Capítulo 4
Estava tudo escuro na casa vizinha. Blaine não estava em casa e nem sua Harley Davidson estava estacionada na frente da casa como sempre. Suspirei lembrando do que tinha acontecido mais cedo. Não bastava ser como eu, eu ainda tinha que ter soltado aquela. Quando Gabriel Leonard MacColl, filho de Katharine e Joel MacColl foi embora, tudo se tornou um borrão. Lembro de ter passado um ano para voltar a sorrir e mais um, para voltar a ser sociável.
Desde a sua partida, os pais dele me tornaram parte de suas vidas. Afinal, eles seriam avós do bebê que eu estava esperando. Antes de começar a trabalhar no Joe's, refleti muito sobre que caminho seguir. E me recordo do dia que Gabby me falou que estava partindo.
"Não posso ficar preso nessa cidade, e nem a você".
Quando entrei na minha casa, o meu telefone tocou. A foto de Gregg e seu namorado apareceram no visor.
— Mike!!! — falei assim que escutei o grito dele do outro lado da linha, soube que ele tinha sido pedido em casamento. Michael Forks havia pedido o meu melhor amigo para ser mais que namorado. — se arrume, gata rajada. Vamos comemorar!!!
— Gregory Pitterson, acho que você deve comemorar com o seu noivo...
— Vamos, Lili! — escutei a voz de Mike ao fundo. — está vendo? O meu Mike concorda com o fato que precisamos comemorar com você — Gregg estava muito feliz, e não poderia negar que eu também estava pelos dois. Só que eu ficava sem jeito de ter que compartilhar de um momento tão especial deles.
— Vocês têm certeza que não vou incomodar? — perguntei sem jeito.
— Passamos em 20 minutos para pegar você. E pelo amor de Deus, use algo que mostre suas pernas e um salto bem alto — já podia imaginar Gregg revirando os olhos ao falar.
Se dependesse dele, eu usaria salto alto todos os dias e saia curta, pelo resto da minha vida. Não deu tempo nem falar nada, ele já tinha desligado o telefone na minha cara. Isso era um sinal para eu correr contra o tempo e me arrumar mais rápido que uma estrela cadente. Tomei banho às pressas, me maquinado logo em seguida. Não deu para fazer muita coisa, mas gostei do resultado final. Segui até o closet, escolhendo um dos poucos vestidos de festas que eu tinha. Um prateado com um decote nas costas, e bem-comportado na frente. Ele era curto o suficiente para eu ter muito cuidado quando fosse me agachar ao pegar algo. Para finalizar, uma bota preta de camurça, cano curto com detalhes de pedraria nas laterais e soltei os cabelos, deixando que as ondulações aparecessem. Dei uma olhada no espelho, e eu estava bem arrumada em tão pouco tempo.
Sair com eles seria uma boa oportunidade de tirar tudo aquilo de ruim que me consumia. O som da buzina me tirou do transe. E seu eu demorasse mais um pouco, os vizinhos chamariam a polícia.
— Parem de fazer isso... — resmunguei enquanto saia de casa e fechava a porta.
— Graças a Deus você não vai me fazer passar vergonha. — disse Gregg olhando para a minha roupa.
— Vá se foder, Gregory — mostrei o dedo do meio para ele. — Oi, Mike. Você está lindo! — sorri para o noivo do meu amigo, e tornei a encarar Gregg.
— Boa noite, Lili — Mike retribuiu o sorriso — você também está muito bonita.
— É assim que se faz, quando elogiamos uma pessoa... — soltei com um tom bem debochado.
— Não sou obrigado a elogiar animais, minha flor — Gregg tinha sorte por eu o amar tanto, eu estaria esganando-o naquele exato momento.
— Já sei que a noite vai ser divertida — Mike riu, ligando o carro e seguindo para o nosso destino.
Não tinha muitas boates na cidade, no entanto, havia sido inaugurado recentemente uma no centro da cidade. Lá se podia comer e dançar com um ambiente agradável e caro. Mike estava tão empolgado, que tive que segurar onda dele para que não gastasse além do que era necessário comigo. Gregg era outro que não parava de me perguntar se eu queria algo mais. No final, o que deveria ser uma comemoração de noivado, acabou se tornando uma disputa de quem pagaria a conta. Só fiquei feliz quando a situação se resolveu e Mike venceu a disputa. Minutos depois, ele estava na pista de dança segurando um copo de suco de morango, enquanto eu e Greg tomávamos nossos drinks de nomes estranhos.
Upgrade U estava nas alturas e eu rebolava como uma louca no meio dos meus amigos. Chamávamos atenção de todos por nossa dança pra lá de sensual. Mike segurava minhas mãos no alto, e depois as fazia deslizar por seu corpo, e Gregg segurava minha cintura por trás, conduzindo meu quadril. Eu era a salsinha sem utilidade no meio daquele hot-dog, porém, eu amava tudo aquilo. Amava meus amigos e o amor deles. Deus, eles eram perfeitos um para o outro.
Fechei os olhos e senti a música. Já não sentia mais as mãos dos meus amigos sobre mim, e sabia que eles estavam dançando colados. Quando tornei a abrir os olhos, não sabia onde começava ou onde terminava Mike e Gregg. Eles se esfregavam e se acariciavam, em um beijo delicioso de se ver.
E eu continuei minha dança, feliz pelo meu dia ter terminado daquela forma. Se existia uma pessoa de bom senso, era o DJ daquela noite. Assim que que começou Dance For You, fui a loucura. Até os meninos vieram para perto fazer aquela dancinha coreografada. Gregg fazia caras e bocas e Mike dançava ao meu lado.
Rimos tanto, que até cheguei a chorar. Em pouco tempo, fui esquecida novamente pelo casal, e segui com a minha dança solitária. Eu estava na santa paz da minha vida, quando o vi. Tudo de bom que tinha me acontecido naquela noite foi por água abaixo. Um flash de tudo que passei veio na minha mente. De repente, já não fazia mais sentido dançar, pois me senti enjoada. Só de olhar para Gabriel novamente, uma raiva tomou conta de mim. A raiva que achei estar adormecida. Relembrei as vezes que sonhei com o momento em que o visse novamente na cidade, e em todas as vezes eu saia por cima. Falei para mim que seria superior a tudo e seguiria a minha vida.
O Gabriel do outro lado da pista, tinha ganhado corpo e estava mais arrumado. Ele era muito parecido com Joe. Não era muito alto, o cabelo loiro e o porte físico até atlético. Porém os olhos eram azuis como os de Kate. Tão dóceis em sua mãe, e tão dolorosos em Gabriel.
Até pareceu que ele tinha sentido o meu olhar sobre ele, quando virou a cabeça e me encarou. Ficamos assim por minutos, eu acho. Mike e Gregg estavam tão empolgados na comemoração, que não perceberam que eu tinha parado de dançar. Ao lado dele, estava uma mulher muito bem vestida, além de ser uma loira muito bonita. Sem desviar o olhar de mim, ele falou algo em sua orelha e ela assentiu para ele. Gabby, deixando o copo sobre a mesa, veio na minha direção com o semblante sério.
— Lili, quanto tempo! — ele falou mais alto para que eu pudesse escutar sobre a música. Dois anos depois, ele me vem com isso?
Quando eu estava a ponto de mandar ele para o quinto dos infernos, senti uma mão firme envolta da minha cintura. No início achei que era um dos meninos, mas não era. O toque era mais firme e ao mesmo tempo, quente. Desviei o olhar de Gabriel para ver quem era, e tive uma surpresa ao perceber que era Blaine.
— Tire o olho da minha garota, cara. — buguei. Eu literalmente sai de órbita naquele momento. — ou faço você engolir os dentes... — Blaine não precisava falar alto para ser ouvido. Ele tinha o timbre de voz grosso e rouco suficientemente para chamar atenção.
— Desculpa, mas não estava de olho na sua garota como você deve está pensando... — Gabriel deu um passo para trás, com medo, eu acho. — somos velhos amigos — o quê?! Velhos amigos? — Só queria dar um oi.
— Oi — eu disse fria, e voltei a olhar para Gabriel da mesma forma que a minha voz saiu. Ele parecia nervoso com a forma que Blaine o encarava.
— É bom ver você depois desse tempo que passou...
— Tem algo interessante para falar com a Lili, Gabby? — Gregg entrou em ação. — até onde eu saiba, você deveria estar de joelhos e pedindo perdão pelo que a fez passar....
— Tudo bem, Gregg. Vamos embora... — Suspirei tentando manter a calma.
