(XVIII). É algo pelo qual morreríamos
"É isso que nos torna garotas, todas procuramos pelo paraíso e colocamos o amor em primeiro lugar. É algo pelo qual morreríamos. É uma maldição." — Lana Del Rey.
Diário de Jennie Kim (Fevereiro de 1984)
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Assim que amanheceu, deixamos novamente o opala no estacionamento do Divine e caminhamos a esmo.
Estava explícito, tanto para mim como para Lalisa, que as coisas seriam diferentes quando chegássemos em casa, nosso tempo estava acabando, o festival estava acabando. Todas as nossas promessas e momentos ficarão guardados nos três dias do festival.
Andamos pelas ruas tomadas por garotos e garotas bêbados, caídos no chão, sujos de lama e aproveitando o fim de suas felicidades momentâneas. Os invejamos silenciosamente.
O Sol nascia no horizonte, Lalisa tapava a iluminação cegante com a palma da mão no rosto, os cabelos úmidos mais claros graças aos raios de sol que aqueciam aquela manhã preguiçosa, e os resquícios do glitter corporal brilhando nos braços e bochechas. As roupas estavam amassadas e seus lábios rachados permaneciam em um constante sorriso de lado, que aumentou ao perceber que eu a encarava. Era aquele sorriso relaxado que me fez acreditar que nada de ruim aconteceria conosco.
Olhei para o chão, envergonhada, nossas mãos se tocavam vez ou outra e, em um impulso mais corajoso, as entrelacei. Lalisa me trazia coragem, me fazia querer andar de mãos dadas com ela por todos os dias da minha vida.
— Poderíamos ter ido de carro até a minha casa — disse.
Éramos uma mistura de roupas molhadas e ressaca, destoando completamente da vizinhança pacífica a nossa volta. Lalisa jogou uma mecha de cabelo esvoaçante para trás da orelha.
— E perder a chance de conhecer Taegon? — ela respondeu, com uma sobrancelha arqueada.
Ri, incrédula.
— Não há nada para conhecer em Taegon, é só mais uma cidade do interior como todas as outras.
Minha casa estava próxima e os jovens deram lugar aos senhores de meia idade jogando o lixo para fora e nos amaldiçoando com olhares carrancudos, terço no pescoço e ódio enrustido, crianças brincando de pique esconde no quintal e mães que esperavam os maridos irem trabalhar para baterem na minha porta para comprar rivotril.
O som do Divine estava presente, um bate-estaca que agora era irreconhecível.
— Taegon me parece bastante progressista — ela murmurou.
— Taegon é uma farsa — rebati.
— Ah, qual é? — Lalisa bufou. — Aqui não tem nenhum ponto turístico? Nenhum lugar para ir que não seja o Divine? Um lugar que você queira me levar se eu decidir ficar?
Recuei, momentaneamente zonza.
— Ficar?
Lalisa deu de ombros, prosseguindo:
— Aqui eu posso ser eu, sem Lisa, Rosé ou Seul, eu posso até mesmo te ajudar no seu negócio ilícito... — Ela trombou os ombros nos meus, sorrindo maliciosa. — E eu sei o que você pensa sobre Taegon, que é o lugar onde as pessoas vêm para morrer, que não tem nada para fazer, que é chato e entediante, mas nessa cidade eu tenho a chance de viver, Jennie.
Minha mão apertou a dela firmemente, mas Lalisa passou a observar as casas ao nosso redor, os olhos semicerrados e as pupilas inquietas, enquanto eu, provavelmente, estava tão ou mais perdida em pensamentos do que ela. Conjecturar sobre isso abria um mundo de possibilidades, seria o ponto de virada que eu estava esperando. Eu não precisaria mais me agarrar a Irene ou aceitar as migalhas de Jisoo, eu deixaria minhas três melhores amigas no passado e me apegaria a Lalisa com todas as minhas forças restantes. Eu estava ferrada, no fim da linha, vendo todas elas sendo alguém na vida, planejando bebês, carreiras e futuro, mas eu teria Lalisa e juntas poderíamos ser do nosso modo.
— O Bar — disse.
Lalisa me olhou confusa.
— O quê?
— Você perguntou se há algum lugar que eu queira te levar, o Bar — expliquei.
— E se chama assim? O Bar?
Maneei a cabeça em afirmação.
