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11: Navio Pirata e Beijos de Esquimó


Clarice Lispector já dizia que tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e, com isso, nasceu a vida.

Falava, também, que antes da pré-história havia a pré-história da pré-história, e o nunca, e o sim. Sempre houve. Como começar pelo início, divagava a poeta, se as coisas acontecem antes de acontecer? Se antes da pré-história já havia os monstros apocalípticos?

Não fazia ideia. Eram centenas de perguntas sem resposta, que se mesclavam a outros milhares na minha cabeça.

A questão era que o sim de Mozart para o meu convite não fez acontecer algo tão extraordinário como o surgimento da vida no planeta, há bilhões de anos, mas foi capaz de regar um pouco mais as flores sentimentais que irrompiam do meu miocárdio. Não sabia como aqueles ramos intrusos tinham ido parar em uma zona tão perigosa de mim, mas possuía quase certeza de que não dava para me livrar deles. E isso, ao contrário do que poderia imaginar, não me assustava em níveis cataclísmicos.

Só era... estranho. Diferente. Inédito.

Com dezesseis anos há alguns meses, não me lembrava de já ter me apaixonado, apesar de ter consciência, enquanto vislumbrava o mundo ao meu redor, que a maior parte dos garotos eram extremamente avançados nesse âmbito com a minha idade. Muitos deles já tinham até mesmo embarcado naquele negócio de partes encostando em partes e coisas dentro de coisas, enquanto eu sequer havia dado o meu primeiro beijo.

Às vezes, questionava-me se tinha algo de errado comigo em não ver a menor graça em ficar caçando pessoas desenfreadamente para fazer isso. Eu só... me contentava em viver no meu universo particular, caçando novas coisas para me fascinar e fotografando pores-do-sol com minhas retinas meio danificadas.

Não era como se não pensasse nisso de jeito nenhum. Passava pela minha cabeça em dados momentos, com garotos, mas não exatamente como um desejo profundo. Exceto com ele.

Mozart.

Sempre que me distraía desde o dia do filme, minha mente vagava por entre situações impossíveis e sensações sem resposta. Era uma... vontade de senti-lo perto. Muito perto. De, quem sabe, descobrir o gosto que tinha; se era de chocolate, sol ou estrelas. Traçar novas linhas na sua pele; inventar rotas nos contornos da sua epiderme.

Caramba, é só que ele era tão, tão bonito. Bonito feito um céu inteirinho no início da manhã, ou... ou o mar debaixo do crepúsculo.

Não sabia ao certo se deveria ter tanta esperança de que possuía chances com ele. Talvez alimentar isso fosse a mesma coisa de querer criar peixes no bolso da calça; uma ideia impossível, e totalmente-por-cento fadada a dar errado, considerando o seu comportamento aparentemente arredio nos últimos dias.

Era o tipo de pensamento que me deixava acordado até muito tarde, com milhares de bolhas coloridas no estômago e as células em combustão. E o tipo de coisa que eu tentava evitar que pairasse pela minha cabeça enquanto caminhávamos lado a lado pelos paralelepípedos das ruas; eu, segurando o bolo gigante da minha irmã perfeitamente embalado, e ele com os olhos bicolores que, por vezes, se voltavam a mim.

Era difícil entender como aquele garoto funcionava.

Assim que adentramos na sala da minha casa após eu colocar o bolo na geladeira, Anne se aproximou em disparada, trajando sua habitual roupa de pirata com o tapa-olho de caveira e uma espada de plástico na mão, cuja ponta foi na direção exata do estômago de Mozart logo que chegou perto o suficiente.

Os olhos do garoto se estatelaram de susto.

— Apresente-se, marujo! — Ordenou a criança, em tom de brincadeira.

— Ivan Mozart da Silva Gomes, capitã. — ele despejou, erguendo os braços ao redor do corpo como se de fato estivesse diante de uma enorme ameaça.

Contive o ímpeto de dar risada.

Admito que fiquei meio surpreso por descobrir que ele possuía um primeiro nome, e, mesmo tempo, achei um pouco curioso o fato de não se apresentar como Ivan para as pessoas. Será que não gostava? Achava Mozart mais descolado, por remeter ao músico famoso?

— Ah, o Mozart! — Ann riu de leve, baixando a lâmina falsa, e a encaixou na bainha da calça de tecido cor de areia. — Você quer uma espada também? A gente pode brincar de duelo enquanto a mamãe não tira os pastéis de soja do forno! — sugeriu ela, muitíssimo empolgada.

Minha genitora, apesar de saber fazer quitutes muito bem, julgava-se tão péssima na arte de fazer bolos a ponto de me mandar comprar um.

— Ah, eu... claro! — afirmou o moreno, lançando-lhe um sorriso.

Minha irmã deu as costas para nós e começou a correr rumo ao seu quarto, saltitando de alegria.

