carlos
✯
Cheguei com um capítulo que tá há tanto tempo no meu drive que estava quase criando teia de aranha! Espero que vocês gostem desse flashback dos dois. Eu acho bem morninho, mas acho importante mostrar como ele se sente (e como sempre se sentiu) em relação a Estella.
Vocês não me falaram se preferem capítulo atuais ou antigos, então estou alternando mesmo! O próximo é na Toscana e deve chegar logo logo.
Agradeço novamente ao carinho que estou recebendo com PE ❤ Vocês me animam muito a escrever mais sobre esses dois.
E ah, quero deixar uma indicação! Eu e algumas autoras maravilhosas criamos um perfil para colocar continhos com alguns jogadores e pilotos. Tá tudo disponível lá no mundinhof1 ❤
Até a próxima! Não esqueçam de me falar se estão gostando da história! Amo ler os comentários!
(twitter: ohlulis | instagram: lulisescreve)
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro