Chào các bạn! Vì nhiều lý do từ nay Truyen2U chính thức đổi tên là Truyen247.Pro. Mong các bạn tiếp tục ủng hộ truy cập tên miền mới này nhé! Mãi yêu... ♥

El Mismo Aire

Quando tinha quinze anos de idade, Estella ficou obcecada pelo efeito borboleta.

Não o filme, apesar da sua quedinha juvenil por Ashton Kutcher quando o assistiu na companhia de Carlos, Blanca e Ana. Mas sim a teoria, proposta por Lorenz, que dizia que "o simples bater de asas de uma borboleta no Brasil pode ocasionar um tornado no Texas".

Os estudos do meteorologista eram maiores que isso e a madrilena tinha dedicado muito do seu tempo para lê-los um por um. Entendia aquela frase como uma metáfora para comportamentos de sistemas caóticos, onde pequenas modificações — como um bater de asas de uma borboleta — resultavam em grandes eventos. Foi a partir daquela descoberta que ela colocou na cabeça que queria ser cientista quando crescesse. Ou lepidopterologista — quem estuda borboletas —, apesar de não saber que existia um nome para isso na época.

Estella não se tornou cientista, muito menos dedicou sua vida ao estudo das borboletas. Mas tatuou uma em suas costas para lembrá-la todos os dias que tudo estava conectado. Borboletas conseguem influir nas condições atmosféricas com um bater de asas. Um impulso nervoso emitido por um neurônio é capaz de atingir outros trinta adjacentes. Uma viagem para Mallorca foi capaz de mudar toda sua vida.

— Não acha, querida?

Estella voltou a atenção para a mesa, disfarçando sua dispersão com um grande gole na taça de vinho branco que bebia. As outras três pessoas presentes olhavam para ela, esperando por uma resposta de uma pergunta que ela nem tinha se dado o trabalho de escutar.

Sabia que Raia Muniez odiaria sua falta de atenção então olhou para Ana, sentada ao seu lado, buscando por qualquer dica do que deveria responder. Seus olhos praticamente suplicavam um pedido de socorro e as duas eram amigas por tempo o suficiente para se comunicarem dessa maneira.

— O setor imobiliário de Madrid agora? Um inferno — Ana se apressou para falar, com a naturalidade de quem não tinha uma segunda intenção em acabar com aquela conversa. Estella ficou ainda mais confusa, estreitando as sobrancelhas em direção a ela. — Se eu fosse vocês, esperaria por mais uns meses.

— Eu acabei de falar a sua mãe que tenho insistido para a gente procurar um apartamento — Enrique retrucou por ela, levando o copo de whisky a boca. Estava na cara que tinha notado que Estella não estava prestando atenção e a forma que suas sobrancelhas estavam posicionadas diziam que ele não estava nem um pouco satisfeito. — E que você continua a remarcar todas as visitas que eu programo.

Estella levou o olhar até Enrique, sentado na sua frente. Era uma das coisas que a incomodava nele: sempre sentava-se na sua frente, não ao seu lado. Parecia a coisa mais boba do mundo — e talvez fosse — mas odiava aquela mania de Enrique desde que se conheciam. No auge do romantismo — os primeiros três meses de namoro — queria entrelaçar seus os dedos com os dele por baixo da mesa e fazer carinho por trás do seu cabelo. Enrique, porém, achava que aquilo tudo era uma bobice. 'É só um jantar, querida. Não tem lugar certo ou errado para eu me sentar'.

Ele não estava mentindo em relação ao apartamento. Desde antes da sua viagem a Mallorca, Enrique já deixava todos os sinais de que pensava que deveriam morar juntos. Trabalhavam no mesmo edifício, passavam muito tempo juntos e, na opinião dele, manter dois lugares era um desperdício de dinheiro.

Estella fugiu de todas as aproximações que Enrique tentara ter, ainda mais depois da viagem que mudara sua vida inteira. Do bater de asas que se tranformara em um furacão.

— Sorte sua ter alguém como Enrique, querida — Raia respondeu, como se sua escolha de palavras não pudesse ser pior. Estella engoliu em seco, mantendo os olhos baixos. Ana se mexeu desconfortavelmente na cadeira. Enrique sorriu, alheio a toda situação e logo engrenou um papo de elevador para alegrar a sogra.

Fazia quase duas semanas que Estella tinha voltado de Mallorca, chegando com mais novidade em casa do que o usual bronzeado e as sardas que tinham escapado por baixo do protetor solar.

No último dia que tivera na companhia de Carlos em Mallorca, tinham virado a noite no conhecido sofá, como ele tinha sugerido. Conversaram sobre tudo. Sobre a formatura dela — que ele não tinha ido —, sobre o novo contrato dele com a Ferrari e sobre a temporada de Fórmula 1 que estava acontecendo. Ficaram nos sorriso trocados, nos toques que se limitavam aos braços e aos cabelos, nas provocações baratas regadas a um vinho extremamente forte que dividiam.

O sol não demorou a aparecer na imensidão. Assistiram em silêncio, um ao lado do outro, preparando-se para uma despedida que nunca tinha sido tão dura.

Nada além disso tinha acontecido. O maior contato que tiveram foi durante a dança e tiraram o máximo de proveito que era respeitoso tirar na frente dos pais de Carlos. Estella não queria pular as etapas, não queria que aquilo começasse errado. Ela pediu um tempo e Carlos tinha dito que a esperaria. Prometera até, apesar dela ter pedido para que ele não fizesse isso.

Não tinha tido a conversa que precisava ter com Enrique ainda. Não porque restasse alguma dúvida de quem seu coração amava ou alguma faísca que a dizia para não correr em direção a Carlos. Tudo era sobre Sainz desde que ela tinha voltado para Madrid.

Faltava coragem. Faltavam palavras, toda vez que ela se sentava ao lado dele no sofá e fugia dos seus olhares e das suas investidas. Mal conseguia beijar seus lábios, que agora pareciam duros e sem sabor, tão diferente das lembranças que tinha dos beijos que trocara com Carlos em outra época.

Era uma ótima mentirosa, mas a situação já tinha se prolongado por tempo demais. Não podia viver uma mentira, nem fingir que não tinha vontade de ligar para Carlos todas as noites e enviar mensagens para ele toda manhã. Era sortuda sim, como sua mãe dizia ao rasgar elogios ao futuro ex-genro. Mas não por Enrique. Era sortuda por amar alguém por tanto tempo e ser correspondida.

— Deveríamos pedir outra garrafa de vinho? — Estella questionou, já levantando a mão para que um garçom viesse atendê-la. Sua verdadeira vontade era pedir a conta, mas uma garrafa cheia poderia tornar aquele evento menos cansativo.

Sabia, desde que tinha recebido a ligação da sua mãe no meio do seu expediente que aquele jantar seria chato e lotado de segundas intenções. Seus ombros, tensionados desde que se sentara na cadeira, acordariam doloridos no dia seguinte. Suas bochechas também. O esforço que fazia para sorrir era maior que o fazia em um dia de academia.

Raia a perguntara do emprego, apesar de não ter interesse nenhum na carreira da filha. Depois, perguntara de Enrique. Aquelas foram as perguntas mais incômodas, de uma forma que nem o vinho especial Chileno foi capaz de sumir com o gosto amargo que ficou na língua de Estella.

Era uma ótima mentirosa, mas Ana percebia que todos os movimentos dela naquela noite faziam parte de uma atuação merecedora de um Oscar. Estella sorria, bebia e falava como se tudo estivesse bem. Estella brincava, tagarelava e interagia como se estivesse feliz. Como se estar sentada naquele restaurante chique do centro de Madrid de frente a Enrique fosse exatamente onde ela deveria estar. Onde sua cabeça estava. Onde — pudera! — seu coração estava.

Tinha que agir assim na frente da sua mãe. Era sua única filha, aquela que tinha saído completamente diferente de todas as expectativas que Raia tinha colocado nela. Nunca gostara de brincar de bonecas quando era pequena, sempre preferia se sujar na rua com alguma brincadeira inventada pelos seus vizinhos. Burlava todas as aulas de ballet clássico para assistir a de dança, na sala ao lado. Não tinha seguido o ramo de negócios da família, como era do desejo de Raia, e tinha chorado por horas implorando para o pai levá-la com ele quando se mudou para Barcelona.

Não faltavam motivos para os olhares de desconfiança e o sentimentalismo fingido de Raia. Mas Estella ainda era sua filha, mesmo que mal houvesse uma semelhança visual entre as duas. Os jantares duas vezes por ano ainda eram obrigatórios e era a única coisa que causava conforto em Estella naquele dia: só veria a mãe novamente no natal, quando Raia a convidaria por obrigação e exigiria que estivesse lá vestindo algum vestido de marca que a enviaria uma semana antes.

Estella voltou a encher sua taça, ainda alheia a conversa dos dois que estavam sentados em sua frente. Também evitava olhar para Ana, que ainda a julgava com o olhar sem nenhuma discrição. Tinha arrastado a melhor amiga até ali assim que descobrira que sua presença estava sendo requisitada e — apesar da mais ter motivos de sobra para fugir daquela noite — Ana sabia o quanto aqueles jantares eram sufocantes para Estella.

— Carlos está aqui — Ana comentou para só Estella ouvir, os olhos presos em algum lugar entre as mesas lotadas daquele restaurante em Madrid. — Mierda, o que ele está fazendo aqui?

Apenas a menção do nome do piloto fez Estella estremecer. O sorriso vacilou, as bochechas doloridas de estar forçando o mesmo movimento por tanto tempo. Não entendeu de primeira, tentando enxergar o que a mulher sentada ao seu lado via, demorando para deixar que sua visão se acomodasse em um lugar só. Carlos não estava ali. Carlos não podia estar ali.

Só conseguiu enxergá-lo no meio da multidão quando ele deu alguns passos na direção da mesa onde estavam sentados. Demorou para acreditar que aquilo era verdade, questionando-se mil vezes em poucos segundos se não era tudo fruto da sua imaginação criativa. Tinha pensado muito em Carlos nos últimos dias, ele podia estar se materializando dos seus pensamentos igual invadia seus sonhos sem pedir permissão.

Aquele, porém, nunca seria o cenário ideal. Não podia ser um sonho, porque ela nunca teria colocado Carlos, Enrique e Raia no mesmo lugar. Nunca, em um milhão de anos, Estella desejava que o reencontro dos dois depois da noite que tiveram em Mallorca fosse assim.

— Buenas noches Raia — Carlos cumprimentou, um sorriso tão falso nos lábios de quem não se importava que descobrissem a sua farsa. — Ana, Estrellita... Enrique, eu acredito.

Estella perdeu completamente a sua postura quando os olhos de Sainz se encontraram com os dela. Raia respondia ao cumprimento, assim como Enrique se levantava para apertar a mão do mais novo presente e dizia o quanto estava feliz por finalmente conhecê-lo. Mas Estella não conseguia respirar, como se estivesse no meio de um ataque alérgico que a deixaria a noite no hospital.

Carlos estava ali. Não ao redor do mundo, se preparando para o próximo Grand Prix que aconteceria em cinco dias. Ali, em Madrid, encarando a mesa com uma frustração que podia ser medida a distância.

Mamá disse que vocês estavam aqui — Carlos falou, sem olhar nem por um instante para a irmã mais nova parada em sua frente. Toda sua atenção estava em Estella, sentada na mesa com as sobrancelhas arqueadas, os lábios entreabertos e os olhos focados nele. Em uma troca de olhares quase palpável entre todos os que estavam ao redor. — Ia passar a semana em Londres, mas surgiu uma oportunidade de passar uns dias em Madrid.

— Sente-se, querido! — Raia convidou, acenando para um garçom adicionar uma cadeira a mais na ponta da mesa. O local escolhido, entre Enrique e Estella, não poderia ter sido mais irônico. — Adoraríamos ter a sua companhia.

— Não quero incomodar — Carlos retrucou, mantendo-se em pé. Tentava evitar, mas não conseguia parar de olhar para Estella. Procurando, na expressão dela, algo que pudesse confortá-lo.

Carlos sentiu ciúmes como nenhuma outra vez em sua vida. Não conseguia parar de reparar em como Estella estava bonita com o vestido branco que contrastava com sua pele e a boca pintada de vermelho, entreaberta enquanto o encarava. O pensamento de que ela não tinha se arrumado para ele — e sim para Enrique — não deixava de atormentá-lo, como um mosquito irritante que aparece quando todas as luzes são apagadas.