— Aceitar brincar com ela uma vez é sinônimo de nunca mais ser deixado em paz. — comentei, com um riso sutil.

— Acho que posso encarar isso. — gracejou ele, e se pôs a segui-la.

Fui atrás. E, já no seu quarto, pude vê-la vasculhando o Baú do Tesouro marrom encostado na parede, à procura das espadas.

O cômodo denunciava sem nenhum rodeio a paixão de Anne pelo mar e histórias relacionadas à ele. Seu papel de parede era um oceano azul-céu repleto de peixes coloridos e barcos de papel, o teto possuía adesivos em formato de animais marinhos que irradiavam luz verde-néon no escuro, e a colcha que lhe recobria a cama pequena seguia o mesmo padrão de estampa.

Sobre sua escrivaninha, havia a maquete de um barco pirata que eu a ajudei a fazer para um projeto de ciências com materiais recicláveis coletados ao longo do bairro por nós, como uma garrafa seca de água sanitária, papelão e outros itens que evitamos de deixá-los espalhados por aí, maculando a natureza.

— Lute comigo, marujo! — Foi a primeira coisa que Anne disse, assim que entregou a espada ao meu amigo.

A lâmina-que-não-cortava-nem-um-pouco da menina riscou o vento, e sem qualquer impedimento de Mozart, alcançou em cheio seu braço. Ele fez uma careta dolorida, levando a mão livre à área atingida.

— Aí!

— Ora, vamos! — incentivou ela. — Afinal de contas, você é um homem ou um rato? — Ergueu o nariz pontudo, fingindo petulância.

— Um rato, com certeza. — Mozart sussurrou para mim, e eu o acertei com o cotovelo, prendendo os lábios para não rir. — Quer dizer, um homem, capitã! — Forçou profunda coragem, e bradou sua espada para minha irmã.

Gargalhei, observando a luta que se seguiu. O moreno pressionou a mão livre contra a coluna, enquanto a outra focava nos movimentos rápidos que imprimia contra o cabo da espada do mesmo jeito que Anne fazia, com um sorriso enorme dançando nos seus lábios pequenos de criança, que com certeza seria capaz de derreter mundos inteiros.

Não demorei muito para me juntar a eles. Tirei os óculos, fisguei o meu tapa-olho e o encaixei no rosto, capturando outra espada no baú. Então, começamos uma luta a três quase épica, que nos fez subir na cama, correr pelo quarto sem qualquer noção de rumo e nos curvar de tanto rir.

Aquela cidade nunca pareceu tão deslumbrante, porque era o único lugar rabiscado no mapa que guardava nosso riso estridente ao vento, e todas as faíscas que estalavam nos nossos corpos em cores que sequer existiam. Ali, eu Mozart saltamos do nosso eixo, e apenas nos pusemos a vagar por todas as infinitudes de mundos irreais que se expandiam no cosmos, e na cabeça repleta da criatividade infantil da minha irmã.

Só paramos a brincadeira quando nossos músculos exaustos pediram clemência. Anne se jogou no seu colchão em posição de estrela-do-mar, ofegante, e nós dois caímos contra a parede, sem conseguir parar de dar risada.

As ondas do seu cabelo lhe escorriam em um oceano cor de céu noturno ao longo da nuca, cobrindo parcialmente as maçãs do rosto com sua persiana de fios.

Levei a ponta dos meus dedos até a sua testa, penteando uma mecha que quase lhe atingia o cílio para o lado, até encaixá-la com os seus outros irmãos-fios.

Mozart parou de rir e virou a cabeça até que suas íris caíssem na órbita das minhas, despejando pequenas constelações abrasadoras nas minhas bochechas. Então, sorriu e se aproximou.

Os minúsculos pontinhos que começavam a crescer no seu queixo roçaram de leve na minha testa assim que despejou um beijo na região, e o sopro quente de ar que lhe escapou se dissolveu no meu cabelo. Tentei ignorar o tremor que se espalhou no meu peito, assumindo as proporções de um terremoto cataclísmico no meu coração.

Não pude evitar sorrir, vendo-me incapaz de desatar a linha invisível que seu olhar estendeu até o meu, enlaçando minhas pupilas nas suas, cujas íris pintadas ao redor emitiam pontos de luz sob as sobrancelhas ligeiramente mal desenhadas.

Meio tímido, pendi o rosto na sua direção e pincelei os lábios na ponta do seu nariz, sorvendo a maciez da pele por um segundo. Ao me afastar, vislumbrei sua boca entreaberta, transparecendo as notas de surpresa que nadavam em seu interior, até que um sorriso meio trêmulo surgiu no seu semblante, riscando os contornos afogueados da face.

— Também quero beijo no nariz! — Anne exclamou, e correu para se jogar no meu colo.