— Ele é frequentado pelos alunos do Condado — disse.
Nossos passos estavam tão lentos que chegaríamos em casa no dia seguinte.
— Mas você não é uma aluna do Condado — lembrou Lalisa.
Rolei os olhos, trombando de propósito nela. Lalisa riu, devolvendo a investida.
— Jungkook e Taehyung são, eles me levam, bebemos e falamos mal dos outros, é divertido — respondi.
Lalisa fez um biquinho, pensando na possibilidade. Os meninos e eu fazíamos muito mais que isso, andávamos bêbados pelas ruas e no inverno tacávamos neve no quintal das famílias tradicionais, fazíamos caretas para as crianças nos carrinhos de bebê e fumávamos na praça da cidade, abaixo do altar da igreja, porque gostávamos de pensar que ir para o inferno seria melhor do que ficar a eternidade presos no céu com todas as pessoas de bem daquela cidade.
— Jungkook e Taehyung... eles? — Lalisa gesticulou com a mão algo que eu não entendi.
— Namorados? — completei a pergunta, ela maneou a cabeça em afirmação. — Não, não, Jungkook é o meu mascote hétero e Taehyung é o eterno garoto confuso apaixonado pelo meu mascote hétero. Evito me intrometer na amizade deles, apenas observo.
— Você poderia... espera... — Lalisa franziu o cenho. — Aquele não é o Jungkook?
Olhei para a frente e demorei segundos para vê-lo atravessar a rua lateral a que iriamos entrar. Jungkook voltava da minha casa, já que o seu alojamento era do outro lado da cidade. Ele parecia atordoado, o que seria normal se Jungkook fosse qualquer garoto frequentando o Divine, o que não era o caso.
— Ei, Jeon! — gritei.
Ele parou, rodou nos calcanhares e seu semblante surpreso deu lugar a um aliviado. Jungkook correu até mim, cabelos oleosos ao vento e os braços duas vezes maiores que a minha perna me abraçando forte o bastante para quebrar costelas.
— Graças a Deus! Onde você esteve, noona? — Ele me soltou, arfante.
Pisquei algumas vezes, confusa.
— Como assim onde eu estive? O que aconteceu?
— O que aconteceu? — ele perguntou, incrédulo. — Você foi a sua casa? E o Taehyung... — Ele olhou para Lalisa, confuso. — Você...?
O interrompi, puxando os ombros de Jungkook para baixo. Ele era alto demais e eu queria conversar olhando para o desespero dos seus olhos.
— Se acalma e me conta o que está acontecendo — pedi.
Jungkook passou as mãos pelos cabelos e apertou as pálpebras com os dedos, quando voltou a me fitar os olhos estavam vermelhos e as lágrimas já rolavam pelas bochechas. Isso me fez lembrar do quão novo ele era e do sentimento persistente que me fazia sentir, como se fosse um irmão mais novo que eu nunca tive e nunca pedi, mas agora era tarde demais para devolvê-lo e o que me restava fazer era protegê-lo.
— Ei, venha cá. — Jungkook se encolheu nos meus braços, chorando. — Está tudo bem, eu estou aqui, só me conte o que aconteceu, ok?
— Eu não sei, noona... — Ele choramingou, soluçando. — Eu não encontrei o Taehyung até.. até agora e eu.. eu estou com muito medo que... — Ele passou o dorso da mão pelo rosto, limpando as lágrimas. — Estou com medo de...
— Medo de que? — perguntei.
Jungkook balançou a cabeça rapidamente, como se tirasse uma ideia repentina.
— Nada, só... só precisamos ir à polícia, precisamos... precisamos pedir ajuda a polícia.
— Não acho que eles farão alguma coisa agora — Lalisa interveio. Ela parecia repentinamente mais responsável, talvez estivesse imitando algum aspecto positivo de Lisa. — Estamos no Divine, um universitário desaparece a cada dois minutos, estão bêbados, chapados ou só decidiram ir para a cama de um desconhecido, a polícia não vai pensar diferente disso.
Suspirei, momentaneamente cansada. Ela estava certa, os policiais nunca moveram um dedo para procurar garotos desaparecidos na época do Divine, eles apareciam depois que o festival acabava ou terminavam afogados no próprio vômito em alguma ruela próxima. Sem corpo, sem preocupação, era o lema dos policiais de Taegon. No entanto, eu estava preocupada exatamente por saber que Taehyung não frequentava o Divine e não sumiria assim, do nada, ele não bebia o suficiente para ficar bêbado e esquecer de avisar onde está, não usava drogas além do cigarro e muito menos decidiria ir para a cama de um desconhecido.
