Era de manhã bem cedo e o céu estava nublado. O sol se escondia, brilhando tímido por trás das nuvens.
Com os braços apoiados na grade, eu contemplava a baía. Havia um homem praticando kitesurf próximo da ponte e não deixei de notar como ele parecia se divertir.
Como alguém podia se divertir em um dia como aquele?
Tudo aquilo era demais para mim. Meu coração pesava feito chumbo.
Lágrimas involuntárias rolaram pelas minhas bochechas.
— Por que você se foi? Por quê? — perguntei inconformada, mesmo sabendo que ela não estava mais lá para me escutar.
Era o dia da morte da minha mãe. O dia que eu mais detestava de todos os dias do ano.
Fiquei parada, observando as águas se movendo e refletindo a luz matinal.
Geralmente as pessoas iam a um cemitério quando queriam ficar mais perto daqueles que foram embora de suas vidas. Não era o meu caso. O corpo dela nunca foi encontrado. A lápide no cemitério foi parte de um ritual simbólico, somente isso.
O corpo dela não foi enterrado. O caixão estava vazio, então eu ia ao último lugar em que ela pisou.
Eu ri amargamente.
De todos os meios que poderia ter escolhido, ela optou por um que a fizesse desaparecer por completo. Um que mantivesse seu corpo fora de nosso alcance. Fora do meu, de Madison.
Isso me destruía por dentro.
Quando perdi o colar, perdi uma parte dela. A ponte era tudo o que me restava. Sempre que ia ali, eu era engolfada pelos mesmos sentimentos ruins: mágoa, desespero, tristeza, frustração e principalmente... raiva.
Aquela vez não foi diferente.
Eu tinha um certo amor e ódio por aquele lugar. Ao mesmo tempo que guardava uma parte significativa da minha mãe, me trazia más recordações sobre seu fim. Sobre o pesadelo que vivemos. Sobre toda a porcaria de vida que tivemos.
Eu era a única pessoa que prestava homenagem à minha mãe. Madison ainda era nova demais para entender a dimensão de tudo e por que as coisas aconteceram como aconteceram.
Aquela ponte, Liam, era importante para mim. Ela estava impregnada de lembranças, boas e ruins. Mais ruins do que boas. Ainda assim, eu continuava indo até lá.
Não podia evitar. Fazia parte de um ritual sagrado que eu seguia rigorosamente.
Quando deu a hora de ir, peguei uma condução para o trabalho. Minha mente era um turbilhão, eu não conseguia pensar direito. Eu me sentia pesada, eu me arrastava pelas ruas. Era como se meu corpo fosse feito de ferro e o chão fosse o ímã, me puxando para baixo.
Ninguém imaginava o esforço que eu fazia para me manter de pé.
Havia grilhões imaginários acorrentados aos meus pés, roubando minha velocidade, tornando meu caminhar lento e pesado. Estava até difícil respirar.
Mas quando cheguei à lanchonete e te vi entrar minutos depois, o meu coração ficou leve. Ele bateu, bateu muito rápido. E os meus pulmões ganharam ar.
Você acenou para mim assim que me viu.
Acenei de volta.
E quando você veio falar comigo e sua voz aveludada acariciou meus ouvidos, percebi que precisava desesperadamente de algo positivo em meio a tanta coisa ruim.
Era você esse algo que tornava meu dia leve com suas investidas e piadas foras de hora. Com seus sorrisos bonitos e olhares intensos.
Era de você que eu precisava, Liam.
Só você.
Naquele dia você se sentou sozinho à mesa para comer um dos seus pratos favoritos. Ao terminar a refeição, você veio até mim para confirmar se eu iria ao aniversário do seu irmão Ryan. Parecia ser importante para você que eu fosse. Confirmei minha presença e a de Madison.
Então você sorriu e o mundo se tornou um lugar melhor, habitável.
Você dava leveza à minha vida. Deixava a dor mais leve e suportável. Mas enquanto você me fazia acreditar que era possível tirar os meus pés do chão e voar, eu te afundei com meus defeitos e todo o peso dos traumas que eu carregava.
E isso, Liam, foi muito injusto com você.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro