Capítulo 78: Tal Mãe, Tal Filha
Na manhã seguinte, eu estava sozinha em casa quando dei falta do meu celular. A última vez que mexi nele foi no bar, e lembro de ter guardado o mesmo no meu bolso assim que o Bruno chegou. Mas o aparelho não está lá. Desci às escadas e comecei a fuçar o sofá, e depois de bagunçar as almofadas, não encontrei nada.
Suspirei, e olhei em volta tentando imaginar onde meu celular se escondia.
Porém, a campainha tocou atrapalhando meus planos. Caminhei até a porta e assim que abri, vi minha mãe do outro lado.
- O que foi? - perguntei, e me afastei deixando a porta aberta. - Veio reclamar da cor do meu tapete?
Quando parei em frente á estante, conheceu a mexer em algumas gavetas.
- Não que não merecesse. - disse, e entrou fechando a porta logo em seguida. - O que está procurando?
- Meu celular. - respondi. - Não faço ideia de onde coloquei ele.
Sorte que o Bruno não faz bem o lado vingativo, ou eu estaria procurando meu celular no fundo de um lago.
- Para uma casa que vive duas crianças, ela está silenciosa demais. - reparou, mudando de assunto. - Cadê minhas netas?
- Hoje é dia de passeio no parque, Crystal levou elas. - respondi, e fechei a última gaveta me sentindo frustrada.
Nada desse celular.
- Por que não foi com elas? Cristal é a babá, mas você é a mãe.
- Se está aqui para dizer o óbvio eu te acompanho de volta até a porta. - exclamei.
- Ficar perto das gêmeas pode te ajudar a superar tudo que você passou recentemente. - continuou, ignorando minhas palavras.
Precisa mais do que aquilo para realmente afetar minha mãe.
- Superar o que? - questionei, e me virei para encarar seu rosto.
Como responder que eu não me sinto digna de encarar minhas próprias filhas? Porque, nesse momento, não sou o melhor exemplo de mãe.
- Não negue, você precisa de ajuda. - afirmou.
- Tem razão, procura meu celular na cozinha. Vou continuar aqui na sala. - sua expressão continuou séria, me fazendo sorrir. - Tô brincando. Esqueci como você é sempre tão séria. Devia virar amiga do Bruno, nesse quesito vocês são parecidos.
Ela andou na minha direção fazendo o barulho do seu salto preencher o ambiente.
- Michael me disse que você foi até o túmulo do Adam.
- Por que os homens dessa família não conseguem ficar com a boca fechada? - perguntei. - É irritante as vezes.
Quando fui passar por ela, minha mãe segurou meu braço.
- Você sabe que tenho razão. Conversar com alguém pode te ajudar.
- E qual é seu conselho? Um psicólogo? - perguntei. - Mas, levando em conta a forma que está me olhando nesse momento, você prefere que eu fale com um psiquiatra.
- Usar sacarmo e ironia para mesclar a dor não vai fazer ela desaparecer. - disse, e me soltou. - Você já é grandinha demais para saber disso.
- Realmente, mãe. Mas te irrita, e pra mim, é o suficiente.
- Está sendo ridícula, Helena.
- Tal mãe, tal filha. - falei, e comecei a me afastar. - Vou pedir pra Ellie te trazer café, já que tá na cara que não vai embora.
Minha mãe me seguiu até a cozinha me fazendo ter certeza que ia insistir um pouco mais na minha redenção.
- Ellie, você viu meu celular? - perguntei, assim que vi a mulher mais velha atrás do balcão.
Ela balançou a cabeça de forma negativa.
- Não, Sra. - respondeu.
- Devo ter enfiado no c...
- Helena, modos. - minha mãe, repreendeu.
- Você desaprovando um comportamento meu. Vou levar como um elogio. - falei, e olhei em direção a porta de vidro.
Do lado de fora tinha um brinquedo do Winnter. Franzi o cenho sabendo que como o Winnter é um filhote ainda, ele não costuma brincar lá fora. Ainda mais porque em volta só tem mato e ele pode se perder, ou pior, se machucar.
Alguém deixou a porta aberta e meu cachorro correu para liberdade.
- Olha só, surgiu um programa de mãe e filha. Me ajuda a procurar meu cachorro. - falei, e abri a porta de vidro. - Se seus saltos permitirem.
- Você ficaria surpresa em saber o que posso fazer só usando saltos.
Por algum motivo, uma cena bem estranha apareceu na minha cabeça me fazendo fazer uma careta.
Já do lado de fora, olhei em volta e vi o Alfredo sentado no banco aproveitando o sol.
- Cadê o Winnter? Você não fez nada com ele, né? - perguntei, mas Alfredo começou a se lamber me ignorando.
O Sr. simpatia ataca novamente.
Segui em direção as árvores para procurar meu cachorro, e minha mãe me seguiu.
- Se você não quer estar com suas filhas, por que não sai com suas amigas? - ela voltou ao assunto, como eu estava esperando.
- Em momento algum eu disse que não quero estar com minhas filhas. - corrigi. - E, minhas amigas estão no começo de uma relação, não quero atrapalhar com meus dramas.
- Quando a amizade é verdadeira não existe isso de atrapalhar. - afirmou, e se apoiou em uma árvore.
- Logo você, a mulher mais fria que eu conheço falando de afeto e amizade verdadeira. Talvez eu tenha morrido naquele acidente e esse é algum tipo de purgatório que está me fazendo alucinar. - exclamei.
Parei de andar quando ouvi um latido fraco. No mesmo momento, um alerta soou na minha cabeça.
Segui o latido e encontrei o Winnter deitado na grama. Um pedaço de galho se encontra em cima de uma de suas patinhas traseiras.
Me agachei ao lado dele e depois de tirar o galho, o filhote continuou deitado me deixando preocupada.
- Acho que quebrou. - minha mãe comentou.
Engoli em seco odiando ver meu cachorro naquela situação.
- Ótimo, eu não consigo nem cuidar de você. - falei, me sentindo pior ainda.
Peguei com calma o cachorro no colo e saímos do meio da mata.
- Veio com seu carro, né? - perguntei, entrando de volta na cozinha.
- Sim, por que?
- Porque, querida, mamãe. Sua visita não foi completamente inútil. Vai nos levar até o veterinário.
Quando chegamos no veterinário, Winnter foi levado até uma sala e eu fiquei no corredor esperando junto com minha mãe.
Ao nosso lado estava uma mulher e uma criança. A coitada da moça tentava acalmar a criança com palavras doces e gentis, mas o menino não parava de berrar.
- Uma criança mimada. - falei, sentindo pena da mulher. - Por que ela não manda ele ficar quieto? Tentar acalmar não está adiantando.
Minha mãe olhou na mesma direção que eu parecendo curiosa.
- Parece você quando era mais nova. - disse. - E por conta de suas atitudes recentes, um pouco agora também.
Aquilo foi claramente uma ofensa.
- Eu te irritava porque você era uma péssima mãe. Ainda é, claro. - respondi. - Mas aquela mulher não parece uma mãe ruim, só um pouco despreparada.
Quem sou eu para julgar. Nesse momento, nem consigo encarar minhas filhas.
- Não seja ingrata. Eu te dei um carro. - exclamou, se defendendo.
- Não, você fez eu me aproximar do Bruno por um carro. - falei. - Você me comprou.
- Quer realmente me culpar por isso? Vocês estão juntos hoje, deveria me agradecer.
- Agradecer? Você quase fez ele casar com uma psicopata porque não queria que ele ficasse comigo.
Deu de ombros.
- Passado. - disse, sem se importar. - E nem sei porque está me atacando desse jeito. A gente chegou a se entender no dia do seu casamento.
- Mas ai descobri que você estava tramando com o Damon para fazer minhas filhas morarem na mansão. - lembrei ela.
Ela me olhou confusa.
- Eu quero o melhor pras minhas netas, Helena. Foi nas melhores das intenções. - afirmou.
- Nem preciso te lembrar que o inferno está cheio de boas intenções também. - falei.
Ela olhou novamente em direção a criança mimada, e então fez menção de andar até o outro lado do corredor.
- Aonde vai? - perguntei, notando que ela ia aprontar alguma coisa.
- Provar que não sou tão ruim assim. - disse, e me lançou um rápido sorriso.
Quando a mãe do garoto se virou para beber água no bebedouro, Catherine se agachou na frente da criança e sorriu de forma gentil.
- Qual é seu nome, garoto? - ela perguntou, em um tom baixo.
Fiquei de pé observando aquela cena.
- Gabriel. - respondeu, o menino nem um pouco incomodado em falar com duas estranhas.
Irônico. Nome de um anjo para um garoto que age como um diabinho.
- Então, querido, Gabriel. Você sabe o que acontece com crianças que desobedecem os pais? Principalmente as mães? - minha mãe continuou, ainda em um tom amável.
- Não ganham presentes de natal? - o menino respondeu, de forma debochada. - Nem adianta falar que sim porque sei que o Papai Noel não existe. Meu pai que me dá tudo que eu quero.
- Não, é pior. São levados pelo homem do saco. - minha mãe deu uma pausa causando um certo mistério. - No meu país o homem do saco fica caminhando pela rua esperando a oportunidade perfeita para pegar crianças que não são legais com seus pais.
- É mentira. - o garoto falou, mas consegui perceber como ele ficou preocupado.
- Quer apostar? Continue gritando com sua mãe que o homem do saco vai te pegar e nunca mais vai vê-la na sua vida. - minha mãe disse.
- É verdade. - falei, entrando no jogo. - Ela sabe mais do que ninguém o que distância o filho de uma mãe.
Catherine me olhou naquele momento entendendo a indireta.
Ela levantou do chão e passou a mão no cabelo da criança.
- Adeus, Gabriel. - disse. - E seja um bom menino, ou sofra as consequências.
Nos afastamos do menino e voltamos para o outro lado do corredor.
- Ótimo, acabamos de traumatizar psicologicamente um menino de 10 anos. - falei, com um falso orgulho. - Isso é um grande passo na nossa relação. Meu pai vai ficar feliz de saber.
- Foi uma lição de vida. - ela explicou, nem um pouco arrependida.
- Avisa isso para os pesadelos que o menino vai ter.
Esperamos por mais alguns minutos, até que o veterinário apareceu e nos explicou a situação do Winnter. Ele realmente quebrou a patinha, mas o médico garantiu que tudo vai ficar bem. É só seguir as recomendações e ficar de olho no cachorro.
Meia hora depois, nós já estávamos no carro voltando para casa. Winnter se encontrava em uma pequena casinha que estava encostada no banco de trás.
- Aproveitando que tudo terminou bem, você pode voltar a pensar no que eu disse. - minha mãe falou dirigindo. - É difícil perder um filho.
- Não perdi outro filho, perdi a capacidade de ter outro filho com meu sangue e do Bruno. - falar em voz alta tornava tudo pior.
- Você é forte, Helena, vai superar. - ela garantiu.
Eu espero que sim.
Ficamos o resto do caminho em silêncio. Assim que entramos na propriedade, vi o Bruno encostado em seu carro em frente á fonte.
- Ele chegou mais cedo. - comentei, e abri a porta. - Você pode levar o Winnter para dentro?
Minha mãe assentiu.
Eu saí do veículo e fui até meu marido.
- O que faz parado ai? - perguntei, depois de ter me aproximado. - Não vai me dizer que está vigiando seu carro com medo que eu o pegue e sofra outro acidente?
Ele segurou meu braço e me puxou em sua direção. Assim que meu corpo fez contato com o seu, me senti um pouquinho melhor.
- Eu também estou feliz por te ver. - falou, ignorando meu comentário. - Estava te esperando. Ellie falou que você saiu com sua mãe.
- O Winnter quebrou a patinha, levamos ele ao veterinário. Está tudo bem agora. - contei. - Por que está me esperando aqui fora?
Ele passou a mão no meu rosto de forma carinhosa fazendo meu peito aquecer no peito.
Depois de tudo que aconteceu, Bruno sempre tenta de alguma forma me fazer sentir melhor.
E eu amo ele ainda mais por isso.
- Porque hoje você vai ser toda minha. - respondeu, e senti um ar de mistério.
- Qual é a surpresa? - questionei, interessada. - Se andou falando com minha mãe com certeza está pensando em me internar.
Ele riu de forma fraca e aproximou seu rosto do meu.
- Não vou te internar, mas é melhor parar de me dar ideias. - disse. - E também não vou contar a surpresa, porque ai deixa de ser surpresa.
Quando achei que ele fosse finalmente me beijar, Bruno se afastou me soltando.
- Espera. - pedi, quando o mesmo fez menção de caminhar até em casa.
Ele sorriu com minha confusão.
- Ah, não faz essa cara. - pediu, achando graça. - Só garotas boas ganham beijos, e muitas outras coisas. Garotas más ganham sermões.
Franzi o cenho.
- Eu não estou sendo má. - afirmei.
Nesse momento, minha mãe passou por nós e acenou para o Bruno. Ela tinha tirado o Winnter da casinha e levava o filhote em seu colo.
- Boa tarde, Catherine. - meu marido disse, de forma educada.
Eu só voltei a falar quando ela tinha se afastado.
- Não seja simpático, ela pode querer voltar. - exclamei, sem pensar muito.
- Assim vai continuar nos sermões, meu amor. - disse.
- Bruno. - chamei, nem um pouco satisfeita.
- Escolha qual garota vai ser e eu te dou o prêmio que merece. - falou, sem me olhar.
Suspirei, contrariada.
Assim que cheguei na porta de casa, parei ao ouvir o som da risada da Alexia.
Um som doce e inocente.
Senti um aperto no peito enquanto um nó de formava na minha garganta.
Não tem porquê eu ficar receosa em ver minhas filhas, em segurar elas.
Mas, ainda sim... meus pés travaram no chão.
No final, minha mãe tem razão, mesmo que eu odeie admitir.
Eu preciso de ajuda.
Capítulo grandinho mostrando uma relação saudável entre mãe e filha.
Fui.
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