Me senti mal por ter me esquecido dele, mas aconteceu tantas coisas ao mesmo tempo e em tão poucos dias que se tornou impossível manter um pensamento coeso. Lalisa tomou toda a minha atenção com uma facilidade surpreendente, mas agora eu precisava elencar prioridades e uma delas era encontrar Taehyung.
— Vamos até Irene, ela vai procurá-lo se eu pedir — disse, séria. — Lalisa, não saia de perto de mim e Jungkook... — Olhei para ele, pensando no que fazer. — Droga, não vou mais te deixar sozinho, vem, vamos.
Os dois se entreolharam e partiram atrás de mim.
[...]
A delegacia de Taegon estava um caos, a fachada de concreto quase desmoronando amanheceu lotada de gente bêbada, gente brigando, gente com a cara pintada e cabelo colorido, gente gritando, vomitando e gente algemada. Alguns policiais estavam na linha de frente e tentavam apaziguar os mais chapados. Era os únicos dias do ano que os policiais de Taegon realmente trabalhavam, o resto do ano era recheado de rosquinhas sabor chocolate, brigas entre vizinhos e bêbados fazendo xixi em lugares inapropriados.
Seria impossível achar Irene naquele lugar, mas seria melhor enfrentar a delegacia do que a casa dela, correndo o risco de ter que conversar com o seu marido perfeito e ver todos os preparativos para o bebê em planejamento.
Jungkook segurava a barra da minha blusa como um filho com medo de perder a mãe no supermercado, enquanto Lalisa cutucava desconhecidos e quando eles olhavam, ela fingia que não tinha feito nada.
— Podemos voltar mais tarde! — sugeriu Jungkook, no meio do empurra-empurra.
A porta da delegacia parecia ser mais distante que o esperado e lá dentro não parecia melhor do que o lado de fora.
— Mais tarde vai ser pior! — disse, pisando no pé de uma garota que não saía da minha frente. — É quando todo mundo vai estar sóbrio o bastante para perceber que foram roubados, assediados ou drogados, confia em mim, vai ser pior!
— Então vamos voltar mais tarde! — exclamou Lalisa, animada.
Jungkook olhou para ela, incrédulo.
— Espero que Taehyung apareça logo, vou descontar do salário dele uma taxa de insalubridade por ter me feito pisar em uma delegacia — murmurei.
— Contanto que você não desconte o meu também, noona, está tudo bem — devolveu Jungkook.
Balancei a cabeça em uma falsa injúria. Eu era a menor dos dois, então me esgueirar entre as pessoas foi fácil, o difícil foi puxá-los comigo. Deixá-los ali fora seria pior, ainda mais Lalisa, que poderia perder o controle da própria mente a qualquer momento e entrar em possíveis enrascadas, como, por exemplo, encontrar Rosé.
Entramos na delegacia e a minha mão já estava escorregadia de suor. O lado de dentro estava bem mais pacifico, as pessoas pareciam sóbrias, havia alguns moradores de Taegon e outros universitários vestidos — o que era um milagre. O lugar era composto por mesas de madeiras cheias de papeladas, fardas azuis passeando de lá para cá e as paredes cheirando a tinta óleo. Um zumbido incômodo marcava presença e a falta de janelas fazia tudo parecer ainda menor e abafado, potencializado pelas lâmpadas amareladas. Um mezanino de madeira levava ao segundo andar, onde mais policiais trabalhavam.
Um deles passou apressado ao meu lado, mas o interceptei.
— Onde fica a mesa da Irene? — perguntei.
Ele me olhou de cima para baixo, pronto para protestar, mas desistiu no meio do caminho.
— Segundo andar, terceira mesa, a da esquerda para a direita.
— Obrigada! — gritou Lalisa, enquanto eu a puxava para longe.
Por todo o curto caminho até o segundo andar meu coração resolveu bater mais rápido, apenas para me deixar mais ansiosa com o possível encontro de Lalisa e Irene. Ela ficaria tão brava que me faria implorar para que procurasse Taehyung. Irene gostava de me ver implorar em diferentes ocasiões e, apesar de deixar claro na nossa última briga que me ajudar estava fora de questão, ela sempre voltava atrás, ainda era a mãe do grupo, de todo modo.