Dei risada, recebendo-a entre meus braços.

— Você já ouviu falar de beijo de esquimó? — indaguei à menina, com ar divertido.

— Não. Como é? — Sua curiosidade transpareceu.

— É um beijo que você pega e dá de presente a uma pessoa. Assim.

Para demonstrar, carimbei os lábios na ponta do indicador e do médio, e os pressionei contra seu nariz minúsculo. Ela riu, parecendo fascinada, como sempre ficava com a maior parte das coisas do mundo.

— Será que tem como guardar vários desses beijos no meu bolso, para eu pegar sempre que quiser um e você não estiver por perto? — Arregalou a orbe visível, empolgada com a possibilidade.

Sorri com a sua inocência.

— Claro que sim.

— Esse é o melhor aniversário da minha vida! — Sua alegria se fez audível.

Não muito depois, minha mãe apareceu na porta. Seus olhos se arregalaram de imediato com a visão da bagunça de lençóis que a cama tinha ficado, porém não falou nada, porque sua atenção logo recaiu sobre Mozart, e um brilho de alegria enfeitou seu castanho.

— Que bom te ver de novo, garoto! — Sorriu. — Como eu não vi a hora que chegaram?

— Somos piratas furtivos. — brinquei.

— Ah, nesse caso... — Se fez de séria, como se tudo o que eu dissesse tivesse feito mais sentido do que a Teoria da Gravidade. — Os piratas furtivos por acaso estariam interessados em salgados? Acabaram de sair do forno!

Minha risada se mesclou à de Mozart, e o grito empolgado da minha irmã tilintou no ar enquanto se punha a correr para fora do quarto.

Após comermos planícies imensas de salgados infestados de um ótimo tempero — e sem qualquer vislumbre de carne — feitos pela minha mãe, fomos cantar os parabéns. Notei que Mozart parecia ligeiramente cabisbaixo ao meu lado, com a atenção se perdendo em um horizonte abstrato sempre que fitava meu pai e minha mãe, que batiam palmas exultantes sorrindo um para o outro e, vezes demais, para minha irmã também.

Talvez, pensasse sobre como seria a sua vida se seu pai não tivesse partido tão cedo; matutando possibilidades de momentos em família que nunca aconteceriam. Eu não fazia ideia de como deveria ser um sentimento desse tipo, mas o mero fato de me imaginar no lugar de Mozart fez meu coração se retorcer no peito, como se uma corda áspera pressionasse o órgão em um abraço de fibras resistentes.

— Tudo bem? — perguntei, tocando seu ombro, assim que a música típica dos aniversariantes se findou.

A pequena aglomeração na cozinha começava a se dissipar. Meu pai já pegara seu pedaço de bolo, e minha mãe colocava uma fatia para sua filha mais nova em um prato azul de plástico que não possuía lá muita resistência.

— Sim, sim. — assegurou o moreno, forçando o máximo de convicção que parecia caber em seu interior.

Não insisti no assunto, até porque eu possuía quase certeza do que havia entrado na sua órbita mental há pouco, e ele não parecia verdadeiramente interessado em falar sobre aquilo. Na verdade, Mozart sempre aparentava fugir de assuntos profundos e subjetivos sobre si mesmo, como se tivesse medo do quanto o que nadava mas partes mais abissais do seu íntimo revelaria sobre ele.

Em instantes, começamos a devorar o bolo. Quando mordi o primeiro pedaço, o mundo pareceu ser tingido por um caleidoscópio de tons vibrantes que pulsavam em todas as direções, tamanho o gosto bom que se dissolveu na minha língua.

— Caramba, isso é melhor do que pizza! — exclamei, provavelmente com os olhos cintilando.

— Minha tia é a melhor no que faz. — garantiu o moreno, com um pequeno riso.

Não tive como contestar.

O jeito como Mozart comia era particular demais para que eu não prestasse atenção; sempre com a cara enfiada no prato, mergulhando pedaços muito maiores do que conseguia mastigar na boca e, por vezes, se engasgando com sua própria gula desmedida.

— Você por acaso foi condenado à prisão perpétua ou algo assim? — Não contive a piada.

Ele apertou os cílios na minha direção, os lábios sujos de azul formando uma linha reta. Havia um bigode de glacê inteirinho desenhado em seu rosto.

— Nunca se sabe quando a comida pode ganhar asas e voar do seu prato. — Caprichou na entonação solene.

— Droga, como não pensei nisso? — Estalei a língua, fingindo profundo ceticismo.

— Nem todos possuem essa sensibilidade... — Balançou a cabeça em negação, como se lamentasse.

Nossos olhares se sustentaram por alguns segundos, como se estivéssemos em uma competição silenciosa de quem iria rir primeiro das nossas próprias idiotices, até que explodimos em uma gargalhada simultânea que dissipou nuvens de calor por toda parte.

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