— Nenhum incômodo, Carlos! — Raia insistiu, indicando a cadeira vazia que agora completava a mesa de cinco lugares. — Acredito que você não conheça Enrique ainda, querido?

Preferia ter continuado sua vida sem nunca ter sido apresentado àquele homem. Tudo em Enrique incomodava Carlos: o terno italiano que ele vestia, os cabelos escuros penteados para trás e o relógio caro no pulso. A forma que Raia se referia a ele — talvez com mais carinho do que falava com Estella — e, claro, o fato dele ser a pessoa que carregava o título de namorado de Estrellita.

— Ainda não. Acho que nos desencontramos nas festas de família.

— Eu vivo dizendo para nós marcamos uma viagem para Ibiza, mas Estella nunca acha tempo para isso — Enrique comentou, olhando diretamente para a namorada. Ela, ao contrário, estava completamente alheia. Apoiava o queixo na mão e olhava para o gelo derretendo no whisky aguado que o namorado bebia.

— Ibiza é cheio de turistas — Estella respondeu, ainda sem levantar os olhos. — É impossível ter paz ali.

Enrique ignorou completamente o comentário de Estella. Tinha um novo espectador naquela mesa, queria impressioná-lo. Não porque fosse um babaca completo — Enrique não era, apesar de não ser a pessoa certa para Estella — mas porque escutava conversas demais sobre Carlos Sainz para deixar passar aquela oportunidade de conhecê-lo.

Não sabia da história longa dos dois. Não se comportaria da mesma forma, se soubesse. Era um daqueles que liberava seu veneno se estivesse ameaçado. Acreditava que essa era uma característica de bons homens de negócio.

Só o conhecia de nome e pelas suas fotos no apartamento de Estella no centro de Madrid. Carlos estava em várias delas, apesar de sumir a medida que os dois cresciam. Acreditava que era pela profissão que ele tinha escolhido, mas era muito mais pelo significado que os encontros dos dois tinham ganhado para a madrilena. Não queria pendurar a foto do ano novo de cinco anos antes, como uma lembrança recorrente da primeira vez que quebraram os limites. Ou do aniversário de vinte e um anos dela, quando eles acertaram o que aquilo seria de uma vez.

— Você corre na Fórmula 1, não é? — Enrique questionou, esperando apenas um aceno positivo para continuar. — Não acompanho a categoria, mas Estella não perde uma corrida. Ferrari próximo ano, eu ouvi falar. Espero que eles tenham uma temporada melhor que essa.

Raia riu alto, tomando os holofotes da mesa. Ana sorriu falsamente e alternava o olhar entre Carlos e Estella, jurando que ficaria tonta por fazer isso por tanto tempo. Estella continuava a encará-lo, esperando pela reação de Carlos. O piloto continuava a desviar o olhar dela, como se o simples fato deles se encontrarem fosse doloroso.

— É o que esperamos também.

— Talvez nós possamos nos programar para assistir o circuito de Barcelona próximo ano — Enrique falou, desviando o olhar para Estella e buscando a mão dela que descansava em cima da mesa com a sua. — Não é, querida?

O inferno que iriam. Carlos faria o possível — e impossível — para impedir que aquilo acontecesse. Era o seu sonho — contínuo, nos últimos dias — de ter Estella Muniez no paddock. Queria mostrar cada canto do lugar para ela, tê-la como companhia antes das corridas e, quem sabe, levantar um troféu em sua presença. Talvez beijá-la no meio da multidão, gerar conteúdo para os fotógrafos que vez ou outra procuravam um bom ângulo dele.

Demorou para entender que o que sentia, também, era medo. Medo de que tivesse chegado tarde demais. Medo de que tivesse que se acostumar com aquele estranho ao lado de sua Estrellita todas as vezes que eles se encontrassem. Medo de nunca mais sentir o que sentia quando estava com ela.

— Desculpem, eu realmente preciso ir — Carlos se levantou em um pulo, quase deixando a cadeira que estava sentado cair para trás. Escondeu as mãos nos bolsos da calça e engoliu em seco, fugindo do olhar de Estella preso nele. — Podemos marcar outro dia. Eu estou... Cansado demais da viagem.

Não sabia porquê se justificava. Não era necessário. As duas únicas pessoas que ele se importava naquela mesa sabiam exatamente porque ele estava indo. Nunca tivera muito contato com Raia e não fazia questão nenhuma que Enrique entendesse seus motivos.