— Era para ser aqui... — Lalisa parou em frente a mesa de Irene, vazia. Me aproximei do tampo de madeira, como se ela pudesse estar escondida entre as canetas pretas ou debaixo dos papéis.
— Ela pode ter ido ao banheiro — sugeriu Jungkook.
— Ou não ter vindo trabalhar — rebateu Lisa.
— Ou estar na casa dela... — respondeu Jungkook.
— Dá pra calar a boca, os dois! — gritei.
A mesa vazia de Irene trazia uma sensação estranha que fez meu estômago revirar. Lalisa disse que saiu da minha casa quando a briga entre Jisoo, Rosé e mais uma mulher começou, Jungkook perguntou se eu havia ido a minha casa... Massageei as têmporas, eu precisava descobrir o que estava acontecendo.
Deixei os dois para trás e parti para a próxima mesa, o policial estava debruçado na madeira, escrevendo algo. Era um homem jovem, os cabelos castanhos claros foram cortados em um mullet e a farda azul estava bem passada, na frente dele uma senhora de cabelos brancos parecia impaciente. A bolsa dela estava repousada no colo e ela torcia a barra do vestido florido.
— Com licença... — encarei os dois alternadamente. — Eu queria fazer um boletim de ocorrência, meu amigo desapareceu, mas ele não estava no Divine e estamos preocupados.
Jungkook e Lalisa chegaram até mim, parecíamos crianças pedindo um doce.
De repente, a cadeira se arrastou para trás e a senhora se levantou, arfante. Dei alguns passos para trás, confusa, e quase trombei em Lalisa.
— Você! — ela apontou o dedo para mim. — Você! A neta dos Kim!
Franzi o cenho.
— Oi...?
— COMO VOCÊ OUSA! — Ela balançou o dedo flácido na minha cara.
Lalisa deu um tapa na mão dela.
— Como você ousa, senhora!? — ela rebateu. — O que foi? O bingo não está aberto hoje?
Aconteceu em segundos, mas pareceu ter durado horas, o policial levantou para acalmar a senhora, Jungkook conteve Lalisa para que ela não batesse na senhora de novo, e a senhora começou a urrar injúrias e apontar o dedo na minha cara. O rosto dela estava retorcido em raiva e a baba saía da sua boca, enquanto eu continuei parada, segurando o choro.
— VOCÊ! SUA VADIAZINHA INGRATA! VOCÊ E SUAS AMIGAS! FORAM VOCÊS! — ela berrou. — ME CONTA, ONDE TÁ O MEU FILHO!?
Ouvir isso me fez sair do torpor, empurrei Lalisa e me aproximei da senhora. Jungkook ainda tentou me puxar para trás, com medo que a fúria dela fosse fatal, mas a única coisa que a senhora conseguiu fazer foi chamar atenção de toda a delegacia e acabar com a paciência do policial que a segurava.
— O que você disse? — perguntei.
— Não se faça de tonta! Meu filho! Meu bebê! — Ela se remexeu mais intensamente, a bolsa já estava caída no chão e todos os pertences espalhados. — Já não basta terem tentado matar ele, agora sumiram com ele! Elas sumiram com ele! Eu sei!
Cambaleei, como se tivesse recebido um soco. As mãos de Lalisa se firmaram em mim, me abraçando por trás, mas ela não fez para me conter, ela queria me proteger, queria sofrer o impacto por mim. Minha respiração estava acelerada, era como se o ar tivesse momentaneamente acabado, comecei a buscá-lo como se estivesse afogando, arfante, meu coração batia acelerado, eu tremia, chorava, sentia aquelas paredes se fechando, os olhares confusos e curiosos em cima de mim, a senhora ainda balbuciava, ainda me acusava, ainda me lembrava do que passei metade da vida tentando esquecer.
— Elas quase mataram o meu filho naquela escola, botaram fogo nele, agora voltaram atrás dele, voltaram, voltaram... as vadiazinhas sequestraram o meu filho! — Ela olhava dentro dos meus olhos. — Onde está o meu filho!?