— O que esse merda fez? — Blaine rosnou ao perguntar.
— Coisas que deveriam estar enterradas, Blaine — olhei para ele, mostrando o quanto aquela situação era constrangedora para mim. As pessoas a nossa volta já haviam começado a prestar atenção e tudo o que eu não queria era ser o assunto da cidade novamente.
— Você deveria ter vergonha de falar com ela, Gabby — Mike se aproximou de mim, encarando o homem que um dia achei que me amava.
— Já entendi — debochou Gabriel, colocando as mãos no bolso — não mexa com a Lili, Gabby... Não fale com a Lili, Gabby... Você fez muito mal a Lili, Gabby. Vocês acham que não escutei isso a tarde toda dos meus pais? Eu voltei. Aceitem isso. — como assim ele tinha voltado? Não! Ele não poderia voltar para cidade, afinal, ele estava na universidade.
— Aceitar que você está na cidade tudo bem, mas que queria falar com a Lili e fingir que nada aconteceu, isso não. — rebateu Gregg, sendo segurando pelo braço por seu noivo. — É muita cara de pau sua, depois de tudo...
— Chega! — eu gritei o mais alto que eu pude. — Blaine, me tira daqui, por favor — eu tinha que sair daquele lugar barulhento, cheio de pessoas que presenciaram o meu sofrimento. Queria ir o mais longe possível.
— Como você quiser. — disse Blaine, atendendo ao meu pedido. Nem Gregg e nem Mike se opuseram a minha decisão de sair da boate com outra pessoa.
Eu nem senti que Blaine estava me conduzindo até chegar ao lado de fora, onde o som da música tinha ficado mais abafado e distante. Mil coisas se passaram na minha mente. E se Kate não tivesse ido resolver a questão da hipoteca da casa dela, e sim, ter ido buscar o filho dela no aeroporto? Porque ela não me avisou que ele havia voltado? E como ficaria minha vida com ele todos os dias no café? Merda, eu estava quase chorando.
— Lili? — Blaine me chamou gentilmente, já montado na moto. — vamos, suba.
— Como sobe em uma moto, com essa roupa e esse tipo de sapato?
— Não se preocupe, apoie o pé no pedal e passe a perna por cima. — explicou me passando o capacete. Assim que terminei de colocar o capacete, subi na moto evitando olhar para ele pelo retrovisor, no momento em que montei na moto. — segure firme na minha cintura.
Ainda bem que ele me avisou para segurar firme, ou eu teria voado para longe. Blaine sabia exatamente o que estava fazendo ao pilotar a moto. Então eu pude me permitir chorar no trajeto. O mais curioso é que ele me levou para o único lugar que eu jamais teria imaginado: sua casa. Pensei que ele me levaria para um lugar aberto ou sei lá no que eu pensei. Tinha muita coisa pairando sobre a minha cabeça.
— Sua casa? — questionei, ao descer.
— Venha... — pediu, quando também desceu da moto.
Em silêncio, e um pouco envergonhada por estar com aquele vestido minúsculo, segui-o. Cogitei ir até a minha casa e trocar de roupa, mas tinha medo de assim que chegasse na porta, Gabby aparecesse por lá. E se eu tinha certeza de uma coisa, era que ele viria atrás de mim. Fosse lá qual o motivo real, eu teria que me assegurar que não o deixaria entrar na minha vida novamente. Independente da forma que tentasse.
Blaine abriu a porta de sua casa e logo em seguida abriu espaço para que eu entrasse. Achei que o estilo da casa dele fosse mais dark ou algo parecido, mas não. Era quase tudo branco é muito organizado. O sofá era cor de vinho em L, no canto da sala e ficava de frente para a tevê conectada ao um sistema de som de última geração. Uma cozinha com uma linda ilha em mármore e armários ultra brancos. A sala de jantar com uma mesa de vidro no centro e cadeiras cromadas, e como não poderia faltar, com os acentos brancos. Dava até medo tocar em algo e estragar.
— A fabrica de alvejante deve ganhar uma nota com você... — tem coisa que a gente tenta segurar, porém sai naturalmente.
— Acho que sim. — ele esboçou um sorriso, enquanto ficava descalço.