Ninguém além de Ana na mesa entendeu quando Estella se levantou logo em seguida e apressou o passo para alcançar Carlos. Na confusão, deixou o guardanapo de tecido cair no chão, esquecido como qualquer outra coisa que não fosse o piloto naquela situação. A mesa balançou com o impulso que ela fez para se levantar da cadeira, o tintilar das taças sendo o único barulho passível de ser ouvido entre os três restantes.

Ana xingou Estella em todas as línguas. Acabou com o conteúdo da sua taça, cruzou as pernas e colocou o melhor sorriso amarelo nos lábios ao sugerir que eles deveriam pedir a conta. Enrique continuava perplexo. Raia, com as sobrancelhas juntas, tentava entender o que tinha acabado de acontecer.

Estella só conseguiu segurar a blusa azul de botões que Carlos vestia perto do estacionamento. Ele virou atordoado, assustado ao ser interrompido no meio do seu caminho. Não parecia surpreso por vê-la ali, com as sobrancelhas unidas e os ombros baixos de quem desejava ter o poder de evitar que aquilo tivesse acontecido.

— Você nem consegue olhar na minha direção.

O tom de Estella era tão dolorido que não se recordava de outra vez que estivera tão envergonhada. Carlos estava magoado — no sentido real da palavra — e aquela vez era diferente das que sentia quando ia mal em uma qualificação, tinha que abandonar a corrida ou era ultrapassado por alguém perto das voltas finais. Era aquele mesmo sentimento multiplicado por mil, implorando-o para tomar distância de Estella, como se soubesse que ali não era um lugar seguro.

— Eu não sei o que você quer ouvir de mim agora — falou, engolindo em seco de uma forma que Estella pode acompanhar seu pomo-de-adão subir e descer. — Joder, eu nem sei o que pensar sobre isso agora, Estella.

O tom desse vez não era de provocação. Carlos não estava brincando e a falta do apelido conhecido no final da frase não foi por coincidência ou esquecimento. Estava chateado e sentia seu corpo arder com aquele sentimento. Não conseguia pensar, nem fazer conexões muito complexas entre suas emoções e suas palavras. Tentou falar, mas perdeu a lógica do pensamento várias vezes. Ficou com medo de falar algo que se arrependeria no instante seguinte. Ficou morrendo de medo de fazer qualquer coisa que jogasse a última pá de areia na história deles.

— Por que você está aqui?

— Eu não sabia que ele estaria aqui — respondeu, sincero. Juntou as sobrancelhas grossas, abrindo a boca diversas vezes antes de continuar a falar. — Mamá disse que você estava com Ana. Em momento nenhum eu pensei que...

Parou, ao se dar conta de quão idiota tinha sido. Não tinha conversado com Estella desde o dia que voara para longe de Mallorca. Tentava acompanhá-la pelas redes sociais, mas o sumiço dela tinha sido definitivo. A irmã mais nova ignorava todas as vezes que ele perguntara sobre Estella, preferindo ficar longe daquela confusão que tinham criado. Ela tinha pedido um tempo, ele estava dando.

Se não soubesse como se sentia em relação a Estella até aquele momento, agora era impossível dizer que o ritmo acelerado do seu coração era a toa. Não tinha um problema. Não precisava de um cardiologista. Nunca tinha escutado que amor precisava de diagnóstico.

— Eu não estava mentindo quando disse que iria esperar seu tempo — confessou de uma vez, apertando os olhos escuros antes de continuar. — Mas tempo, distância e silêncio nunca fizeram bem pra gente. Eu pensei que se eu agisse diferente dessa vez, talvez... Joder, Estrellita. Eu só precisava te ver.

Era uma necessidade irracional, como os pulmões precisavam de ar e as células de glicose. Não saberia explicar o motivo. Só não achou que podia esperar mais um segundo para vê-la mais uma vez. Tinham esperado demais.

— Desculpe — Estella sussurrou, quase sem voz. Carlos segurou em suas mãos, negando com a cabeça. Ela não precisava pedir desculpa.

— Não foi você que fugiu disso por tanto tempo, Estrellita.