— Eu não sei... não sei... — Me deixei ser arrastada por Lalisa, Jungkook abria caminho na multidão que se aglomerou a nossa volta. — Eu não sei do que a senhora está falando! Não sei onde está o seu filho!
— Sabe sim! Suas amigas sabem! — Ela berrou. — Eu vi! Eu vi aquela sua amiga chamando ele! Eu vi! EU LEMBRO! Vocês vão queimar no inferno! Vão queimar! O que vocês fizeram com o meu filho!?
A paciência do guarda acabou e a senhora foi incapacitada com uma chave de braço.
"Doida", era o que as pessoas à nossa volta começaram a cochichar sobre ela. Em Taegon, se uma mulher era chamada de doida pela primeira vez, a palavra ecoava com a facilidade de uma pluma e logo ela estaria ocupando espaço junto às outras doidas no Colônia. Spoiler: nenhuma delas eram realmente "doidas."
Trombei nas fardas azuis, chorando, e corri para longe dali. Lalisa tentou me segurar, mas me desvencilhei dela e não olhei mais para trás. O Sol estava a pino fora da delegacia e a rua parecia tranquila demais, pacata. "Elas quase mataram o meu filho naquela escola, botaram fogo nele, agora voltaram atrás dele..." Minha cabeça girava.
— Jungkook, fique aqui e faça o boletim de ocorrência, eu vou atrás dela! — Lalisa gritou, mas a única coisa que eu prestava atenção era nas passadas do meu tênis na calçada e no jato de respiração que saia das minhas narinas. Logo a corrida de Lalisa se juntou à minha, mas eu não recuei, nem mesmo quando o suor não parou de descer pela minha testa e as lágrimas incapacitaram a minha visão.
— Jennie, me espera! — Lalisa gritou. — Jennie Kim!
Eu não podia, não podia esperar, não mais. Minhas pernas doíam e o fôlego faltava, mas corri por mais duas quadras e virei a esquina da minha casa, a casa dos meus avós. O sol aquecia o topo da minha cabeça, lágrimas desciam pelas bochechas e, em um segundo de desatenção, meus pés se embolaram e eu caí na calçada.
— Jennie! — Lalisa me alcançou, arfante. Ela estava descabelada como eu, parecíamos ter sobrevivido a uma guerra.
Lalisa passou os braços pela minha cintura, me erguendo, seu rosto brilhava de suor, a franja estava grudada na testa.
— O que aconteceu!? — ela perguntou, ainda agarrada a mim.
Meu joelho ardia e eu não conseguia falar, me faltava ar. Passei as mãos pelo rosto, tirando os cabelos grudados das bochechas.
— Eu não sei... mas estou prestes a descobrir.
Lalisa não perguntou mais nada, corremos juntas até a minha casa.
A grama precisava ser aparada, os meninos capinavam sempre, mas tudo parecia passar mais rápido nos últimos meses e não sobrava tempo para nada. Eu vivia aquela sensação extasiante de apertar o acelerador do carro e aproveitar os minutos restantes antes do impacto.
Era essa a sensação que antes eu não sabia descrever: os minutos restantes antes de um acidente fatal.
Nunca descobriram quem começou o fogo no colégio, mas era algo que eu me pegava pensando antes de dormir, no nervosismo de Irene antes de entrar na quadra... no que elas planejaram sem mim e deu errado.
Quatro garotos morreram naquele dia...
Quatro sobreviveram, até agora.
"Elas quase mataram o meu filho naquela escola, botaram fogo nele, agora voltaram atrás dele, voltaram, voltaram..." Apressei o passo, minha respiração era dificultosa, doía respirar, doía pensar, a grama alta deslizava pelos meus calcanhares, a presença de Lalisa era reconfortante e ansiosa ao meu lado. Me escorei em meus joelhos ao parar em frente a porta, respirando fundo.
O que elas estavam fazendo com os garotos que sobreviveram naquele incêndio? O que aconteceu naquela época e o que estava acontecendo agora?
A porta se abriu em um rompante.
— Rosé? — Ouvi Lalisa balbuciar, baixinho.
Me ergui lentamente, meu coração batia rápido.
Eu não queria saber o que estava acontecendo, mas era tarde demais. Eu não queria, simplesmente não queria.
— Me desculpe, Jennie... — sussurrou Rosé, coberta de sangue. — As coisas acabaram saindo do controle.
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