Guilherme
Uma coisa que devo dizer sobre mim é que sou desastrada, mas quando digo que sou desastrada não falo de algo casual e que acontece eventualmente como com as pessoas normais. Eu sou literalmente a personificação do desastre. Isso ser bom ou ruim não é algo que vou discutir agora, mas é algo que deve ser mencionado, pois direta ou indiretamente faz parte da minha breve (e nenhuma) história com o Guilherme.
A aula havia acabado mais cedo naquele dia. Fui ao banheiro antes de começar a descer sozinha os quatro lances de escada ou ao menos eu achava que estava sozinha. Logo após tropeçar, cair de bunda em cima do meu tornozelo direito, que não é o mesmo desde aquele fatídico dia, e sair escorregando escada abaixo vi em câmera lenta dois meninos que assistiram atentamente e passaram por mim como se não tivessem me visto cair e escorregar como uma jaca podre um lance inteiro de escada. Até hoje não tenho certeza se eles não terem me ajudado foi bom ou ruim.
A dor me fez parar de respirar por uns segundos, fiquei sentada sozinha na escada até achar que conseguia levantar. Tirei os sapatos e o meu tornozelo estava tão roxo como uma uva, as lágrimas desceram de imediato e eu me forcei a descer sozinha os outros três lances da escada. O "tio da escada", que ficava naquele lugar para evitar acidentes na hora que os alunos largavam, me viu descer mancando, chorando e logo veio me ajudar, eu nem tenho certeza que se consegui explicar direito o que aconteceu, mas ele me levou até a portaria para pegar gelo.
O "tio da escada" me deixou lá, logo depois de mostrar meu pé muito inchado e excessivamente roxo e dizer que eu precisava de gelo urgente. A secretária que vamos chamar aqui de Ana, parecia estar muito mal humorada naquele dia. Ela catou um dois ou três pedacinhos de gelo no fundo de uma grande caixa de isopor e me deu dentro de um saco. Logo em seguida comecei a andar, decidi que colocaria o gelo na condução e então, no mesmo instante, um menino do ensino médio terminou de descer as escadas correndo. Ele parecia atrasado, muito atrasado, mas me viu chorando e parou.
- O que aconteceu? Você está bem? Está indo para onde? Vai sozinha? - Ele falou enquanto tocava no meu ombro e me encarava com aqueles olhos verdes atentos e gentis.
Ele me fez tantas perguntas que nem lembro quantas, parecia um trator me atropelando com palavras e interrogações que eu não sabia como responder. Vocês já tentaram explicar algo enquanto choravam? É uma péssima ideia. Mas tentei respirar fundo e explicar a queda, o moço, o gelo e que eu tinha que ir até a condução e que, não, não havia ninguém para me levar até ela. O menino dos olhos verdes que parecia particularmente atrasado e que segurava um papel timbrado na mão insistiu que eu precisava molhar o pé com água fria, então ele colocou o braço como apoio e me levou até um lugar onde dava pra pedir uma bacia e água aos funcionários.
Quando me dei conta já estava sentada em um degrau no chão e ele trazia uma bacia cheia de água que eu não tinha ideia de como ele conseguiu. Eu já não chorava mais, ele me fez rir com um comentário do qual não me recordo e eu reparei que nunca o tinha visto na escola. Então eu estava sentada no degrau, ele de joelhos na minha frente massageando o meu pé, enquanto o molhava com água gelada.
Nessa breve conversa eu descobri que o nome dele era Guilherme, o papel que ele me pediu para segurar enquanto massageava meu tornozelo era um trabalho, cujo era o motivo da sua pressa, ele estava atrasado para entregar ao professor. Eu pedi desculpas, ele respondeu que isso era mais importante, então eu pedi desculpas novamente, porque notei que deixei uns pingos de água caírem no trabalho dele. Ele sorriu e disse que não tinha problema.
Guilherme me levou até a condução naquele dia, ele era o menino mais gentil que eu havia conhecido na vida. Daquele dia em diante eu sempre passei a encontrar Guilherme pela escola, sempre nos cumprimentávamos, ele me abraçava, eu amava aquele abraço. Então em algum momento, sem perceber, meus olhos passavam a caçar Guilherme na escola, ele sempre brincava com as crianças no horário da saída ou passava conversando com alguém. Eu e ele não éramos amigos, mas eu gostaria que fôssemos.
Então um dia vi Guilherme abraçando uma menina no corredor e quase que de imediato comecei a chorar compulsivamente. Eu estava com ciúmes e foi nesse momento que eu percebi que gostava dele e naquele fatídico momento foi também onde eu decidi que deveria parar de sentir aquilo.
- É errado, nunca vai dar certo. - Repeti internamente, enquanto tentava lidar com a dor que é achar que não merece e que nunca vai ser amada.
- Não tem como um cara como ele e uma garota como eu darem certo. - Repeti novamente e todas as vezes, que ele fez meu coração bater em um ritmo diferente, a partir daquele dia.
Então parei de procurar e de tentar esbarrar com Guilherme pelos corredores, passei a fugir dele tanto quanto vampiros fogem de alho em algumas história. Passei a reprimir qualquer pensamento que o envolvia e fiz isso repetidas vezes até não sentir mais o meu coração palpitar. Até parar de chorar toda vez que lembrava que ele era impossível e inalcançável para alguém como eu. Até esquecer o quão bom era aquele abraço e como eu gostava da forma como o perfume dele ficava em mim quando o abraçava.
Querido Guilherme, para alguém que gosta de romances como eu, ver você descendo aquela escadaria extremamente apressado e parar para ajudar uma completa estranha mesmo que isso fosse te prejudicar, foi quase como uma amostra particular de como é viver um momento daqueles que só funcionam em filmes, livros ou quando você é uma beldade daquelas de cinema. Você foi como uma amostra grátis de como acasos bonitos acontecem, para uma mera mortal fadada ao desamor.
Aos olhos verdes gentis,
Allie.
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