Carlos sorriu. Não foi um sorriso bonito ou sincero. Ele parecia cansado — exausto — e ansioso para sair dali. Lutaria contra qualquer jet-lag que pudesse tomar conta do seu corpo se fosse para ficar na companhia de Estella, mas não daquela forma. Não enquanto a assistia sorrir para alguém que não fosse ele.

Levou as mãos dela até seus lábios e as beijou antes de ir. Lento e suavemente, fechando os olhos, aproveitando todas as emoções que tirara daquele gesto simples. Não podia beijá-la, apesar de todo seu corpo suplicar por aquele movimento. Não podia pedir que Estella o acompanhasse, por mais que não quisesse deixá-la ali. Estava de mãos atadas. Não havia nenhum sentimento pior que esse.

Era como um dos pesadelos mais recorrentes que tinha desde que era muito pequeno antes de uma corrida importante. Costumava sonhar que todos os carros davam partida quando as luzes se apagavam e ele, o carro de número 55 que variava de cor ao depender do seu contrato, continuava parado. Carlos gritava, apertava todos os botões e esmurrava o volante como se isso fosse adiantar alguma coisa. Nada acontecia. Todos os outros carros continuavam a desviar dele como se ele não estivesse ali. Não havia nada que o espanhol pudesse fazer para mudar isso.

Sentia-se da mesma forma ao deixar Estella sozinha naquela noite. Preso no cockpit, sem receber nenhum sinal do rádio ou da plateia que gritava ao seu redor. Fadado a aceitar as condições que tinham sido impostas a ele.

Dirigiu sua casa, mas evitou a presença de todos os seus familiares. Viu a hora que Ana chegou, pelo abrir e fechar de portas barulhentas, mas preferiu não encontrá-la. Esperou até o momento que todo mundo estivesse em seus respectivos quartos para sair do seu, indo em direção a área de lazer da casa dos seus pais.

Aquele era um dos seus lugares favoritos da vida. Havia uma piscina grande, mesas com guarda-sóis — fechados, naquele horário — e espreguiçadeiras mais confortáveis que alguns hotéis que ele já tinha dormido. Piñon Jr., o cachorro mais companheiro da casa, correu ao seu encontro, se enroscando em suas pernas como se adivinhasse que Carlos precisava daquela risada.

Deitou-se em uma das espreguiçadeiras, apoiando as duas mãos atrás da cabeça enquanto encarava o céu. Costumava fazer aquilo muitas vezes, como uma velha brincadeira que sua mãe o ensinara quando ele era muito pequeno. Reyes dizia que, não importava a distância que eles estavam, o céu que olhavam era sempre o mesmo. Se um dia ele sentisse saudade — de casa, da sua família, de alguém —, ele deveria tirar um segundo para olhar a imensidão em cima da sua cabeça.

Aquela memória era agridoce. Ao mesmo tempo que aquela visão o tranquilizava, também trazia confusão para sua mente barulhenta. Quando compartilhara aquele ensinamento com Estella, antes de tudo, ela tinha dito a Carlos que ele podia se lembrar dela também quando fizesse isso. Não importava o quão longe estivessem, Estrellita sempre estaria com ele.

Irônico era que, naquele momento, não havia uma estrela sequer no céu. Nuvens pesadas começavam a se juntar e podiam esperar uma chuva forte para a noite. Nem estrelas, nem Estella.

Suspirou fundo, esgotado. Tinha imaginado tantos cenários para surpreendê-la em Madrid que agora se sentia a pessoa mais estúpida do mundo. Era grato por não ter encontrado uma floricultura aberta naquele horário — tinha pensado em comprar suas flores favoritas —, se arrependia por não ter mandado uma mensagem para Ana informando seu plano. Teria evitado aquela situação incômoda que não saia da sua cabeça.

Talvez aquele fosse o fim. Carlos nunca soube lidar muito bem com encerramentos de ciclos em sua vida e imaginava que aquele seria o mais doloroso. Não era como um contrato que tinha chegado ao fim para o início de um outro. Nem como uma decisão que ele tomara sozinho.

Viveria sua vida inteira se perguntando 'e se...' quando pensasse em Estella. Aquele sentimento incômodo que o acompanharia por muito tempo toda vez que se lembrasse dela ou resolvesse visitar suas lembranças juntos.

