016 - Aquilo que chamam de liberdade
Era muito bom mesmo que Thed não tivesse aparecido no dia seguinte para trabalhar nos últimos livros de conta. Muito bom mesmo. Isso significava que Mary poderia ter um dia de paz e seus batimentos cardíacos agradeceriam o descanso.
No segundo dia em que ele não apareceu, Mary começou a ponderar sobre ter afugentado seu aprendiz de contador – que já não era lá tão aprendiz assim, e muito menos era dela.
Já era o terceiro dia que não o via, 72 horas depois daquele fatídico – e maravilhoso – beijo que Mary percebeu que havia grandes possibilidades de Thed não voltar nem tão cedo. Ou até mesmo não voltar. Nunca.
Ignorou o aperto que sentiu no coração e tratou de pensar no assunto com lógica.
Estava muito claro que a fuga de Thed significava o fracasso de sua missão. E, praticamente, o fracasso de seu noviciado também. Talvez a Madre perdoasse essa falha, como já havia feito com todas as outras. Mas será que ela mesma se perdoaria de uma falha como essa? Era para Thed estar ali se tornando um contador de renome agora.
Mas só Deu sabia aonde ele podia estar...
Mary sempre tentou ignorar as energias negativas e os maus pensamentos que às vezes passavam pela sua cabeça. Mas o grande problema que a sensação de descoberta que sentia, era que não podia ser nem de longe classificada como negativa. Era de fato muito boa.
Afinal de contas, era uma descoberta e tanto. Algo perfeitamente dedutível, no entanto. Todo mundo já deveria ter deduzido.
Menos ela.
Mas agora tudo estava muito claro, até porque, verdade seja dita: ela sempre fora uma péssima noviça.
E que bom que descobriu isso a tempo, pois seria um pouco desconcertante chegar a tal conclusão depois de já ter se tornado freira. A Madre não ia ficar nadinha contente.
Fazendo uma retrospectiva dos cinco longos anos que resultou a ser seu noviciado, chegou a umas tantas conclusões. Algumas delas eram bastante óbvias, ela somente não queria enxergar que, por exemplo:
A Madre devia gostar muito dela para permitir tamanho desastre vagar pelo colégio usando um hábito que nem ao menos ela tinha a consideração de não sujar. Estava claro que Mary sempre deu preferência a correr e rolar na grama do que manter a ordem de suas vestimentas.
Não tinha nenhum comportamento de noviça.
Gostava de rir, mesmo quando a Madre achava essa uma ação inconveniente. Para falar a verdade, quando a situação chegava a ser inconveniente ela tinha vontade de gargalhar. Preferiria acordar depois que o sol já tivesse nascido e cantar fora da hora planejada. Queria poder comer algodão doce e...
Aquilo não era adequado para noviças. Mas mesmo assim ela gostava.
Principalmente depois que Thed reapareceu em sua vida, todo seu autocontrole conquistado através dos anos e sua placidez superficial foram por água a baixo. Ela tentou conter as mudanças que ele causava, mas, evidentemente, não conseguiu.
Só que agora Thed tinha ido embora. E com ele foram todos seus esforços por se tornar freira. Só a deixando com uma certeza: não era isso que ela queria.
***
Nem mesmo a pessoa com mais otimismo no mundo – o que não era o caso de Mary no momento – consideraria a comunicação de uma desistência para a Madre Superiora seria uma situação agradável.
Entretanto, não tinha escolha. Se o que queria era ver-se longe dos hábitos, e, principalmente, longe do perigo de desonrar a Deus em seu juramento enquanto beijava amores de sua adolescência em cantos escondidos da construção do sagrado colégio. Então, tinha que falar com a Madre o quanto antes.
Logo que deu a primeira hora da manhã – ou a ultima da madrugada, como a Madre costumava preferir – Mary terminou de fazer suas preces. Pedindo pelo amor de Deus, para que tudo corresse bem. Dirigiu-se à diretoria onde a Madre certamente estaria.
Antes de bater a porta da diretoria respirou fundo e se fez um pequeno lembrete: manter a calma, pois ela é sempre boa aliada.
- Algum problema, Mary? – foi logo a primeira pergunta da Madre fazendo com que o lembrete da noviça fosse esquecido de uma vez.
- Não! Por que haveria? Estou com cara de quem tem um problema? – perguntou Mary tentando dissimular, sem obter tanto sucesso.
- Por que são cinco da manhã. E você já está aqui diante de mim.
- Foi somente uma noite mal dormida – na verdade era uma noite não dormida, mas estava tentando ser casual, e não ficaria bem revelar certas partes como essa.
- Então temos um problema, porque se eu bem sei você dorme feito uma pedra. E geralmente acorda atrasada.
- Devo ser uma noviça muito ruim para a senhora, não é mesmo? – perguntou Mary sem poder disfarçar que sua vida dependia daquela resposta.
A Madre a olhou de cima abaixo, como se estivesse formulando uma resposta. E bem, aquela realmente foi uma resposta bem pensada.
- Você como noviça eu diria que é bastante indisciplinada, assim como foi quando aluna. Porém, é inteligente e esforçada, quando te dou uma missão, sei que vai ser cumprida. Contanto que não esteja relacionada com a limpeza de seu hábito, devo dizer.
- Prometo não o sujar mais! – exclamou Mary animada com os elogios, por um segundo esquecendo a real razão de sua visita naquela diretoria.
- Sei que não vai mais acontecer – concordou a Madre tranquilamente. – Mas continuando, sua dedicação com as crianças é admirável, tanto as divertindo quanto as educando você o faz com extrema facilidade. E veja bem, eu sei o quanto elas podem ser difíceis.
- Mas Madre, se eu tenho tantas qualidades, por que ainda não posso ser freira?
- Não está preparada, querida.
- É provável que eu não esteja preparada nunca – disse Mary soltando um suspiro resignado, pois a cada dia que passava estava mais difícil controlar seus instintos.
- Talvez você não queira estar preparada.
- E esse deve ser o problema que a senhora tanto queria saber – confessou Mary, enfim.
- Descobrir que não se tem vocação não é necessariamente um problema.
- Eu não disse isso! – guinchou Mary com uma voz que não se parecia nem um pouco com sua voz natural e musical.
Parecia-se muito mais com um grito de filme de terror. Mas a Madre não pareceu se assustar.
- Mas não pretendia? – perguntou com calma
- Talvez – respondeu Mary um pouco infeliz por ter que admitir novamente seu fracasso.
- Mary, deixe-me falar uma coisa. Quando a convidei para que se iniciasse como noviça, só queria te dar mais uma opção de vida. Não queria você fizesse por gratidão a mim ou por obrigação. Espero que você já saiba disso há algum tempo, assim como espero que saiba que ainda há tempo para desistir.
Mary sentia-se sinceramente agradecida pelo aviso da Madre, mesmo que ele tenha chegado com alguns cinco anos de atraso. Mas infelizmente, o alívio que a boa senhora pretendia causar em Mary não fez efeito.
- Bem, então acho que lhe devo umas boas desculpas.
- Não é necessário, eu sabia que isso um dia ia acontecer.
A boa senhora não parecia tão boa assim depois dessa reclamação. Como assim ela sempre soube e Mary não?
- Por que me convidou para ser noviça afinal de contas?!
- Ora, Noviça Mary nunca tinha visto a senhorita tão negativa como agora – disse a Madre num comentário quase brincalhão.
Mary não participou da brincadeira, logicamente se lembrou de Thed e seu pessimismo. Será possível que esse tipo de anomalia passasse através de um simples beijo? Porque para ser bem sincera, as coisas começaram a se complicar de verdade em seu caminho quando sentiu os lábios dele encostando-se no seu. Melhor dizendo, até aí estava tudo maravilhoso, o ruim foi quando ele desencostou.
Que bom que a Madre era somente capaz de prever o futuro e não de ler pensamentos. E ela continuou seu discurso:
- A principio achei que tudo daria certo. Pensei que você só precisava acalmar seus ânimos da adolescência. Mas eu estava enganada, tinha algo mais que hormônios em sua agitação e demorei algum tempo para perceber que é seu espírito que é assim. Também estou suscetível a errar em meus julgamentos, Mary...
- A culpa não é sua – disse a quase-ex-noviça com tristeza
- Nem sua! – respondeu a Madre com alegria
- Um belo dia estava vendo você conversar sobre negócios com o Senhor LaDonne, ele parecia encantado, assim como eu. Você é boa nisso e faz isso com uma intuição natural, não é à toa que ele aceita seus conselhos, sabe? E logo após esse episódio, percebi como você trata as crianças. Não é uma reclamação, sou muito agradecida por você dedicar todo seu tempo livre a elas. Não era sua obrigação sacrificar seu tempo e paciência com...
- São minhas crianças!
- Não, Mary. Elas estavam sob seus cuidados, mas elas pertencem aos seus respectivos pais. – explicou a Madre com muitos gestos, como se Mary fosse tão criança quanto as que estavam sob seus cuidados. – Se quiser suas próprias crianças, terá de fazê-las.
Santo Deus! Mary podia tentar entender certos desvios de conduta da Madre como, por exemplo, o seu mistério com relação às descobertas que afetavam a vida dos outros. Sua gula descontrolada por chocolates... Mas isso? Não! Ela estava sendo deveras obscena! Não era uma conduta apropriada para uma religiosa!
- A senhora não pode estar falando sério!
- Oh, sim. Não fique tão sobressaltada. A partir de agora volto a chamá-la de senhorita Mary-Claire e não precisa mais ser cheia de pudores com esses assuntos.
- Não! – disse Mary sem saber a qual dos comentários absurdos da Madre estava negando, para reforçar seu horror balançava a cabeça freneticamente em uma negativa entusiasmada
- Vai deslocar o pescoço assim, Mary, diga logo qual é o problema.
Diante a repreensão Mary parou de balançar a cabeça, o que era bom. Porque seguindo aquele ritmo rapidamente sua cabeça iria soltar de seu pescoço. E tentou uma resposta mais sensata:
- Não tenho aonde ir. Não pode me desligar tão rapidamente da minha posição.
- Está sendo dramática de novo. Há muita gente que adoraria uma visita sua.
Mary entendeu o recado. Muita gente significava: os LaDonnes. Mais precisamente sua amiga Kara, não era má idéia, de fato, era uma ótima idéia! Kara tinha que ser a primeira a saber que ela estava livre.
- Deixe de cerimônia, não precisa esconder o sorriso. – disse a Madre também sorrindo – Vá fazer suas malas.
E Mary realmente não fez cerimônia em abraçar afetuosamente a Madre e se dirigir saltitante até a porta. Até ouvir a Madre a chamando, mais uma vez, só que agora pelo seu nome de verdade.
- Mary, e seu trabalho com Theodore Hopkins?
Aquilo com certeza desmanchou seu sorriso, mas ainda conseguiu manter alguma segurança para responder:
- Ele já sabe tudo que tinha que saber. Vai conseguir continuar sozinho.
- Quem sou eu para duvidar de sua dedicação em seus ensinamentos... – disse a Madre com um sorriso estranho.
Verdade seja dita, a Madre andava estranhamente sorridente naquela manhã. E fez mais um comentário bem humorado.
- E tenho um ultimo pedido, ao menos essa vez, tente não sujar seu hábito.
Mary sorriu em resposta, e prometeu que dessa vez iria se esforçar para atender ao pedido. Em seguida saiu da sala, rumo àquilo que chamam de liberdade.
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HELLO!! E finalmente!!!!!!!!!!!!! Os céus cantam pela Mary e sua nova liberdade <3
Enquanto eu isso eu grito em desespero por esse calor louco. É sério, eu não aguento mais. Mas como foi o Natal de vocês, fora o calor? Eu só ganhei presentes lindos. E LIVROOOOOS <3 Que são o melhor presente pra mim. Quem tá comigo?
Escreveria mais aqui nos recadinhos, mas minhas mãos estão muito ocupadas coçando minhas picadas de mosquitos pra me alongar no assunto. Fora isso, tô mexendo nos livros que pretendo escrever em 2016! Mal vejo a hora de postar aqui!!!!!!!!!! Fiquem atentos porque assim que eu tiver algo aceitável pra postar eu devo gritar nas minhas ~redes~ (insta, twitter, ou página do "Pela Janela Indiscreta". Por enquanto é só!
Beijos com estrelas<<<<
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