Até que ele tinha os pés bonitos. Observei ele andar pela sala, seguindo em direção a cozinha, abrir a geladeira e colocar a água no copo e um com suco. Parecia absurdo, mas eu narrava tudo em pensamento, tentando antecipar as ações dele.
— Então, quer conversar sobre o que aconteceu hoje na boate? — veio na minha direção, segurando um copo com um suco vermelho.
— É algo complicado do passado... — suspirei, ao me sentar no sofá ultra confortável. Deus, eu poderia morar naquele sofá... Até parecia que eu estava deitada sobre as nuvens.
— Temos tempo. Não acho que seja um problema do seu passado, já que está afetando o seu futuro. Já que passado deveria permanecer lá, esquecido... — nossa, ele era bom mesmo. Blaine sentou ao meu lado, me entregando o copo com suco, mesmo que eu não o tenha pedido. — beba, vai gostar. Suco natural de morango, melancia e hortelã.
— Pensei que você me daria algo mais forte... — definitivamente, ele estava me surpreendendo — não tem uma cerveja?
— Não bebo nada com teor alcoólico. — espere aí... Se ele não bebê, o que diabos ele estava fazendo naquela boate?
— Você é algum tipo de serial killer? Me seguiu até a boate?
— Segui, mas não por ser um — suspirou. — não sei o que me deu na cabeça. Eu apenas sabia que tinha que estar lá.
Como se eu fosse um animal prestes a fugir, se aproximou com cuidado. De cabeça baixa, ele começou a mexer os dedos da mão parecendo estar nervoso. Que tipo de mulher fica perto de um cara que acabou de confessar que a seguiu? Eu. Congelei sentada no sofá e olhando para ele. Qual seria o próximo passo dele. Ele tentaria algo, ou ficaria apenas de cabeça baixa, refletindo.
— Eu não consigo parar de pensar em você, Lilith.
Certo. Aquelas palavras entraram na minha mente, e ficaram se digladiando. De repente, comecei a escutar minha respiração mais pesada, o coração acelerou além do normal. Eu estava tendo um treco.
— Quero manter distância, e ser seu amigo. Estou tentando... Porém, está difícil.
— Tenho que ir para a minha casa. — falei rapidamente, me levantando, sem saber qual rumo realmente seguir. Não estava com cabeça para pensar em Blaine naquele momento. Os problemas estavam chegando a galope. Um atrás do outro. — Blaine, não sei o que falar no momento. Só preciso de um tempo para colocar meus sentimentos e pensamentos em ordem.
— Compreendo. — disse ele com o tom um pouco irritado.
— Olha, desculpa se deixei você chateado... — comecei, mas logo fui cortada.
— Eu não estou chateado com você, Lili. Estou comigo. Não é sua culpa... — levantou, andando até a porta que há poucos minutos, eu tinha entrado e a abriu. Já sabia que aquela era uma dica para sair e me esconder na minha casa.
— Blaine... — resmunguei, quase resignada. — se fosse em outra circunstância, não contaria até dez para tentar algo, e me permitir ser feliz... Só que agora, não é tão fácil. E além do mais, ninguém se apaixona por outro na velocidade da luz...
— Você fala demais, Lilith. — falou apontando para o lado de fora. — venha, vou te deixar em casa.
— Oh... Certo — passei por ele como um foguete, vermelha de vergonha por ter dito que ele seria minha opção de felicidade e mais envergonhada ainda de ter falado que ninguém se apaixona num estalar de dedos.
Caminhamos em silêncio até a minha casa. Foi a coisa mais constrangedora que senti. Eu queria ter falado algo. Dito que também havia começado a sentir algo por ele, no entanto, o silêncio prevaleceu. Gabriel estava na cidade, e não que eu fosse ter algo com ele, mas parece errado começar algo, quando não se tinha resolvido o passado. Assim que peguei as chaves da minha casa, Blaine me puxou para o canto da parede, me beijando. A chaves caíram no chão, e eu pouco estava ligando para elas. Tudo que eu sentia era a boca quente dele tomar conta da minha, enquanto suas mãos seguravam meu quadril com força. O ar me faltava a cada investida dele. Deus, era tão bom o beijo. O calor e o peso do seu corpo me esmagando contra parede...
— Boa noite, Lili — disse de repente, saindo de perto de mim. Meu corpo estava em brasas. Eu mal conseguia juntar dois mais cinco, quanto mais me recompor. — até amanhã, vizinha.
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