Puxou o ar para dentro dos seus pulmões, atormentado. Talvez aquela fosse a bandeira quadriculada que estava esperando ver em Mallorca para se afastar. O fim de uma corrida que ele teve que se retirar por ter chegado tarde demais ou por um erro grotesco que renderia na boca dos comentaristas. Uma derrota mais dura que as outras que tinha enfrentado na temporada.

— Você estava certo. Não fui eu que fugi de você nas outras vezes.

A voz conhecida fez com que Carlos se sentasse na espreguiçadeira, procurando de onde ela vinha. Foi um surpresa encontrar Estella parada ao seu lado, iluminada apenas pela luz que vez ou outra escapava pelas nuvens escuras. Ela vestia as mesmas roupas de mais cedo e brincava sem parar com os dedos, impaciente.

— Mas eu seria tão covarde quanto você foi se fizesse isso essa vez — sentiu-se na necessidade de se explicar, esperando por uma resposta de Carlos que não sabia se viria. Estava nervosa. Seu coração batia tão forte que achou por um segundo que precisaria de um médico.

Tinha esperado Ana chamar um táxi antes de encarar os olhos de julgamento da sua mãe e os de confusão de Enrique. Falou tudo de uma vez, não deixando que a interrompessem uma vez sequer. Achou que sua mãe teria um ataque cardíaco. Achou que Enrique a machucaria quando agarrou em seu braço e repetiu, mais de uma vez, que se ela saísse daquele restaurante ele não queria vê-la nunca mais.

Nem precisou olhar para trás.

A borboleta tinha causado um vendaval com seus bater de asas. Tempestuoso. Violentíssimo. Arrebatando tudo que estivesse em seu caminho sem pedir licença. Levando, com ele, todas as certezas e crenças que um dia Estella acreditou ter. Carregando, no seu epicentro, uma decisão que só cabia a ela fazer.

Só para se desfazer no momento que o vira, tornando-se nada mais que uma brisa de verão.

Carlos Sainz e Estella Muniez podiam ser muitas coisas juntos. Impossíveis, como diria Ana. Complicados. Teimosos. Caóticos. Caóticos, como um fenômeno que não podia ser previsto ou descrito pelas confusas leis matemáticas. Não como algo ruim. Nunca como algo ruim.

Estrellita... — Carlos falou descrente, colocando-se de pé. Quis apreciar a imagem dela de perto. Guardar cada detalhe da sua face com precisão, tocá-la para acreditar que aquilo era real. Tocá-la para ter certeza que ela estava ali. — Você está aqui.

— É como você disse, Carlos... — ela sorriu, encantada pelo brilho da lua refletida nos olhos escuros dele. Estava feliz, aliviada. Certa da decisão que tinha tomado e das palavras que tinha carinhosamente guardado desde Mallorca para devolver em direção ao piloto. — Eu sempre volto.


DesculpaSeEuMateiAlguémDoCoraçãoNãoEraMeuObjetivo!
A loucura de escrever PE sem nenhum roteiro é que DO NADA alguma ideia surge na minha cabeça. E escutando essa música maravilhosa que deu nome ao capítulo eu pensei 'meu Deus, eu queria muito um encontro entre Enrique, Carlos e Estella'. Deu MUITO mais trabalho do que eu pensei (tem uns 5 dias que escrevo isso e apago kkkk) mas eu gostei muito do resultado e acho que esse capítulo serviu bem como a continuação de Hawái. De certo é muito difícil tomar a decisão que a Estella tomou, mas acho que no final essa era a única possível. A gente não escolhe muito quem a gente gosta, não é? (crying face aqui).
Espero que vocês tenham  gostado  <3 Agora sim posso dizer que o próximo capítulo já tá pronto e é MONZA (com participação especial do Lando - óbvio que ele tinha que estar aqui) e depois teremos mais um continho do passado. SURREAL o tanto de carinho que to recebendo nessa história! Quero agradecer muito por todos os comentários, pelas várias pessoas que vem até aqui e falam 'nem curto F1 mas to amando' (eu fico MUITO FELIZ COM ISSO SÉRIO) e pelo apoio que to recebendo das meninas do mundinho! ❤
E ah, fiquem aqui também com um pedacinho do que seria o Instagram da Estrellita se ela fosse real. Tô fundando o clube 'eu invejo a Estella Muniez' e está aberto pra novos participantes.....

Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro